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Editorial: A Baixada Brasiliense

domingo, 23 de setembro de 2007 às 07h15

Goiânia, 23/09/2007 - O editorial "Baixada Brasiliense" foi publicado na edição de hoje (23) do jornal Opção, de Goiânia:

"O Correio Braziliense, mais importante jornal de Brasília e único diário do Centro-Oeste com perfil nacional, acerta quando faz reportagens especiais mostrando o poder paralelo da criminalidade no Entorno do Distrito Federal — até agora, incontrolável. Mesmo antes do atentado contra o jornalista Amaury Ribeiro Jr., repórter investigativo dos mais prestigiados, baseado em O Estado de Minas, mas que estava a serviço do Correio, o jornal publicava reportagens alertando sobre o poder dos traficantes do DF e da criminalidade em geral. Depois do crime, que levou o repórter a uma cirurgia delicada, o jornal radicalizou, cobrando atitude dos governos federal, do Distrito Federal e, sobretudo, de Goiás.

O Entorno do DF se tornou, há alguns anos, a Baixada Brasiliense, no dizer do presidente da OAB, Cezar Britto. Por quê? A primeira tese, tão discutida nos jornais, diz respeito ao abandono da região pelos governos (federal, do DF e goiano). O abandono é fato, sim, e não há como negá-lo. Mas há outras questões.

Por que Brasília e seu Entorno se tornaram tão violentos? Há um motivo que precisa ser discutido com atenção: a responsabilidade do ex-governador Joaquim Roriz, do PMDB, na intensa favelização da região.

Obviamente não se pode culpar Roriz por todos os problemas do Entorno de Brasília, pois sua demonização não ajudará a esclarecer problemas reais e que precisam ser resolvidos, ainda que parcialmente, o mais rápido possível, sob risco de se perder o controle da situação. Mas de um crime, que não é legalmente crime, Roriz pode ser acusado: o de favelizar Brasília e de superlotar cidades do Entorno — como Águas Lindas, um dos municípios que mais crescem na América Latina.

Com o objetivo planejado de manter-se no poder, Roriz doou lotes de modo intenso na região e atraiu milhares de pessoas de outros Estados, principalmente do Nordeste. Com a atração de milhares de pobres, todos dependentes da política de doação de lotes e de outros programas ditos sociais, Roriz construiu, com o apoio de aliados técnicos e políticos, um eleitorado cativo, uma espécie de curral eleitoral. Há, por assim dizer, até organizações, agindo de modo semelhante às gangues, que apóiam o ex-governador. Seus integrantes se unem para ovacioná-lo e, até mesmo, carregá-lo durante acontecimentos públicos. Além de ser útil como instrumento para vaiar e mesmo agredir adversários políticos. Homem tosco, sem visão política, Roriz governou o DF quatro vezes —uma delas nomeado pelo presidente José Sarney e três eleito pelo voto. A longevidade no poder só tem explicação quando se entende que, usando a máquina pública, Roriz criou um eleitorado artificial, importado de outras regiões.

Com o excesso de pessoas, com a ocupação desenfreada do solo urbano, chegou também o que Roriz, que não pensa nem a médio nem a longo prazo — para ele, só existe curto prazo, noutras palavras, eleições —, certamente não previa: criminosos de alta periculosidade, sobretudo traficantes de cocaína e maconha e assaltantes. Grandes ajuntamentos populacionais são locais perfeitos para "esconder" criminosos perigosos. Eles passam a ter maior margem de ação. Nos últimos oito anos, mesmo sabendo que a situação estava se agravando, dados os números de crimes divulgados pela polícia e pelos jornais de Brasília, Roriz e sua sucessora, Maria de Lourdes, nada fizeram de concreto para resolver o problema. O governo do Distrito Federal recebe quase 3 bilhões de reais, por ano, só para lidar com a segurança de Brasília e, realisticamente, do Entorno. Não dá para sofismar e dizer que os problemas de segurança do Entorno do DF são de responsabilidade exclusiva do governo goiano, como se tentou fazer na semana passada.

A ética da responsabilidade é fundamental e, por isso, o governador do DF, José Roberto Arruda (DEM), tem se prontificado, desde o início, a se aliar ao governador de Goiás, Alcides Rodrigues, no combate à violência na região. Mas não basta a união dos governos de Goiás e do DF.

O governo federal tem de entender, como faz agora, diante da repercussão do atentado contra o jornalista do Correio, que a violência em Brasília e no seu Entorno — e os males do Entorno são decorrentes, na maioria das vezes, de Brasília, o principal fator de atração de criminosos (o poder aquisitivo é alto e o consumo de drogas se dá muito mais em Brasília do que no Entorno) — é um problema do país, não exclusivamente de Goiás e do DF. Brasília, afinal, é a capital do Brasil e é nela que mora o presidente da República.

Na semana passada, o secretário de Segurança Pública, Ernesto Roller, e o governo de Goiás foram "agredidos", por escrito, porque estariam se omitindo. Na verdade, não houve nenhuma omissão. Roller não disse que não queria a presença da Força Nacional de Segurança no Entorno. O secretário frisou, tão-somente, que a presença de 100 homens não resolveria o problema. Sua crítica foi tão acertada que o governo federal liberou 500 homens para atuar na região.

Roller volta a ter razão ao dizer: "A Força Nacional é uma solução de caráter temporário. Fica lá por um tempo, mas e quando for embora, como ficam os moradores? (...) Precisamos receber para o Entorno o mesmo tratamento dado ao Distrito Federal, que tem o Fundo Constitucional com 6 bilhões de reais anuais só para custear saúde, educação e segurança pública. Com 10 por cento desse valor, resolvemos o problema do Entorno. (...) Por enquanto, a única resposta que recebemos do governo federal foi a disponibilização da Força Nacional".

O que denuncia Roller é grave, mas há outra questão. No governo Lula, que fala mais em investir em educação e programas sociais, desconsiderando a necessidade de repressão, o governo federal deixou de gratificar os policiais goianos que atuam no Entorno. Como Brasília paga melhor seus policiais, muitos dos policiais goianos preferem ficar por lá a trabalhar na polícia do Estado. Mais: como o Entorno é uma região perigosa, sem gratificação, muitos policiais não querem trabalhar lá.

É provável aproveitar o momento, no qual os ânimos estão exaltados, para discutir mais a sério, sem medidas populistas, a crise do Entorno. É bem possível que, depois de os fatos esfriarem, todos deixem o Entorno do DF, mais uma vez, por conta de Goiás, que não tem recursos suficientes para combater a Baixada Fluminense criada no território goiano pelas luzes de Brasília e por atos de políticos irresponsáveis."

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