Approbato debate reforma do Judiciário com senadores
Brasília, 13/08/2003 – O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rubens Approbrato Machado, afirmou nesta quarta-feira (13), em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que considera imprescindível a realização da reforma do Judiciário, em tramitação no Senado, mas alertou para a necessidade de as mudanças atacarem os pontos frágeis do sistema: a morosidade dos resultados e a conseqüente impunidade.
“A reforma que está sendo avaliada nesta Casa é o início do processo para que o Poder Judiciário se transforme naquilo que a população espera da Justiça. Na visão da OAB, a reforma deve se destinar não à resolução dos problemas internos do Poder, mas ao atendimento dos anseios de um povo que pretende ser civilizado”, disse Approbato.
Segundo o presidente da OAB, além de outros problemas causadores da lerdeza do Poder, se destacam dois relevantes, um de ordem externa e outro interno ao Judiciário. O primeiro está relacionado ao baixo número de julgamentos de processos apresentado por alguns juízes, o que, na visão da OAB, justificaria a criação de um mecanismo de controle externo.
“A Ordem não quer interferir na liberdade de julgamento dos juízes, mas defende a fiscalização da funcionalidade do Poder Judiciário. Por isso, é favorável ao controle externo do Poder, para análise de aspectos administrativos e disciplinares. Pois, se um juiz não julga, porque fica viajando para dar palestras ou por qualquer outro motivo, algo precisa ser feito a respeito disso”, sustentou.
O segundo aspecto negativo do sistema enumerado por Approbato é o excesso de legislação, o que, para ele, acaba causando “uma verdadeira erupção de sentimento de litigiosidade”, principalmente em questões públicas. “Esse emaranhado de leis acaba por confundir juízes, magistrados e advogados”, observou.
Ao listar as posições da OAB sobre a reforma do Judiciário, o presidente da entidade observou que as opiniões não estão ligadas a interesses corporativos, mas sim aos interesses do cidadão. Segundo ele, essa postura é necessária, pois o Poder Judiciário do País, em função de sua estrutura e da pouca agilidade que apresenta, acaba se transformando em instrumento daqueles que não têm direito.
Sobre a súmula vinculante – que obriga o acatamento, por parte de instâncias inferiores do Judiciário, de decisões já proferidas por tribunal superior em assunto similar –, constante da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma, Approbato declarou que a OAB condena o instrumento. Conforme explicou, o mecanismo concentra poder nos altos tribunais e é anti-democrático, pois isola a instância inferior, onde a ação é gerada, impedindo também o acesso de processos individuais aos tribunais superiores.
Ensino e nepotismo
Rubens Approbato Machado citou ainda a questão da má qualidade do ensino jurídico, com a proliferação de faculdades que lançam no mercado profissionais mal formados. Para ele, esse é mais uma questão a impedir a eficácia do Poder. Sobre a questão da formação jurídica, o advogado avaliou como muito formal a lei processual brasileira.
“Isso acaba levando os estudantes e praticantes do Direito a uma visão de que o instrumento é mais importante do que a finalidade do Direito natural, com prestígio exagerado do formalismo processual”, apontou.
Ele também informou que a ordem é totalmente contrária à prática de nepotismo – emprego de parentes em cargos públicos – e vai atuar para que a reforma contenha novos mecanismos capazes de evitar tais atitudes, inclusive aquelas em que um magistrado ou ministro emprega o parente de colega para dissimular o nepotismo.
A OAB, acrescentou Approbato, é favorável à “quarentena” após a aposentadoria dos magistrados. Pois dessa maneira, explicou, o juiz, o desembargador ou o ministro que se aposentar ficará impedido de advogar no dia imediato ao da aposentadoria. Hoje, relatou, essa prática é muito usual, e um ministro se aposenta em um dia e no outro já está advogando no mesmo tribunal em que atuava. “Isso dá o aspecto de que ele está usando do poder que teve para exercer influência nas decisões daquela Corte”, esclareceu.
Approbato ainda teceu comentários sobre as deficiências de gestão do poder Judiciário e quanto ao anacronismo tecnológico dos procedimentos jurídicos. Em sua opinião, o uso do correio eletrônico deveria ser adotado para a tramitação dos processos, como forma de agilizar as tramitações. “A Justiça virtual é compatível com a ausência de recursos humanos e físicos do Poder”, avaliou.
Durante a audiência pública promovida pela CCJ, o presidente do Conselho Federal da OAB comentou as restrições feitas pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) à contratação de advogados por integrantes do crime organizado, que deveriam, na opinião do senador, ser assistidos pela Defensoria Pública. Segundo Approbato, não se pode confundir o advogado com o delinqüente. “O advogado defende o pecador, mas não o pecado”, disse. Segundo o presidente da OAB, o advogado que receber como pagamento de honorários recursos oriundos de atividades relacionadas com o crime organizado não está cometendo nenhuma ilicitude. O trabalho e os honorários são lícitos, acrescentou.
“Existe o delinqüente e também existe o advogado delinqüente. E para esses casos, em que se observam advogados envolvidos em situações de conivência com a criminalidade, a Ordem não atua com corporativismo, punindo exemplarmente aqueles que transgridem a lei”, garantiu Approbato, lembrando que o criminoso utiliza os serviços de outros profissionais, como médicos e dentistas, sem com isto significar que estes estejam coniventes com práticas delituosas. O presidente da OAB acrescentou que a Ordem pune quem transgride os preceitos éticos, não sendo corporativa nesse aspecto.
“Não concordo de jeito nenhum com a posição do doutor Rubens Approbato de que o advogado pode pegar dinheiro de ladrão. É uma vergonha, e a OAB deveria ser a primeira a cuidar disso”, afirmou Antonio Carlos, após a resposta do presidente da Ordem.
Em resposta, Rubens Approbato Machado disse que a OAB está à disposição do Senado para aprofundar a discussão nesse sentido e observou que, num debate democrático, é natural que não haja concordância com todas as idéias apresentadas.
Também o senador Magno Malta enfatizou a necessidade de que o advogado que atenda a um cliente ligado ao crime organizado deva declarar, publicamente, quanto recebeu pelos serviços. “Até mesmo para isentar os homens e advogados de bem”, disse Magno.
Além do presidente Approbato, a audiência pública teve as participações do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Marfan Martins Vieira, e do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Cláudio Baldino Maciel.
Approbato entregou ao vice-presidente da CCJ, senador José Maranhão (PMDB-PB), que presidiu os trabalhos, e ao relator da reforma, senador José Jorge (PFL-PE), um documento com as posições da OAB em torno da reforma do Poder Judiciário.
Leia os principais pontos defendidos pela OAB
Controle externo do Judiciário
Trata-se de luta histórica da Ordem dos Advogados do Brasil. Entende que o Poder Judiciário deve, além de ter um órgão nacional de planejamento, que trace, no plano administrativo e funcional, diretrizes gerais a serem seguidas por todos os seus órgãos, contar com um órgão nacional, autônomo, forte, que exerça o controle disciplinar dos Magistrados.
Esse órgão, para ter independência e não ser contaminado pelo chamado “espírito de corpo”, deve ter a presença de pessoas estranhas ao Poder Judiciário. A ele seria dado não só punir com penas mais brandas, como advertência e censura, mas, também, em casos graves determinar a disponibilidade e até mesmo a demissão do magistrado.
O relatório da Câmara previa um conselho composto por quinze membros, sendo nove do Judiciário e seis de fora (dois advogados, dois do Ministério Público e dois cidadãos indicados pelo Congresso). A proposta do ex-senador Bernardo Cabral, que teve parecer favorável na CCJ, é de que seja o conselho reduzido para onze membros. Seriam nove do Judiciário e dois advogados. O Conselho, que já seria formado por uma maioria de juízes, fica, agora, com essa maioria ainda mais acentuada. Para a OAB, não parece razoável e nem condiz com as propostas já aprovadas no Conselho Federal, a redução feita pelo Relator, especialmente retirando os representantes do Ministério Público.
A OAB defende que sejam reincluídos os membros do Ministério Público e que se inclua, também, outros operadores do direito, tais como, por exemplo, os Defensores Públicos.
Quarentena após a aposentadoria
A OAB sempre apoiou a idéia de que se deveria impor aos magistrados que se afastam de suas funções, seja por aposentadoria ou exoneração, um período de abstenção quanto à prática da advocacia. Esse período foi estabelecido, inicialmente, na Lei 4.215/63 – o Estatuto da OAB –, como de dois anos. O dispositivo que o criava foi, contudo, tido por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A matéria, pois, deve ser tratada no âmbito constitucional.
O relator manteve, integralmente, o texto aprovado na Câmara. O Juiz, aposentado ou exonerado, não poderia, durante três anos, advogar perante o juízo ou tribunal do qual se afastou.
A OAB propôs que o magistrado ficasse, por dois anos, proibido de exercer advocacia em geral. Na CCJ prevaleceu tese ainda mais restritiva: três anos de proibição em geral.
Nepotismo
A vedação ao nepotismo, que havia sido lamentavelmente derrotada no plenário da Câmara, foi reintroduzida pelo relator, proibindo o juiz de nomear parentes. Na CCJ, restringiu-se a proibição ao tribunal ou juízo onde trabalha o juiz, para cargos em comissão. Os juízes podem continuar a nomear os parentes dos outros, desde que não no mesmo tribunal.
Quarentena de entrada
Consiste na vedação a que ocupantes de altos cargos no executivo e/ou conselheiros da OAB fossem nomeados para o judiciário – a não ser por concurso – antes de decorridos três anos de afastamento do cargo. A quarentena de entrada evitaria que o chefe do Poder Executivo nomeasse pessoas de seu governo para, logo após, apreciar questões do interesse deste mesmo governo. Aprovada na CCJ do Senado apenas para o STF. Três anos.
A OAB é favorável à quarentena de entrada.
Composição dos TRÊS
É antiga a reclamação, nos Estados-Membros da Federação, no sentido de que os políticos locais, especialmente os Governadores, exercem grande influência sobre os Tribunais Regionais Eleitorais, que, hoje, têm em sua composição uma maioria de membros do Judiciário estadual.
Na proposta aprovada na Câmara, houve alteração na composição dos TREs, para aumentar o número de juízes federais, de modo a que o tribunal ficasse menos sujeito às pressões locais. A OAB apóia tal alteração. Os TREs teriam um desembargador, um juiz estadual, dois juízes do TRF, um juiz federal de primeiro grau e dois advogados.
Quinto Constitucional
A previsão de que, em todos os Tribunais, deva haver participação de advogados e membros do Ministério Público, conhecida como “quinto constitucional”, tem-se revelado em importante instrumento de oxigenação do Judiciário. O advogado, ao ser chamado a compor tribunal, traz uma visão diferente das dos magistrados de carreira.
A Constituição Federal de 1988 estatuiu que a Ordem dos Advogados do Brasil elaboraria, para os tribunais que contassem com a participação de advogados, lista sêxtupla. Tal lista é reduzida para uma lista tríplice pelos tribunais e encaminhada ao chefe do Poder Executivo.
Nesse ponto, a Ordem dos Advogados do Brasil tem duas propostas:
a) estender aos tribunais eleitorais a indicação de advogados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Hoje, apesar da importante representação de advogados nas cortes eleitorais (dois membros em sete), a lista, tríplice, é elaborada diretamente pelo Tribunal de Justiça, quando se cuida de vaga no Tribunal Regional Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal, se se tratar de vaga no Tribunal Superior Eleitoral. Não há indicação da Ordem dos Advogados do Brasil.
b) que a Ordem dos Advogados do Brasil elabore, diretamente, a lista tríplice para preenchimento das vagas do “quinto”, remetendo-a ao chefe do Executivo, sem passar pelo tribunal.
Na Câmara, as propostas apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil saíram vitoriosas. No Senado, porém, propôs-se a volta ao sistema da vigente Constituição, ou seja, as vagas do quinto, em geral, continuariam a ser preenchidas mediante lista sêxtupla da OAB e, posteriormente, lista tríplice do tribunal envolvido (art. 94 cf). Quanto ao TSE, o relator propôs a supressão do dispositivo que garantiria que as vagas de advogado naquele tribunal dependessem de lista da OAB e não do STF, como é hoje. (art. 119). Nos TREs, o relator propôs, também, a manutenção do sistema atual (art. 120).
Precatórios
Esse é um tema recorrente nas discussões da Ordem dos Advogados do Brasil, que considera extremamente injusto o sistema pelo qual o Poder Público paga suas dívidas judiciais. Enquanto o cidadão tem que pagar seus débitos em execução judicial no prazo de 24 horas, sob pena de penhora de seus bens, o Estado tem o direito de levar anos e anos para pagar o que deve.
O relator faz grandes alterações a esse respeito. Passariam a se chamar “títulos sentenciais”, a serem pagos em dez parcelas mensais, a partir do exercício seguinte ao de sua emissão. Sofreriam correção monetária e incorporariam juros de mercado. Os alimentares seriam pagos em até cento e vinte dias de sua emissão.
Crimes contra direitos humanos
A Ordem dos Advogados do Brasil é favorável ao deslocamento da competência, para a Justiça Federal, quando se tratar de crimes que importem violação dos direitos humanos. A Justiça Federal, livre de pressões locais, tem mais isenção objetiva para julgar crimes desta natureza.
Principais pontos repudiados pela OAB
Repercussão geral
Necessidade de que, no recurso, o interessado demonstre, além do cabimento do recurso nos termos da Constituição atual, que o caso apresenta repercussão geral, ou seja, que é relevante.
Aprovada, na Câmara, só no âmbito do Supremo, nos termos da lei.
O relator, no Senado, acolheu a tese exposta pela OAB, de que não se poderia, jamais, criar o instituto no STJ e no TST.
A CCJ do senado, por oito votos a cinco, aprovou dispositivo que permite à lei reduzir as hipóteses de cabimento do recurso especial. Enquanto não vier a lei, o próprio STJ, em seu regimento interno, dirá quando cabe, ou não, o recurso especial.
Súmula vinculante
A OAB é contra a Súmula Vinculante, pois entende que “engessa” o Direito, impedindo que a interpretação das leis e da Constituição surja do saudável debate, que se inicia em primeiro grau de jurisdição. Pode-se, contudo, discutir a respeito da Súmula Impeditiva de Recursos, que não apresenta o inconveniente de impedir a função criadora dos juízes e tribunais inferiores.
Incidente de inconstitucionalidade (Avocatória)
A avocatória, instrumento criado pela Emenda Constitucional 7/77, dava ao Supremo Tribunal Federal o poder de avocar causas. A proposta, vencida na Câmara, era no sentido de permitir ao Supremo Tribunal Federal que, em matéria constitucional, pudesse avocar quaisquer causas e, em o fazendo, paralisar o andamento de todas as demandas em curso no País sobre aquele assunto até que proferisse decisão dizendo qual a melhor interpretação da Constituição Federal.
Instrumento centralizador, verdadeiro “entulho autoritário”, não pode merecer o apoio da OAB.
Suprimido na Câmara, o relator o reintroduz, apenas para o STJ, com o nome de “incidente de ilegalidade”. Não há, a respeito, no relatório, maiores explicações sobre o instituto.