Editorial: Voto cego ofusca a democracia
Brasília, 25/06/2007 - O editorial "Voto cego ofusca a democracia" foi publicado hoje (25) no Jornal do Brasil:
"A opera-bufa em que se transformou o processo aberto no Conselho de Ética do Senado contra o presidente da Casa, Renan Calheiros, por suposta quebra do decoro parlamentar, fez com que um de seus principais atores e um coadjuvante saíssem da obscuridade política. O primeiro é o presidente do próprio conselho, Sibá Machado (PT-AC). O segundo, Wellington Salgado (PMDB-MG), foi nomeado relator do processo no lugar de Epitácio Cafeteira (que deixou o elenco por problema de saúde) mas abandonou o palco, em menos de 24 horas, ao pressentir que o relatório já pronto, favorável ao arquivamento do processo, corria perigo de rejeição.
Sibá e Wellington são suplentes de senadores. Exercem mandatos na atual sessão legislativa como substitutos dos titulares eleitos no pleito majoritário de 2002, que preferiram migrar para o Executivo. A acreana Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente; o mineiro Hélio Costa, abancou-se nas Comunicações.
Há outros seis senadores beneficiados pelo "voto cego" - o voto automático nos dois suplentes de senadores, que são, em geral, desconhecidos e não aparecem nas campanhas eleitorais. Paulo Duque (PMDB), por exemplo, ocupa a cadeira de Sérgio Cabral Filho, que ainda tinha quatro anos de mandato na Câmara Alta quando foi eleito governador do Rio de Janeiro. Valter Pereira (PMDB-MS) era o primeiro suplente de Ramez Tebet, que morreu em novembro do ano passado. José Nery (PSOL), Aldemir Santana (PFL) e Neuto do Couto (PMDB) assumiram, respectivamente, os lugares de Ana Júlia Carepa, atual governadora do Pará, Paulo Octávio e Leonel Pavan (desde janeiro, vice-governadores do Distrito Federal e de Santa Catarina).
Preocupada com o tema, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou cartilha didática, na qual condena com justa veemência o "voto cego".
Engajou-se a AMB em campanha de mobilização nacional por uma reforma política realmente séria, sem nódoas de corporativismo. A cartilha destaca que não há critérios para a escolha dos suplentes de senadores. Lembra que são indicados parentes do candidato a senador ou financiadores da campanha. E arremata: "Nesse último caso, podem prevalecer interesses espúrios, como acordos para a divisão do tempo do mandato. O eleitor não se pronuncia diretamente sobre os nomes dos candidatos a suplentes, e acaba surpreendido pela presença deles no plenário do Senado".
É exatamente o que vem ocorrendo no escandaloso caso Renan Calheiros. "Senadores clandestinos" - para usar expresssão do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto - são elevados a posições estratégicas no Conselho de Ética, um colegiado que deveria ser formado por senadores diretamente referendados nas urnas. E que tivessem "idoneidade moral e reputação ilibada" - um dos requisitos exigidos pela Constituição para os ministros do Tribunal de Contas da União, instituição que exerce, em nome do Congresso, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária da União.
Uma reforma política que tenha um mínimo de seriedade não pode deixar de enfrentar a questão dos candidatos às suplências dos senadores. Seja criando normas legais que os obriguem a participar de algum modo das campanhas dos titulares, seja tornando mais público o processo de escolha desses ilustres ou menos ilustres desconhecidos que, de repente, surgem em postos de comando de comissões tão importantes como a de Ética.