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Pinaud: OAB mostra que luta por auditoria da dívida não acabou

quinta-feira, 10 de abril de 2008 às 07h20

Brasília, 10/04/2008 – O jurista João Luiz Duboc Pinaud, da Rede Jubileu Sul/Brasil, classificou a dívida externa brasileira como “um mega estelionato” e destacou a importância de a atual gestão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) retomar a cobrança de uma auditoria sobre sua origem e desdobramentos. “A Ordem vai retomar a luta pela auditoria porque ela já lutou por isso inclusive na feitura da Constituição de 1988; então, ela estará retomando também o instituto de sua própria glória”, sustentou o jurista ao participar do debate promovido pela Comissão especialmente constituída pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, para debater e encaminhar soluções para o tema. Durante sua intervenção no debate, Duboc Pinaud, que é também membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, recordou o empenho do qual participa há 19 anos pela efetivação do artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição, que determina a realização da auditoria da dívida pelo Congresso Nacional, e confessa que chegou a fraquejar e pensar em escrever um livro sobre uma “luta inútil”. Mas disse ter renovado a esperança ao sentir que a atual gestão da OAB dará continuidade a esse trabalho.

A seguir, a íntegra do pronunciamento do jurista Duboc Pinaud no seminário da Dívida Externa promovido pela OAB (SEM REVISÃO):

"Senhores Conselheiros. É curioso, vou ter que falar rapidamente sobre uma coisa que é motivo de vida. A luta contra o endividamento externo é um motivo de existência. Só para vocês terem do tempo que isso faz, eu tenho um livro publicado, com o prefácio de Hermann Baeta: “Dívida contra o Direito”, edição de 1992.

E, em 89 a 90, aqui há uma referência para o trabalho da OAB. O Conselho Federal da OAB aprovou, numa sessão de manhã, numa terça-feira, o questionamento jurídico da dívida externa. Eu não sei por que não foi à frente.

Então, eu queria dizer, na sugestão que, todos que falaram antes de mim, o Aristóteles, a Maria Lúcia Fatoreli e o Reginaldo Furtado, eu acho que a Ordem tem dois grandes compromissos éticos. O primeiro compromisso é com a Nação brasileira, é com a história brasileira.

Então eu acho que, nesse sentido, nas mãos do Conselho Federal está a grande questão nacional, do mega estelionato que representa o endividamento externo. É um mega estelionato. Os penalistas falam em estelionato, mas o endividamento externo é o único exemplo de mega estelionato, sangrando o País. Esse é o grande motivo.

Outro grande motivo é um motivo pessoal para a Ordem dos Advogados: ela não pode deixar apagada essa fase, que é uma das fases mais brilhantes, de maior força de defesa da soberania nacional, entendida a soberania nacional não como um argumento jurídico, mas como uma gestão da própria riqueza. Aí, sim, é soberania nacional, é a possibilidade de uma nação ter a gestão da sua própria riqueza.

Então, no momento em que a Ordem retomar essa luta. Retomar, porque ela vai retomar, porque ela já lutou, isso na feitura da Constituição de 88. Então, ela está retomando também o instituto da sua própria glória, porque a Ordem teve o papel de vanguarda da vanguarda da linha de frente, durante a repressão militar.

Eu fico feliz de estar falando isso, e fico também muito triste, porque isso vem provar que eu já estou beirando os meus 80 anos, estou próximo dos meus 80 anos. Então, é desagradável você fazer um depoimento histórico, quando você é testemunha participante. Eu, pessoalmente, fui um enriquecimento, porque eu rodei o mundo, eu estive em Viena, estive em todos esses congressos, defendo da questão da OAB.

Essa discussão que o Reginaldo Furtado mencionou aqui é uma coisa importante que houve. Severo Gomes na Presidência e nós representávamos a Ordem, a nossa Comissão. E eu fiquei muito inibido, eu estava começando, que ele falou “o rapaz” é porque eu era realmente, tem 18 anos isso, eu era muito jovem.

Então, eu perguntei ao Severo Gomes. Eu disse: “Olha, o Roberto Campos, o Bob Fields, ele está atacando”. E ele disse uma coisa engraçada, ele disse assim: “Eu posso responder? Porque eu vou responder com veemência”. “O senhor é o Presidente”. Aí ele virou-se: “É uma Comissão Mista”. Aí, o Severo Gomes, muito elegante, e é um grande brasileiro, ele disse: “Fique inteiramente... A OAB, aqui não é a minha casa”. Eu digo: “Não, eu estou pedindo, o senhor é o anfitrião. Eu não vou atacar um Ministro, aqui, o senhor sendo o anfitrião”. Ele disse: “Use, aqui é a Casa da Ordem”. Ele falou para mim. Aí eu digo: “Bom, eu estou autorizado pelo anfitrião”. Bati no Roberto Campos.
Ele saiu zangado, aborrecido e ficou inimigo, o que é muito bom.

Mas o pior é que naquele momento eu sofri uma angústia pessoal que agora é que eu vou me libertar dela. Ele começou a atacar, e ele era muito erudito, ele era de um conhecimento preciso de uma ética imprecisa. Então, ele atacando, ele disse: “A OAB, ela tem uma pleonéxia”, e repetia a palavra “pleonéxia”.

Aí, um colega meu da OAB disse assim: “Pinaud, você que estuda latim, grego, o que é pleonéxia?”. Eu digo: “Meu Deus, esse bandido vai citar a única palavra grega que eu não sei o etio. O que é isso?” Eu fiquei nervoso. Eu fiquei tão nervoso, tão frustrado, na minha vida. “Como é que ele foi buscar uma palavra? Eu estudo grego, estudo latim e não sei o que que é pleonéxia”. Não me ocorria. Eu tentei fazer mil associações, porque a etimologia é a técnica, também, do artifício, da sugestão, pode inventar. Aí eu tentei, mas não havia jeito. Até que mesmo me salvou, porque ele disse assim: “Ah...”, porque vocês observem no artigo 26 da Constituição fala “irregularidades e nulidades do endividamento externo”. E ele dizia que aquilo era a mesma coisa e nós sustentávamos que não era. Não, tanto faz ser uma irregularidade, coisas menores. Ele disse: “Porque todos nós sabemos que nulidades vem de nulos”. Aí eu digo: “Bom, agora ele caiu no latim”, ele era conhecido como um grande latinista, estudou em seminário, não é? Eu digo: “Não, não vem de nulos, não. Você está errando o latim. Volte para o ginásio, vai estudar latim, porque não vem de nulos, nulidade não vem de nulos. Nulidade vem de nec ilus, que é uma coisa tão mínima que não chega a ser um ilo do feijão.

Então, vai aprender latim para depois vir falar aqui em nulidade”. Aí, foi uma confusão esses acontecimentos. Era muito importante, era a luta contra o endividamento externo.

Então, toda essa história é grandiosa para a OAB. Aqui, por exemplo, a Comissão feita, que estava na vanguarda da vanguarda da luta, se faziam reuniões, e era feito, não tinha computador, se faziam... as linhas eram numeradas, xerografávamos aquilo, era um escritório do Hermann Baeta.

Reunia a Comissão, o número de... Depois, como nós tínhamos medo, que eram as descobertas contra o endividamento externo, então, eu troco essa linha, discutia, depois aí eu recolhia todos os papéis. Mas como? Eu só só quero... Não, não pode ficar, não pode xerografar isso aí, sigilo sigiloso e tal.

Porque toda a documentação da dívida externa... não sei se ainda é porque eu abandonei. A dívida externa foi sempre a luta, foi sempre uma mancha infiel. E eu não quero mais saber dela, 18 anos, eu não acredito mais nessa luta. Aí, Maria Lúcia Fotoreli, na Unafisco, retoma a discussão do problema da divida externa.

Então, aqui, nós vamos chegar num ponto. A OAB tem uma bela história, muito bonita, e está sendo dada a oportunidade a esse novo Conselho de fazer a grande afirmação, o grande retorno. Porque durante os governos militares, por lei era proibida a publicação no Diário Oficial de alguma coisa que pudesse perceber o conteúdo relativo à dívida externa. Qualquer sujeito que saísse em vilegiatura(?) para o exterior, podia contratar, em nome do Tesouro Nacional. Então, sempre foi um mega estelionato, e nunca ninguém mexeu nesse problema da dívida externa.

Eu, então, referendo as palavras da Maria Lúcia que, realmente, a Ordem é a única que tem estatura moral e competência jurídica para enfrentar essa luta. Quando, agora, o Presidente Cezar Britto, criando a Comissão e dando a Presidência ao Atheniense, está fazendo um grande passo desse resgate.

Portanto, é o que eu queria dizer. Eu não quero me alongar. Eu ia publicar agora um livrinho sobre “Uma estranha luta inútil”, já estava rascunhando, mas vou suspender porque, agora, acenderam as esperanças. Esta inútil luta, não, a OAB continua lutando. É a grande oportunidade que nós temos.

Paulo Gili(?) fez um estudo do quanto representa a mutilação do povo brasileiro, em termos de dólares, aqui. No tempo dos petrodólares, vinha todo o dinheiro, eram as chamadas “comissões”, o Delfin Neto, eu não preciso dizer da indignidade disso. É só lembrar que quem gerenciava isso era Delfin Neto, eu não preciso dizer mais nada contra a falta de lisura. Já está definido. Dá o nome e o nome qualifica a coisa. Como dizia Platão: “É o nomo tepis”, o nome substitui o objeto. Diz o nome, já disse o objeto. Iniqüidade, Delfin Neto já está dito, não precisa fundamentar.

Então, mas nessa história da indignidade nacional, desses todos que sufocaram a dívida externa, existe também o trabalho da dignidade nacional. Estava representada por esses homens que lutaram aqui. No IAB, Benedito Calheiros Bonfim, Hermann Baeta, o grupo que lutou. O Ophir, o Presidente da Ordem, o Ophir foi o homem que deu o maior apoio a essa Comissão. Era uma Comissão que estava criando, todas as entidades do Brasil, CNBB, CONIG, Conselho Nacional das Igrejas Cristãs. Você imaginou reunir religiões para discutir: “Não, nós temos que nos unir contra o endividamento externo, que é a maldição do século XX”, à época nós dizíamos, agora é século XXI.

Então, isso era uma coisa importante. Então, é o grande momento, o grande momento histórico para a OAB. Essa Comissão tem uma força. Ela tem, digamos assim, um lastro de esperança, um fundamento de esperança, porque é o resgate. O Atheniense foi muito feliz.

E eu me lembro, falando em Atheniense, eu estou me lembrando do Reginaldo Furtado, que eu procurei o Evandro Lins, era Seabra Fagundes, era o nome do Conselho, eu estava perdido aqui. Aí, o Evandro Lins: “Fale com o Reginaldo Furtado, que ele merece toda a confiança de competência e de dignidade”. O Evandro Lins que me falou. Então, a gente ia.

Seabra Fagundes escreveu que o Brasil, ele tinha estudado muito história do Brasil, ele nunca tinha visto uma renúncia escrita à soberania nacional, como foi no caso do Acordo 2. O Brasil abriu mão da sua soberania.

Então, nós estamos mexendo no que há de fundamental no País e, também, no que há de possibilidade de fonte de libertação, de hegemonia, porque é direito humano ao desenvolvimento. O que está se defendendo aqui é direito humano ao desenvolvimento.

Portanto, aqui é um momento de grande esperança. Eu cheguei aqui, quando eu vi do Conselho, falar no Conselho Federal da OAB, sobre essa questão da dívida externa, isso é uma das coisas mais sérias. Isso aí, só isso justifica uma existência. Então, esses 18 anos, ou 20 anos, que todos lutam, a minha geração toda lutou contra isso, se transformam em meses de trabalho. E nós passamos a ser, com aquele entusiasmo de vestibulandos de Direito, e vamos reformar o mundo, e vamos salvar a humanidade, porque nós vamos livrar o Brasil dessa pecha, dessa mutilação, dessa condenação ao degredo, que é o criminoso endividamento externo do seu futuro.

Então, parabéns ao Conselho, e que o Cezar Britto consiga levar isso ao extremo que é, primeiro ponto, resgatar tudo o que a Ordem já fez, já tem um pronunciamento do Conselho, aprovado unanimemente. Levantar todo o histórico de pronunciamento e de publicações, é imenso. Eu tenho um acervo, eu ofereceria à Ordem, que durante esses anos todos de luta no Brasil e no exterior, muitos iam dando os dados. São preciosos, e eu tenho caixas e caixas sobre dívida externa. Chega a um ponto de especialização que aquilo ultrapassa a sua capacidade intelectual de abranger, você não consegue mais abarcar. Então, você tem que dar isso para outros.

Entre as medidas da época, eu me lembro bem, aprovada pelo Conselho, era se fazer, entregar à sociedade civil, que estão arquivados no gabinete da Presidência da República, e continua hoje a farsa, a mesma farsa, já foi dito aqui, sigilo para que esses documentos da contratação dos endividamentos fosse submetido à sociedade civil organizada, para exame, para exame dos técnicos, como tornar isso público. Isso não pode ser vedado, ainda que por decreto. Se são decretos são o que o Platão chamava do injusto perfeito: é a injustiça com forma de justiça. É o injusto perfeito platônico.

Então, é o grande momento para a OAB. E acho que nós devíamos parar tudo e trabalharmos para isso. Eu estou trabalhando em duas comissões realmente importantíssimas. Uma, é o que está o Roberto Caldas, aqui, a do dengue, o salvador, a do dengue, a cura da dengue, porque um médico da Bahia oferece, põe nas mãos de duas Comissões da OAB a luta para suprimir, sem gasto, sem investimento, sem nada, a tragédia da dengue no Brasil inteiro. E essa, eu não sei qual é a mais importante. E acho, em termos de violação de direitos humanos, eu não sei o que é mais importante.

E ontem, na nossa Comissão, magnificamente presidida pelo Agesandro, Direitos Humanos, nós estávamos discutindo a competência das Comissões, a submissão ao Presidente, a demora que traz a burocracia de submeter ao Conselho. E eu me lembrei de uma coisa de Terêncio. Ora, competência, no termo jurídico, é uma coisa à toa, quem é competente está distribuído por lei.

Mas se você for pensar no objeto que você está defendendo, a competência é algo muito maior. Então, eu me lembrei de um poeta latino, Terêncio, que dizia: “Humano sunto, ini humano ame alieno puto”(?). “Eu sou humano em tudo que seja humano, eu não julgo alheio a mim”. Então, tudo que seja lesão ao humano é o fundamento dos direitos humanos. Então, ou seja, é da minha competência. Eu sou humano, então, no nosso caso, nós somos cidadãos. Então, nada é alheio.

Então, é a oportunidade, eu repito, insisto, e peço desculpas se me perdi um pouco, mas é a emoção, é a lógica, 18 anos para poder falar isso. É a grande oportunidade que é dada, histórica, ao Conselho Federal da OAB, para aprofundar isso e lavar a alma, a história brasileira."

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