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Approbato defende direito à comunicação

terça-feira, 30 de setembro de 2003 às 17h41

Brasília, 30/09/2003 – Ao participar nesta terça-feira (30/09) do seminário internacional "Democracia, Cidadania e Direito de Acesso a Informações Públicas", promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, afirmou que os órgãos públicos no País continuam sonegando informações à sociedade e defendeu o fortalecimento do Conselho de Comunicação Social, com participação de todos os segmentos interessados, para definir políticas mais transparentes nesse setor. Segundo Approbato, o direito de comunicação social deve ser um item prioritário na agenda política dos próximos anos.

Leia, na íntegra, a palestra proferida por Rubens Approbato Machado no seminário:

Senhoras e Senhores,

Vou me permitir traçar, em linhas gerais, considerações sobre o tema, revendo alguns conceitos centrais:

A informação é um direito da sociedade democrática e um dever do Estado. Esse é o axioma central do liberalismo, que assim pode ser expresso: a tarefa da sociedade é garantir um livre intercâmbio de idéias, de forma que os homens possam usar a razão e a livre escolha. As idéias devem possuir oportunidades iguais, e todos devem ter acesso aos canais de comunicação. Se todos os cidadãos não tiverem a mesma oportunidade em matéria de informação, dificilmente construiremos uma democracia verdadeira. Acontece que temos dois países dentro do Brasil: o país dos que podem, e o país dos que não podem, o país dos que detém os meios (poder econômico, partidos políticos), de pressionar o sistema de comunicação, e o país que não tem condições para tanto.

1. O artigo 5° da Constituição, no seu inciso XIV, assegura o acesso à informação e resguarda o sigilo da fonte. O inciso XXX assegura o acesso às informações de órgãos públicos. O inciso IV assegura a manifestação do pensamento. O inciso IX, a liberdade de expressão. O artigo 220 no parágrafo 2° reza: É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Portanto, esses são os espaços que circundam os campos do acesso e da censura em nosso País. Ocorre que os ditames constitucionais não são plenamente cumpridos.

Os órgãos públicos sonegam informação, agindo muitas vezes como espaços dominados por capitães hereditários. A manifestação do pensamento é livre. Mas a pluralidade de pensamento nos meios de comunicação é uma utopia. A liberdade de expressão é uma referência que se desenvolve de acordo com o poder das fontes. Quem mais pode mais liberdade de expressar possui.

2. Os meios de comunicação representam a melhor garantia de ampla expressão do pensamento e de fiscalização das ações públicas. Mas, à margem dessa matriz emancipadora, em que a informação funciona como instrumento de liberdade, temos também as implicações de suas disfunções, onde ela resta à disposição dos grandes interesses; assim não há democracia com meios de informação livres, sem qualquer espécie de limite. Tal afirmação pode suscitar a existência de um paradoxo: é tão verdadeiro dizer que não democracia sem imprensa livre, quanto dizer que não há democracia com imprensa livre. Nesse caso, o "limite" é a responsabilidade da liberdade de expressão. Somos livres para nos expressar como quisermos neste País, mas não o somos para gritar, por exemplo, "fogo" em um cinema lotado. Tudo isso nos remete à discussão sobre a responsabilidade de informar.

3. Devemos compreender que a idéia da informação como valor absoluto não é senão um mito. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, condiciona o exercício da liberdade de informação (art.10) a deveres e responsabilidades; concernentes à privacidade (art. 8.2.) e à liberdade de pensamentos, consciências, religião (art. 9.2.), reunião e associação (art. 11.2.). A democracia tem fundamento político e ético no direito de livre acesso à informação: à notícia - como fato terminal - e a suas fontes primárias. Mas esse livre acesso vê seus limites sendo progressivamente definidos em todas as legislações modernas, sobretudo em duas áreas específicas. Uma dessas áreas é a privacidade, protegendo o indivíduo dos outros indivíduos, ou do próprio Estado – exemplificando: eu tenho direito de conhecer meus registros na polícia e tenho direito de que ninguém mais conheça meus registros na polícia.

4. O maior obstáculo para o acesso à informação em nosso País é a carência de mecanismos que garantam a inserção de grupamentos sociais e políticos significativos no sistema de concessões dos meios de comunicação. Se a sociedade tem direito à informação, deve pleitear esse direito de forma mais plural: ou seja, precisa reivindicar o direito de interferir nos conteúdos dos órgãos concessionados de rádio e TV. Se o Estado é o guardião dos interesses da sociedade, deve procurar inserir esses interesses nas pautas dos Meios que concede à exploração da iniciativa privada. No Brasil, como se sabe, somente os partidos políticos detêm a possibilidade legal de acesso regular ao rádio e à televisão, mesmo fora dos períodos de campanha eleitoral. Se quisermos ampliar o espaço público da cidadania e instaurar uma democracia verdadeiramente comunitária, que ultrapasse os limites da mera relação vertical entre o povo e o poder (político ou econômico), será preciso incluir o direito de comunicação social como item prioritário na agenda política dos próximos anos.

5. O Conselho de Comunicação Social, mecanismo estatuído na Constituição Federal, precisa articular junto ao Congresso a regulamentação do artigo 221 inciso III, que assim reza: "regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei". Com a regionalização da comunicação, as redes eletrônicas de comunicação passarão a se obrigar a dedicar parcela de sua programação às questões locais e regionais. Trata-se de uma medida que viria democratizar o acesso à informação, dentro de uma visão de consolidação das culturas regionais. Seria uma maneira de se atenuar os efeitos danosos de uma programação centralizada e comandada pelos grandes centros.

6. O Conselho de Comunicação, por sua vez, há de criar mecanismos de controle social da informação, que permitam ajustar as programações das redes. Essa interferência não tem nada a ver com a censura, e sim com os próprios interesses da sociedade.

7. Há países como o Canadá, em que tribunais de ética ajudam a sociedade a se defender contra órgãos de comunicação, ou mesmo contra jornalistas. No Brasil, os cidadãos injustiçados, recorrem apenas à justiça, que como sabemos é lenta, e, operacionalmente, sem a agilidade e a eficiência reclamadas pela cidadania.

8. Para a correção dos desvios e distorções geradas pelos interesses mercantilistas das programações, há de se instituir normas éticas que sejam auto-aplicáveis pelos meios de comunicação, dando-se poderes ao Conselho de Comunicação para acompanhar, avaliar e julgar os casos.

9. É cada vez mais evidente que um sistema adequado de gestão da informação exige a participação do poder público, não como produtor, mas como instrumento de controle democrático dessa informação. Nos Estados Unidos, só para ficar com um exemplo, esse controle se opera por exame crítico para a concessão da autorização de funcionamento e por um vasto conjunto de regras editadas pela Federal Communication Commission - FCC; entre outras a personal attack rule, obrigando a gravação da programação e sua guarda durante oito dias; a equal time rule, assegurando tempos iguais aos candidatos em campanhas eleitorais; e a fairness doctrine, garantindo a pluralidade de versões. É que o Estado, como o Leviatã pressentido por Hobbes, cresceu e acumulou poder demais; inclusive a partir dos meios de comunicação, que funcionam como instrumentos de concentração desse poder.

10. Precisamos estar sempre atentos aos controles democráticos dos meios de comunicação de massa. A propósito, tenha-se ciência de que, nos Estados Unidos, as comunicações estão submetidas a diversas regras operacionais dentre as quais: a chain broadcasting (para difusão em cadeia); a prime time access (limitando o controle das redes de TV sobre programação); a financial interest-syndication (vedando o acesso das redes na distribuição de programas); a duopoly rule (limitando o número de emissoras de rádio, por controlador, em uma mesma área); a one-to-a-market rule (limitando a exploração a apenas um tipo de veículo, por mercado, rádio ou TV).

11. Por último, precisamos ficar atentos a questão das concessões, com a finalidade de evitarmos a concentração dos meios a oligarquias, familiares ou políticas, que dominam as unidades federativas. É preciso repartir o bolo da comunicação com os grupos da sociedade organizada.

Essas em rapidíssimas e pontuadas pinceladas são as idéias que brotam, para que o império da liberdade de expressão e a intocabilidade do amplo direito de comunicação não possam sofrer qualquer tipo de censura. A responsabilidade pelos desvios do exercício dessas liberdades hão de ser apuradas e sancionadas, quando e se for o caso, dentro dos cânones do devido processo legal, sem desaguar, repita-se, em censura seja de que natureza for.

Rubens Approbato Machado
Presidente Nacional da OAB

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