Editorial: Clausura de barbaridades
Belém, 12/12/2007 - O editorial "Clausura de barbaridades" foi publicado na edição de hoje (12) do jornal O Liberal, do Pará:
"Representantes da OAB-PA, Ministério Público do Estado, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Assembléia Legislativa e Ouvidoria do Sistema de Segurança do Pará passaram quatro dias ouvindo detentas em Portel, São Miguel do Guamá e Marituba.
O que ouviram foi de estarrecer. Não representam novidade alguma, mas são de estarrecer.
Indicador da clausura de barbaridades que representa o sistema carcerário do Pará se expressa, por exemplo, numa das recomendações da comissão: a de que o Sistema Penal ofereça água potável e alimentação adequada às internas. Água e comida nas cadeias: ou não tem ou, quando tem, não presta.
Não é à toa que - como aqui já se comentou em várias ocasiões - falar em sistema carcerário não passa de heresia. Sistema é coordenado, tem elos, tem vínculos entre suas partes, tem hierarquia. Um sistema deve funcionar harmonicamente, em resumo.
Se há descoordenação, bagunça, absusos e demonstração flagrante de negligência, se a água e a comida são impróprias para o consumo humano, se há tudo isso, portanto, não se pode falar em sistema. Setor carcerário, sim; setor prisional, sim; mas sistema, isso nunca.
É apenas em Portel, São Miguel do Guamá e Marituba que se apresentam deficiências terríveis como essas? Não. Tal cenário só se esboça no setor prisional do Estado do Pará? Igualmente não. E daí? Se um cenário desses supostamente se verificasse no mundo inteiro, nem por isso os que deveriam modificar situações escabrosas desse gênero ficariam isentos de responsabilidades.
É verdade, igualmente, que o caos na área penitenciária não é de agora. Remonta há muitos anos. Vem de antanho - se quiserem usar termo condizente com o passado. Acumulam-se há décadas. Refletem omissões, inapetência administrativa, falta de humanidade e ausência de vontade em tornar a área prisional verdadeiramente um sistema.
O resultado são os casos dantescos que se sucedem. Agora foi o caso de Abaetetuba. Quando foram verificar mais detidamente, encontraram outros casos de detentas dividindo celas com homens. Se forem ainda mais a fundo nas investigações, vão encontrar mais fatos reveladores de que não temos sistema nenhum, mas a bagunça estabelecida.
Quando se depara com realidades assim, a sociedade - farta de violência, enojada pela impunidade e revoltada com a insegurança generalizada - tende a achar que tudo deve ficar como está. É favorável a que não se deve criar uma estrutura de hotéis de luxo para abrigar detentos e presos, que transgrediram as leis e por isso estão segregados do convívio social.
É uma crueldade que se pense assim, porque não se pode comparar um psicopata que esfolou, estuprou, matou e roubou com alguém que só cometeu uma crime na vida, ou que furtou um quilo de manteiga, ou então praticou pequenos como aqueles a que se atribuem à menor L., que passou mais de 20 dias presa com homens na delegacia de Abaetetuba.
Para os acusados de crimes de pequeno potencial lesivo, dividir a cela com bandidos profissionais - como é o caso de traficantes que chefiam as quadrilhas mesmo que estejam trancafiados numa cela - é um convite para que se tornem igualmente bárbaros, praticamente irrecuperáveis. É um convite para que se tornem empedernidos, endurecidos na alma, a ponto de não conseguirem sensibilizar-se diante da maior das selvagerias.
Se as cadeias não devem ser hotéis de luxo, como entende boa parte da opinião pública, igualmente não devem ser locais que apresentam impróprios para abrigar cidadãos que estão sob a custódia, sob a segurança, sob a garantia do Estado, do Poder Público. Se nem o Estado, nem o Poder Público provêem sequer água e comida apropriadas para o consumo humano, quem deve ser responsabilizado por coisas como essa?"