Juízes do interior instituem a jornada TQQ
Brasília, 27/04/2008 - O expediente privilegiado de deputados e senadores, que costumam concentrar o trabalho de terça a quinta-feira, não é mais exclusividade do Congresso. Pouco a pouco vêm à tona queixas contra juízes do interior adeptos da prática. São magistrados contratados para atuar em cidades pequenas, mas que não abrem mão de passar o fim de semana prolongado na capital do estado. Em muitos casos, a jornada reduzida é motivada pelo endereço do juiz, que se recusa a morar na comarca onde atua e mantém residência e família em outra cidade. Sobre isso, a Constituição é clara: ela obriga o magistrado a morar no município onde trabalha.
As denúncias partem principalmente de representações locais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - que apelidou a prática de TQQ, em alusão às iniciais dos dias da semana que resumem o expediente. Uma das reclamações é contra Ricardo Ferreira Leite, do Juizado Especial Cível e Criminal de Paraíso do Tocantins. Ele mora em Palmas e, segundo a OAB local, não comparece todos os dias ao trabalho, a 70 quilômetros de sua casa. Na quinta-feira, O GLOBO telefonou para o juizado.
Uma funcionária que se identificou como Betânia Araújo informou que o chefe só havia trabalhado na terça-feira. Nos outros dias da semana, ele estava "de recesso". Em defesa do magistrado, Betânia disse que a situação era uma eventualidade: "Ele trabalha todo dia".
Magistrados ignoram proibições
O juiz Antiógenes Ferreira de Souza, da 1ª Vara Cível de Porto Nacional (TO), mora na cidade. Mas é professor na Universidade de Gurupi, a 240 quilômetros dali. Ele conta que toda segunda-feira trabalha até as 16h, quando pega a estrada. Volta na tarde do dia seguinte. Chegou a pedir autorização à Corregedoria do Tribunal de Justiça de Tocantins para dar aulas, mas o órgão negou, por entender que a atividade extra prejudicava sua produtividade. Souza desobedece à determinação. "A aula não afeta meu trabalho. Minha carga horária na universidade é a menor possível: oito horas-aula por semana. O tribunal disse que não pode, mas recorri da decisão porque minha produtividade aumentou ano passado", justifica.
Recentemente, um grupo de advogados de Dom Pedrito (RS) reclamou à corregedoria do estado do juiz Rodrigo Granato Rodrigues, da 2ª Vara Judicial. Ele mora em Bagé, a 70 quilômetros de onde trabalha. Segundo os advogados, "a falta de permanência na sede da comarca do magistrado, bem como sua ausência em dias de semana e fins de semana na cidade, acarretam consideráveis prejuízos aos jurisdicionados".
Rodrigues pediu ao Conselho Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul autorização para morar fora, mas a resposta foi negativa. Ele descumpre a decisão. Em sua defesa, ele diz que não falta ao trabalho e que a vara tem produtividade superior à média nacional. E alega não poder se mudar de Bagé, pois a mulher e o filho moram lá. "Meus despachos não demoram mais que 24 horas, e não há reclamação de morosidade na minha vara. Não vou deixar minha mulher e meu filho sozinhos. Tenho obrigações como magistrado, esposo e pai. Quero exercer bem as três funções". (O Globo)