ONU investiga execuções
Belém (PA), 03/11/2007 - A Organização das Nações Unidas (ONU) está ''alarmada'' com o nível de violência e de impunidade no Brasil e desde ontem passaria a investigar os assassinatos cometidos pela Polícia no País. Nos últimos meses, a ONU vem enviando pedidos de explicação ao governo brasileiro sobre assassinatos e suspeitas de envolvimento de agentes de segurança pública, mas nem todas as solicitações são respondidas. A missão inicial vai apurar crimes nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e o Distrito Federal. O Pará não foi incluído, apesar de atualmente a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH) ter sob seu acompanhamento 11 casos de crimes que envolvem policiais e outros profissionais da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup). A média nacional também é preocupante. Segundo a revista Superinteressante deste mês (Editora Abril), para cada policial morto em ação, morrem outros 41 civis.
Entre os casos acompanhados pela SPDDH está a morte do taxista Luís Isaac Costa do Nascimento, assassinado em 1992 por quatro policiais militares; o de Jhonny Yguison Miranda da Silva, 17 anos, baleado em 2001 por um policial militar e o do promotor de eventos Carlos Gustavo Maia Russo, assassinado em 2005 em uma perseguição policial, entre outros casos. De acordo com a advogada Mary Cohen, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil sessão Pará (OAB-PA) e membro da Comissão da OAB nacional, os crimes praticados por policiais padecem do mesmo mal da morosidade e da falta de estrutura do Poder Judiciário para dar celeridade aos julgamentos dos casos.
Segundo Mary, o mais grave dos crimes cometidos por policiais é que eles são os agentes pagos para proteger o cidadão. ''Se muitos desses agentes estão agindo dessa forma, fica a pergunta: a quem recorrer, quem nos protegerá?'', argumenta. Ela informa que muitos dos crimes acompanhados pela OAB são de pessoas que não dispõem de recurso necessário para buscar a justiça. ''E não são apenas homicídios, temos casos que vão desde o abuso de autoridade passando por torturas até a prática de homicídio. Existe a necessidade do Estado criar espaços que melhor recebam as vítimas e as suas famílias para prestar o apoio necessário'', ressalta.
Pela ONU quem desembarca para investigar os crimes no Brasil é o relator para Execuções Extra-judiciais, Philip Alston. Ele ficará em uma missão de onze dias nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e o Distrito Federal. O governo brasileiro considera a missão como ''delicada'' e sabe que a visita pode ser polêmica em termos políticos. Na entidade, os especialistas não escondem a preocupação com o volume de homicídios no País e principalmente com o fato de muitos crimes permanecerem impunes.
O relator da ONU, de origem australiana, quer agora avaliar até que ponto o sistema judicial no País é capaz de evitar essas mortes, muitas delas cometidas por agentes de segurança ou por milícias que não são punidas. Alston é conhecido por ser um dos principais especialistas em direitos humanos no sistema da ONU e é professor de direito na Universidade de Nova York.
Segundo as Nações Unidas, Alston irá se reunir com ''todos os atores da sociedade'' no Brasil, incluindo as Forças Armadas, funcionários de prisões, representantes da Polícia Militar e da Polícia Civil. Alston visitará ainda o Supremo Tribunal Federal, governadores e membros do Congresso. O relator também estará com vítimas da violência no País.
O governo garante que irá permitir que o relator entreviste todas pessoas que desejar. Mas em Brasília a preocupação é com a segurança das testemunhas que conversarão com Alston. Isso porque, há três anos, uma das testemunhas que conversou com a então relatora da ONU, Jina Jilani, acabou assassinada depois de revelar à missão internacional informações sobre autores de crimes.
O resultado da investigação será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU nos próximos meses. ''Como resultado da visita, Alston irá relatar ao Conselho de Direitos Humanos sobre o cumprimento das obrigações do Brasil em termos de direitos humanos e fará recomendações com o objetivo a de tornar as medidas de prevenção mais efetivas'', informou um comunicado da ONU.
Casos de violência policial
Em 17 de dezembro de 1992 o taxista Luís Isaac Costa do Nascimento foi torturado e assassinado pelos policiais militares Leonardo Gibson, Emanuel Lopes de Lima, Jorge Pamplona Silva e Samuel Neto. Após 14 anos da ocorrência eles foram condenados, mas alguns já estão em liberdade condiconal e deles está preso em quartel da PM, o que é considerado pela SPDDH como uma ''prisão domiciliar''.
No dia 20 de novembro de 2001 Jhonny Yguison Miranda da Silva, na época com 12 anos, ficou paraplérgico depois de ser baleado pelo policial militar Darlan Carlos Silva Barros, quando trabalhava como flanelinha em uma esquina da avenida Pedro Álvares Cabral, para ajudar a família, que é extremamente pobre. Ele foi atingido pela arma de Darlan Barros quando se aproximou do carro do soldado, pedindo para limpar os vidros. Em 2003, a Assembléia Legislativa aprovou lei que determinou uma pensão para o garoto. Darlan foi expulso da PM, mas até hoje não foi a julgamento.
No dia 23 de julho de 2004, em Marabá, o vigilante Francisco Chagas Alves de Souza, 48 anos, casado, foi executado com dois tiros de pistola 940mm disparados pelo soldado conhecido por Fabiano, lotado no 4° Batalhão da Polícia Militar (BPM). O homicídio ocorreu no bairro de Santa Rosa, quando Chagas se encontrava dormindo no quarto de sua casa e o cômodo foi invadido pelo policial que teria entrado atirando, sem dar chances de defesa à vítima. Segundo as informações fornecidas à época do crime, a guarnição da PM era composta ainda dos soldados Wellington e André, e estaria embriagada. Manoel Alves de Souza, 52 anos, irmão da vítima, afirmou que o crime ''foi muita covardia'', ratificando a informação de que Chagas estava dormindo quando foi alvejado. Chagas foi socorrido pela própria guarnição da PM e levado para o Hospital Municipal, onde morreu. Até hoje a motivação do crime não foi esclarecida e não houve punição aos culpados.
Em 10 de Janeiro 2005 o produtor de eventos Carlos Gustavo Maia Russo estava dentro de seu carro falando ao celular quando foi seqüestrado por Lucivaldo Ferreira, que, vestido com uma farda de PM, fugia de uma perseguição policial. Os dois foram perseguidos por viaturas que incluíram o Tático, do Comando de Missões Especiais da PM, e foram alvejados quando o carro de Maia Russo colidiu com outro veículo. Carlos Gustavo Maia Russo e Lucivaldo foram mortos com sete tiros cada um, sendo que Gustavo era um refém inocente. A família da vítima lutou pela condenação de todos os acusados - Jeilson Nazareno Moura, Paulo Reginaldo Correia Batista, Edgar Fonseca de Sousa, Nixon Silva Barreto, Marcelo Ferreira Zeferino, Jorge Luiz Cardoso Aquere, José Augusto da Purificação Ferreira.
Em 18 de março de 2006 o vendedor Gilson Barbosa dos Santos foi assasinado pelo então policial militar José Claudio Abraão de Jesus, que já foi expulso da PM e está preso na Penitenciária Anastácio das Neves, no Complexo de Americano, aguardando julgamento, ainda sem previsão de data para acontecer. A família da vítima tem feito protestos e reclama e da lentidão da Justiça. Gilson foi assassinado com um tiro no peito desferido pelo soldado Abraão, na rua Oeste, no conjunto Providência, em Val-de-Cães. Ele foi confundido com um bandido que havia acabado de assaltar um mercadinho no mesmo bairro. Segundo testemunhas, Abraão não teria sequer dado tempo de o rapaz, que pilotava uma motocicleta, tirar o capacete para se identificar. Após baleá-lo, Abraão teria retirado o capacete de Gilson e dito ''matei o cara errado!''. Em seguida, ele não socorreu o rapaz, que foi levado pela família ao Pronto-Socorro Municipal da 14 de Março, onde morreu.
Em 17 de abril do ano passado o então policial militar Oscar Ferreira Alves Filho, conhecido como ''atirador do Telégrafo'', foi responsável pela morte de duas pessoas e tentativa de homicídio de mais oito durante uma madrugada em que saiu atirando pelas ruas do bairro. Morreram o estudante Rodrigo Lopes da Silva, 19 anos, e o mêcanico Marcos Roberto Rodrigues dos Santos , 28 anos. Outras oito pessoas sofreram lesões por armas de fogo. Oscar ainda não foi julgado e equanto o processo corre ele tenta provar que é portador de transtorno mental, mas suas últimas tentativas de demonstrar o transtorno durante as audiências foram consideradas encenações pela justiça.
Em 21 de Abril deste ano a cozinheira Idalva Cristina Teixeira Gonçalves estava em casa com os cinco filhos quando uma batida policial alvejou seu filho mais velho, de apenas 14 anos, Yago Henrique Teixeira Gonçalves. Ele foi baleado na frente do irmão de 7 anos, e morreu no pronto-socorro um mês depois. Hoje a família está em crise de do chamado Transtorno do Estresse Pós-traumático, e sem qualquer assistência do Estado. (A reportagem é de Cléo Soares e foi publicada na edição de hoje do jornal "O Liberal")