Cléa Carpi saúda os 59 anos da Declaração dos Direitos Humanos
Brasília, 10/12/2007 – A secretária-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cléa Carpi da Rocha, saudou hoje (10) em nome da entidade, os 59 anos de promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrados no dia de hoje. Além de ser o ser documento constitutivo das Nações Unidas, a Declaração, composta de 30 artigos, é o tratado internacional que traz os princípios e as diretrizes fundamentais do convívio dos países com relação a esses direitos. “A Declaração, muito embora sem força coercitiva, impôs obrigações e compromissos éticos, morais e políticos aos Estados-Partes. Sua destinação é universal, visando a todos os povos, a todas as nações e a todos os indivíduos”, afirmou Cléa.
A secretária-geral da OAB lembrou que, desde a sua criação, a ONU consagra que os direitos humanos são de todos, sem distinção, universalmente direitos inatos de todo o ser humano, não se constituindo favor do Estado, nem privilégios. No entanto, Cléa Carpi traçou um paralelo dessa garantia em relação à atualidade, lembrando que há uma questão essencial que preocupa a todos: “Está na capacidade das receitas neoliberais, que têm servido de pautas para a globalização em curso, garantir a promoção e proteção de todos os direitos humanos para todos, em todas as partes do mundo?”
Em resposta, a secretária-geral da OAB afirmou que a mundialização não é apenas um processo econômico, mas um processo essencialmente político-social, que tem produzido efeitos extremamente negativos sobre os direitos humanos e também sobre a exploração dos recursos naturais, do meio ambiente e sobre a regulamentação jurídica internacional. Ela instou os conselheiros federais da entidade a reivindicar, por um lado, o caráter indissolúvel e indivisível dos direitos humanos e, por outro, a existência de regras e obrigações internacionais tanto para os Estados quanto para os outros sujeitos de direito internacional, assim como para os grupos privados e sociedades transnacionais.
“Nesse contexto de mundialização é também hora de recordar o direito dos povos à autodeterminação, o direito ao desenvolvimento como um direito humano individual e coletivo”, afirmou Cléa Carpi da Rocha.
A seguir a íntegra da manifestação feita pela secretária-geral da OAB em homenagem aos 59 anos de promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
"Por honrosa designação do presidente Britto, venho a esta tribuna para falar sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos que completa hoje 59 anos de sua promulgação em feliz coincidência com o dia da realização de nossa Sessão Plenária, a última deste ano. Também na data de hoje se inicia, por deliberação das Nações Unidas, uma campanha para lembrar a sua caminhada e que se estenderá até 10 de dezembro de 2008, quando a Declaração completará seus 60 anos de existência.
Creio importante ter como paradigma a Carta das Nações Unidas para um melhor entendimento do conteúdo da Declaração que nesta data aniversaria, que, além de ser o ser documento constitutivo das Nações Unidas, é um tratado internacional, onde estão firmados os princípios e as diretrizes fundamentais das relações internacionais. A Carta estabelece as obrigações básicas do convívio internacional firmadas pelos povos, por intermédio de seus governos.
Seu Preâmbulo reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres. Entre seus Propósitos e Princípios, encontra-se o de conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais (art.1,3).
Assim, desde a sua criação, a ONU consagra que os direitos humanos são de todos, sem distinção, universalmente direitos inatos de todo o ser humano. Não constituem favor do Estado, nem representam privilégios (São Francisco, 1945).
A Declaração Universal de Direitos Humanos, constituída de 30 artigos, reitera a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos de homens e mulheres ( Preâmbulo, ONU, 10.12.1948) e reconhece duas categorias fundamentais de direitos: os direitos civis e os políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. A Declaração, muito embora sem força coercitiva, impôs obrigações e compromissos éticos, morais e políticos aos Estados-Partes. Sua destinação é universal, visando a todos o povos, a todas as nações e a todos os indivíduos.
Posteriormente, com os Pactos dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966/1977), estabelecem as Nações Unidas os instrumentos pelos quais os países signatários se obrigam à efetivação dos importantes enunciados da Declaração de 1948.
Por sua vez, a Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada em Teerã, 1968, é a primeira conferência governamental mundial dedicada exclusivamente a esse tema, e examinou os progressos obtidos nos vinte anos decorridos desde a aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos. Ela declara que é indispensável que a comunidade internacional cumpra sua solene obrigação de fomentar e incrementar o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção alguma por motivo de raça,cor, sexo, idioma, religião ou opiniões políticas ou de qualquer outra índole (art.1º). E reafirma que a Declaração Universal de Direitos Humanos enuncia uma concepção comum a todos os povos dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana e a declara obrigatória para a comunidade internacional (art.2 º) (Irã, 13.05.1968).
Chegamos, depois, à Segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, efetuada em Viena em 1993, oportunidade em que os povos do mundo inteiro e seus governos foram chamados pelas Nações Unidas para discutir a situação dos direitos humanos. Os resultados foram a Carta de Viena e o Plano de Ação, consagrando a sua integralidade e indivisibilidade e sua inter-relação com a democracia e o desenvolvimento. Na Conferência, as controvérsias e os debates foram intensos no que diz respeito à natureza desses direitos. No entanto, ao final, o Documento proclama a universalidade dos direitos humanos, a sua interdependência e indivisibilidade, e as liberdades fundamentais. Reafirma serem eles patrimônio de todo o homem e de toda a mulher, independentemente do país, sexo, raça, religião, etc. São direitos indissociáveis que nenhum Estado poderá fracionar, como assegurar, de um lado, o direito ao trabalho, à saúde, mas, de outro, não admitir os direitos políticos. A Conferência de Viena também aponta que os órgãos e organismos das Nações Unidas devem implementar mecanismos mais concretos de proteção dos direitos humanos, como prevenir o genocídio, eliminar a escravidão e todas as formas de discriminação por raça, sexo, religião ou crenças, combater o racismo, eliminar a tortura, promover e proteger os direitos das minorias, dos migrantes, das populações indígenas.
A Conferência de Viena explicita, pela primeira vez, em um documento das Nações Unidas, de modo claro e extensivo, que os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais, e não somente se ocupa em renovar o principio da igualdade de homens e mulheres e mais: insta todos os Governos, instituições e organizações governamentais e não-governamentais a intensificarem seus esforços em prol da proteção e promoção dos direitos humanos da mulher e da menina (18, “Declaração” – grifos nossos).
Oportuno trazer à reflexão, nesse momento, as palavras do Professor Cançado Trindade de que não podemos falar de novas gerações de direitos, pois se assim o fizermos, estaremos prestando um desserviço ao pensamento mais lúcido a inspirar a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Diz Cançado: Não há sucessão generacional , os direitos humanos não se sucedem ou substituem uns aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos individuais e sociais. (Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos).
Mundialização e a desestruturação dos Direitos Humanos
No mundo atual, a questão essencial que preocupa encontra-se nos seguintes questionamentos: Está na capacidade das receitas neoliberais, que têm servido de pautas para a globalização em curso, garantir a promoção e proteção de todos os direitos humanos para todos, em todas as partes do mundo? Podem elas dar respostas aos problemas atuais e eliminar os obstáculos para a realização do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos? Podem referidas fórmulas dar resposta ao desafio crescente de deterioração do meio ambiente e da dívida social do planeta?
Para a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a globalização não é simplesmente um processo econômico, mas também tem dimensões sociais, políticas, ambientais, culturais e jurídicas que repercutem no pleno gozo de todos os direitos.
Ao mesmo tempo em que reafirma o direito ao desenvolvimento como um direito humano individual e coletivo, as Nações Unidas destaca a profunda brecha entre ricos e pobres que divide a sociedade humana, e a distância cada vez maior que separa os paises desenvolvidos e os paises em desenvolvimento, representado uma grave ameaça para a prosperidade, a seguridade e a estabilidade mundial.(CDH, 2005/17, “A mundialização e as suas conseqüências para o pleno disfrute de todos os direitos humanos”)
CONCLUSÃO
Como podemos ver, a Mundialização não é apenas um processo econômico, mas um processo essencialmente político-social que produz efeitos extremamente negativos sobre os direitos humanos, sobre a exploração dos recursos naturais, sobre o meio ambiente e também sobre a regulamentação jurídica internacional.
Tudo isso em meio a primazia do direito do capital sobre os direitos democráticos e humanos, sobre o direito dos povos, e se consolida como um regime jurídico de obrigatório cumprimento, especialmente as políticas de liberalização, privatização e transferência de bens públicos rentáveis nas mãos privadas.
É necessário e imperativo, frente a este sistema que consagra a espoliação juridicamente organizada, reivindicar, por um lado, o caráter indissolúvel e indivisível dos direitos humanos e, por outro lado, a existência de regras e obrigações internacionais tanto para os Estados quanto para os outros sujeitos de direito internacional, assim como para os grupos privados e sociedades transnacionais. Nesse contexto de mundialização é também hora de recordar o direito dos povos à autodeterminação, o direito ao desenvolvimento como um direito humano individual e coletivo.
Na medida em que os povos se apropriem do instrumento jurídico internacional, o direito internacional dos direitos humanos constituirá um instrumento de libertação dos povos e de recomposição de um sistema internacional que respeita esses direitos.
Diante desse panorama é necessário a firme e ativa mobilização dos juristas para que a ciência jurídica participe ativamente dos processos de mudança socioeconômica nos nossos países.
Ao finalizar, evoco a Esperança nas palavras de João XXIII ao proclamar que quando numa pessoa surge a consciência dos próprios direitos, nela nascerá forçosamente a consciência do dever: no titular de direitos, o dever de reclamar esses direitos, como expressão de sua dignidade; nos demais, o dever de reconhecer e respeitar tais direitos (“Encíclica Paz na Terra: Sinais dos Tempos.
E vem-me à lembrança também um poema de Maria Carpi sobre o trabalho do semeador, onde se observa, com rara felicidade, a imagem da semeadura com o provimento da Justiça.
Diz a poeta:
Aprende com a semente o preceito justo
e com o semeador a distribuí-lo.
O semeador antes da árvore da lei,
lavra a terra e a escuta, atento
às precisões da grei, com a resposta.
O semeador labuta e a semente põe passos.
O semeador dispersa o grão da esperança
e a semente colhe o bem comum, do fruto."