Menu Mobile

Conteúdo da página

Comparato prega mudança radical na escolha de ministro do STF

sexta-feira, 11 de março de 2005 às 07h50

Brasília, 11/03/2005 - Uma mudança radical nos critérios de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da República, hoje a cargo exclusivo da caneta do presidente da República, é o que está propondo o professor e jurista Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, a alteração no processo de escolha, retirando esse poder da mão do presidente da República, conferiria maior isenção e independência aos juízes da mais alta Corte do País e ao chefe do Ministério Público nas suas decisões, sobretudo aquelas que envolvem interesses diretos do chefe do Poder Executivo.

“Se o procurador-geral da República é nomeado pelo presidente da República, é normal, é humano que seja grato àquele que o nomeou. E isso faz com que o Ministério Público, dependendo da orientação que lhe seja dada pelo seu chefe, seja mais ou menos livre de atuar como fiscal do Poder Executivo”, sustentou Fábio Comaparato em entrevista a este site. Como alternativa ao modelo vigente, de nomeação pelo chefe do Executivo, o jurista propõe que o procurador-geral da República seja escolhido entre seus pares - os procuradores da República.

Em relação ao STF, Comparato entende que deve haver um critério tripartite no preenchimento de cargos, sendo um terço pelos magistrados, ou Poder Judiciário; um terço pelos membros do Ministério Público e um terço por indicação da Ordem dos Advogados do Brasil. “O que não pode é continuar funcionando como está hoje; eu soube inclusive que o presidente (Lula) reclama quando um ministro do Supremo por ele nomeado vota contra o governo”, disse Comparato.

Um dos mais renomados mestres do Direito da América Latina, Comparato no momento coordena uma Campanha Nacional da OAB em Defesa da República e da Democracia. Um dos principais objetivos dessa campanha é dar ao povo maiores instrumentos para cobrança ao governo quanto aos seus direitos previstos na Constituição. Nesse sentido, além de percorrer o País, a campanha já produziu alguns projetos enviados ao Congresso Nacional. Na entrevista, Comparato critica também a “falta de uma visão de médio e longo prazo do governo”. A seu ver, “o governo Lula cedeu á tentação de cuidar só do dia-a-dia, de intrigas, e perdeu a perspectiva; não há planejamento”.

A seguir, a íntegra da entrevista de Fábio Konder Comparato:

P - Professor Comparato, qual a avaliação que o senhor faz hoje do país? O senhor está satisfeito com tudo o que está acontecendo?
R - Eu acho que falta uma visão de médio e de longo prazo. O governo cedeu à sua inclinação natural de só cuidar do dia a dia, de intrigas, das discussões, das acusações. E, com isso, ele perdeu a perspectiva, não há planejamento. E, sobretudo, avizinha-se a campanha eleitoral para a renovação ou não do mandato do presidente da República. E isso tudo bloqueia a ação governamental. O país não pode ficar à mercê dessas disputas por posições, que são muito mesquinhas. É preciso uma visão de médio e de longo prazo e isso está faltando, está faltando cruelmente. É por isso que uma das metas da Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia é fazer com que não só o meio político, mas os grandes representantes dos setores importantes da sociedade civil comecem a pensar nos problemas sérios do Brasil, problema de desenvolvimento nacional, que exige não apenas o crescimento econômico e exige muito mais, sobretudo, do que um superávit do balanço comercial do país. Exige a equalização das condições de vida, o fortalecimento dos setores da sociedade mais carentes e uma democracia mais autêntica, com maior participação popular.Tudo isso, evidentemente, supõe o quê? Supõe um programa, supõe investimentos. A maturação dos investimentos não é imediata. De modo que um governante que só tenha em vista o tempo do seu mandato é um governante medíocre. É preciso, portanto, suprir essa deficiência do governo, que é institucional. Justamente o projeto de lei que foi apresentado pelo Conselho Federal da OAB na Câmara dos Deputados, sobre plebiscito de referendo de iniciativa popular, pode começar a servir para isso, por quê? Porque aí, não só os agentes políticos mas, também, setores importantes da sociedade civil, vão começar a pensar a longo prazo. Não se realizam plebiscitos todas as semanas, é preciso pensar em assuntos importantes. Não se realiza referendum cotidianamente, é preciso selecionar os assuntos que merecem a aprovação do povo. E, com isto, o costume político de se viver no dia-a-dia vai tender a ser modificado. O que me apavora é esta situação em que estamos navegando, sem rumo. Como diz o ditado popular: “Marinheiro sem rumo, nem vento ajuda”.

P - E, na sua opinião, depois desses dois anos de mandato o governo foi medíocre ?
R - Acho que é um governo que confundiu fins com meios. A Constituição, no artigo 3º, diz que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor ou quaisquer outras formas de discriminação. Como se vê, o artigo 3º da Constituição não coloca entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil manter o equilíbrio orçamentário, o equilíbrio fiscal, nem manter o serviço da dívida pública em dia. Por quê? Isso são meios, são instrumentos para se conseguirem esses objetivos. E, portanto, se o governo gasta todas as suas energias simplesmente no meio, no instrumento, na alavanca, sem pensar no objetivo, na finalidade última, ele está desnorteado, ele não tem norte, ele não tem rumo.

P - Muitos críticos acusam o governo de estar desorientado, principalmente depois da derrota nas eleições municipais em grandes centros, e, agora, nessa eleição da Câmara dos Deputados. Afirmam também que o governo se preocupa, excessivamente, em reeleger Lula e que abandonou a agenda de reformas. O que o senhor acha? O governo está desorientado realmente, ou só tem pensado em reeleição?
R - Eu não faria uma acusação tão grave. Se o governo Lula só teve por objetivo a tomada do poder e se perpetuar no poder, ele merece o mais sonoro repúdio. Mas eu não chegaria a esse ponto, de fazer essa acusação. O que me parece deplorável é que, justamente voltando ao ponto inicial, o governo só se preocupe com essas brigas cotidianas, com esses conflitos medíocres, e acabe totalmente alheio à vida da Nação. A Nação não vive hoje, ou amanhã, ou depois de amanhã, ela vive para sempre. De modo que é preciso ter uma visão de longo alcance.

P - Em relação às medidas provisórias. Tanto se criticou, no passado, e se continua a governar o país por meio medidas provisórias. O que o senhor pensa disso?
R - Isso aqui é, simplesmente, um efeito de uma onipotência do Poder Executivo, que não é de agora, é de sempre. Isso é uma herança que recebemos da vida política portuguesa. E é impossível mudar isto, se não houver um fortalecimento dos instrumentos de decisão popular. É por isso que o Projeto apresentado pela OAB à Câmara dos Deputados é um primeiro passo. Porque é indispensável dar ao povo o poder de iniciativa de emenda constitucional, o que não é nenhum absurdo, o que a Constituição do Estado de São Paulo, por exemplo, prevê uma iniciativa popular para emenda à Constituição. E, ao mesmo tempo, dá ao povo o poder de impedir os abusos institucionalizados, de fortalecimento do Executivo. E é o caso das Medidas Provisórias. Nem que seja para se estabelecer uma nova repartição de competências, como foi estabelecida pela Constituição francesa de 1958. Ou seja, a área de atuação do Executivo, mediante decretos, pela Constituição francesa de 58, foi muito ampliada, mas aí já não se discute mais, isso é do Executivo. Enquanto que mantendo essa situação atual, o Executivo está, a todo momento, violentando o sistema de separação de poderes.

P - Professor, o senhor fez , recentemente, uma comparação de como o Brasil usa suas medidas provisórias e como outros países usam. O senhor tem conhecimento de se algum país governa tanto por meio de Medidas Provisórias quanto o Brasil?
R - É difícil fazer um julgamento universal, porque há muitas práticas e costumes políticos. O que eu posso dizer é que, no âmbito latino-americano, não somos a exceção. A tendência, em toda a América Latina é de fortalecimento do Poder Executivo. Agora, na Europa isto já foi estritamente regulado. E, nos Estados Unidos, isso nunca se pôs. Nos Estados Unidos a Presidência da República tem sido sempre contida pelo Congresso. Tudo depende, evidentemente, da decisão eleitoral. Agora, por exemplo, nos Estados Unidos, o Congresso tem maioria republicana. Então não há, na prática, uma separação de poderes. Mas, mesmo assim, o que acontece é que tendo o Presidente da República que ceder certas áreas de decisão ao Congresso, ele já faz a sua homenagem a um outro Poder. A todo momento ele sabe que a Constituição estabeleceu limites. Por exemplo, essa separação de poderes nos Estados Unidos é tão rígida que o chefe do Poder Executivo não tem poder de iniciativa legislativa. E jamais se pensou, em nenhum momento, nenhum “maluco” jamais cogitou de dar ao Presidente da República o poder de iniciativa de emendar a Constituição. Ora, nossa Constituição foi remendada 51 vezes, e quase todas essas ditas “emendas” - e que eu chamo de remendos - foram de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Quer dizer, é preciso pôr um paradeiro nisso. Duas coisas, portanto, fazendo o retrospecto da minha fala, agora, são indispensáveis, para repor o Estado brasileiro nos eixos.

P- Quais ?
R-A primeira é criar um poder autônomo de Planejamento. O Planejamento não pode depender dos humores do Presidente da República, nem da duração do mandato presidencial. E esse planejamento deve ser feito com a colaboração efetiva da sociedade civil. Não pode ser uma atuação meramente burocrática. E a segunda coisa é reduzir os poderes exorbitantes, ou extinguir, melhor dizendo, os poderes exorbitantes da chefia do Poder Executivo, entrando não só em matéria legislativa, mas influindo, também, na necessária independência do Poder Judiciário e do Ministério Público. Hoje, já não se compreende mais que os magistrados e Tribunais Superiores sejam nomeados pelo presidente da República. Que o presidente da República possa nomear, apenas com a aprovação do Senado Federal, os ministros para o Supremo Tribunal Federal. Não se compreende que o chefe do Ministério Público seja nomeado pelo presidente da República, pois o procurador-geral da República é exatamente a única pessoa, o único poder, o único agente público competente para oferecer uma denúncia criminal contra o presidente da República. Quer dizer, obviamente, se o procurador-geral da República é nomeado pelo presidente da República, é normal, é humano, que ele seja grato àquele que o nomeou. E isso faz com que o Ministério Público, dependendo da orientação que lhe seja dada pelo seu chefe, seja mais ou menos livre de atuar como fiscal do Poder Executivo.

P - Como deveria ser o processo de escolha?
P - A meu ver, ele deve ser escolhido, o chefe do Ministério Público, assim como são escolhidos os presidentes de Tribunais. É o próprio órgão que elege.

P - E os ministros do Supremo?
R - Os ministros do Supremo, eu já tenho, há algum tempo, sustentado que o Poder Executivo deve ser inteiramente afastado desse ato de preenchimento dos cargos vagos. Eu sugeri, há algum tempo, que houvesse uma tripartição de preenchimento de cargos: um terço pelos magistrados, pelo Poder Judiciário; um terço pelo Ministério Público e um terço pela Ordem dos Advogados. Mas, qualquer outra fórmula que dê a independência necessária ao mais elevado Tribunal da República, é bem-vinda. O que não se pode é ficar como se está hoje. Eu, aliás, soube - não há porque deixar de dizer, até publicamente - que o Presidente reclama quando um ministro do Supremo por ele nomeado vota contra o governo. Ora, isso não tem cabimento. É um absurdo que se procure amesquinhar de tal maneira o mais elevado Tribunal do país.

P - Todos aqui sabemos o seu passado, a sua luta pelo processo de redemocratização do país, a sua ligação com a ala esquerda do país. O senhor diria que, depois desses dois anos, hoje o senhor é uma pessoa frustrada com tudo o que aconteceu? Ou o senhor está contente com esse período de Governo Lula?
R - Não. Estou, evidentemente, decepcionado, como muitos que pensavam e pensam como eu. A decepção é pelo fato de que nós acreditávamos, ingenuamente, que as pessoas eleitas e escolhidas para assessorar o Presidente da República fossem imunes a essa tentação do Poder. Na verdade, o poder, a ambição de poder é uma das paixões mais avassaladoras da alma humana. E é por isso que nós, outros, que militamos no campo do direito, insistimos no fato de que é preciso estabelecer balizas, é preciso estabelecer freios para a ação de todos aqueles que detêm poder. E, justamente, um dos objetivos do Projeto de Lei sobre Plebiscito e Referendo de Iniciativa Popular é reafirmar a soberania do povo. Todos os outros órgãos do Estado são delegados do povo soberano. Portanto, é preciso que não só se dê instrumentos para a atuação do povo, o que é feito, o que se procura fazer agora, com este Projeto de Lei, mas também que se procure mudar a mentalidade popular, que se promova uma espécie de alta educação cívica. O povo precisa compreender que tem direitos. E esses direitos, se não for ele a exigir o seu cumprimento, ninguém o fará. E a Ordem dos Advogados tem por dever tradicional e legal, trabalhar também nesse campo. É preciso que ela seja um dos veículos de formação desta consciência republicana e democrática. É o que se procura fazer, com a Campanha Nacional de Defesa da República e da Democracia.

P - Com base em sua longa militância, sua longa experiência no mundo jurídico, como o sr. avalia esses crimes envolvendo juízes? Um juiz federal, em São Paulo está preso acusado de vender sentença; um juiz, agora, matou a sangue frio um funcionário que barrou a sua entrada dentro de um supermercado no Ceará. Em Alagoas, um juiz está preso porque se envolveu em terras ilícitas, ocupou terras ilícitas. O que está acontecendo com o Judiciário, porque tantos casos? O juiz, que deveria julgar, passou a ser julgado.
R - Eu não creio que haja mais delitos praticados por magistrados, hoje, do que anteriormente. O que há é uma maior consciência da responsabilidade, da extraordinária responsabilidade dos magistrados. Eles estão numa posição daquilo que os romanos chamavam de auctoritas, de prestígio. Eles, de qualquer forma, eles são sempre apontados, ou deveriam ser apontados como exemplo. E, portanto, a prática de um crime por parte de um magistrado representa sempre um choque na consciência popular. Mas, justamente isto, mais uma vez, demonstra a necessidade de haver controles institucionais na atuação dos magistrados. Ninguém é totalmente isento, totalmente livre de certas tentações, no sentido de perder, muitas vezes, os controles. Agora, se o juiz é submetido incessantemente a um trabalho quase que esquizofrênico, porque em relação ao jurisdicionado ele é sempre uma autoridade quase majestática, o jurisdicionado se dirige a ele como “Vossa Excelência” e termina as suas petições dizendo que espera receber “Mercê”. Por outro lado, o juiz, em primeira instância, ele é habituado a se abaixar, diante do Tribunal; a, muitas vezes, mendigar favores, porque ele sabe que a sua promoção, em parte, depende também do seu merecimento. Então, isso é muito grave. Nós precisamos repensar essa posição do juiz.

P- Por que ?
R- Porque eles não são melhores nem piores do que nós. Mas nós temos que dar a eles condições objetivas para que eles possam exercer essa função extraordinariamente solene e grave de julgar os outros. E é por isso que um poder sem controle enlouquece. Nós não podemos deixar que o Judiciário saia desatinado dessa situação de falta de freios ou de controle. Houve um certo progresso, com a criação desse Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda Constitucional 45, mas um progresso muito tímido, porque, por força das próprias exigências lógicas, quem controla deve ser alguém de fora. A não ser na tradição cristão, em que se fala do exame de consciência, é preciso que as pessoas sejam sempre controladas por outras pessoas. E até isto representa algo que corresponde à experiência de todos nós. Quer dizer, só alguém de fora que pode enxergar bem, pode ter a perspectiva de verificar se aquele que está sendo examinado está caminhando no rumo certo. Muitas vezes, sem nenhuma malícia, sem nenhuma má intenção, a pessoa pode estar se desviando. E, a esse respeito, porque não pensar-se num controle mais direto do povo? Isso não é nenhum absurdo. A Constituição do Império tinha a previsão de uma ação popular penal contra magistrados. Qualquer cidadão, pela Constituição do Império, podia promover diretamente uma ação criminal contra um juiz, por alguns delitos lá enumerados: peculato, concussão, suborno, corrupção. Então, o que é preciso é tentar construir algumas instituições de controle e que sejam, evidentemente, externas ao órgão.

P - Então, na época do Império nós éramos mais desenvolvidos, nesse aspecto, do que agora.
R - Pelo menos no nível institucional. É verdade que isso não penetrou muito na mentalidade popular. Mas, de qualquer maneira, era um avanço institucional.

Recomendar

Relatar erro

O objetivo desta funcionalidade e de reportar um defeito de funcionamento a equipe técnica de tecnologia da OAB, para tal preencha o formulário abaixo.

Máximo 1000 caracteres