Cartas: Contestação
Brasília, 31/10/2007 - A Carta sob o título Contestação foi enviada pelo secretário-geral adjunto do Consellho Federal da OAB, presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas Profissionais e professor licenciado de Direito Penal da PUC-SP, Alberto Zacharias Toron e publicada na edicão de hoje (31) do jornal O Estado de S.Paulo:
"O editorial Mudanças na legislação penal (26/10, A3), aplaudindo a modificação introduzida pelo projeto aprovado no Senado que altera a sistemática da prescrição, impedindo a contagem do prazo antes do oferecimento da denúncia, afirma: “Com isso o tempo gasto com as investigações na fase policial não mais será contabilizado para efeitos de prescrição de um crime, o que fecha uma porta para a chicana jurídica dos advogados.” Independentemente da opinião que se possa ter sobre o mérito desse projeto, é inaceitável atribuir a demora nas investigações conduzidas pela polícia aos advogados. Estes profissionais não detêm o controle do inquérito, que é presidido por um delegado de polícia (estadual ou federal, conforme o caso). Na fase pré-processual, investigativa, não vigora o contraditório (cross-examination), quando se debatem as provas e a defesa pode produzir outras em prol do investigado. Na fase do inquérito policial vigora o que tecnicamente chamamos de sistema inquisitivo, em que quem manda e conduz é o delegado. Ora, se o advogado, vocalizando os interesses do investigado, nada pode, mais que ofensiva, revela um profundo desconhecimento das coisas a afirmação de que o projeto “fecha uma porta para a chicana jurídica dos advogados”. Que chicana? Asserções como esta, além de induzirem em erro o grande público leitor, contribuem de forma decisiva para uma incorreta identificação das reais mazelas que marcam o processo penal brasileiro. O resultado disso é que: 1) Teremos uma polícia mais lenta na apuração dos fatos porque já não haverá mais a sanção da prescrição; e 2) o cidadão, que imaginaria fechada a porta da “chicana dos advogados”, vai verificar, posteriormente, que o ritmo das investigações tem muito mais que ver com as condições de ação da polícia (recursos humanos, materiais e, por vezes, vontade política) do que com o fim da prescrição. O editorial mancha a honra dos advogados indevida e gratuitamente, pondo-nos como responsáveis por uma mazela de que não somos responsáveis. Por fim, advogados e juízes não têm nenhum interesse corporativo na questão. Uma sociedade que se preocupar exclusivamente com os mecanismos de repressão e se descuidar das garantias dos cidadãos estará fadada a sucumbir à prepotência que o Estadão, histórica e heroicamente até, combateu."