Novo Código Civil: dúvidas e preocupações
Brasília, 06/01/2003 – A menos de uma semana para entrar em vigor (12 de janeiro, segundo entendimento de especialistas) do novo Código Civil brasileiro, juristas de várias correntes começam a se preocupar com seu impacto na sociedade. Para o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcos Bernades de Mello (AL), o novo Código não atende ao estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira, e apesar de sua tramitação no Congresso Nacional ter demorado quase três décadas, op texto “nasceu velho”. Advogado civilista e professor de Direito Civil na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e da Faculdade de Alagoas (FAL), Marcos Bernardes foi autor de parte do parecer encaminhado pela OAB à Câmara dos Deputados sobre a redação final do projeto do Código Civil aprovado pelo Senado Federal, onde foram apontadas diversas falhas nas normas relacionadas ao Direito de Família e à parte geral do Código. Para ele, seria melhor ter corrigido o Código anterior, aproveitando a estrutura original, editando-se Códigos em áreas específicas.
Em entrevista a O Jornal, de Maceió, Marcos Bernades disse que o novo texto legal “continua como se fora um código do século 18”. Para ele, o Código Civil de 1916 foi, na verdade, uma obra legislativa muito profunda. “Apesar de não ter sido muito original, foi uma obra legislativa em que predominou o bom-senso na escolha das normas que deviam ser adotadas, inspiradas especialmente não apenas nos códigos alemão, francês, mas, sobretudo na legislação brasileira consubstanciada na Consolidação das Leis Civis e no Esboço de Código Civil, ambos do admirável Teixeira de Freitas. Clóvis Bevilacqua, com extrema perspicácia, acuidade e com notável visão dos fatos sociais de sua época, elaborou um projeto cujo produto, burilado pelas brilhantes discussões travadas entre os maiores lingüistas deste país, como Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro, recebeu elogios de toda a doutrina mundial. Foi uma obra respeitável, embora não se possa dizer uma obra-prima, mas uma obra de valor inexcedível. Acontece que deste novo Código Civil, infelizmente, não se pode dizer o mesmo. É pobre em linguagem, em sociologia e em política. Sua linguagem não é adequada, tanto em relação ao vernáculo como à terminologia jurídica. Sociologicamente, falta-lhe a visão da vida atual, por isso ele não dá apropriado tratamento aos fatos sociais nem solução pertinente aos problemas que deles surgem. Do ponto de vista da política jurídica, não incorporou os avanços que se constatam nos sistemas jurídicos do mundo, preferindo manter-se no passado”, declarou.
No entendimento do conselheiro, o novo Código “é um clone mal feito” do antigo, com inúmeros erros, inclusive lingüísticos, dentre os quais, destacou: “No artigo segundo, constata-se um imperdoável pleonasmo: a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida. A redação do projeto original que, é preciso ressaltar, tinha méritos, falava corretamente na personalidade civil do ser humano. Além disso, denominou-se Dos Atos Jurídicos Lícitos o Título II da Parte Geral, que somente tem um artigo, assim redigido: Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior, como se os negócios jurídicos não fossem uma espécie de ato jurídico lícito.
Marcos Bernardes disse ainda que apesar da grande expectativa da sociedade, não se deve esperar grandes avanços nas relações civis. Ao contrário: “A redução da maioridade para 18 anos é uma delas, mas a manutenção da incapacidade absoluta em 16 anos é um retrocesso. No Direito de Família, onde ocorreu a maior revolução, tudo já tinha sido mudado substancialmente pela Constituição. Não é mérito do Código. Ao contrário, em muitos pontos, manteve institutos arraigados no outro Código. Uma outra novidade é a possibilidade de mudança do regime de bens do casamento com autorização do juiz. Mas isso, para mim, é uma coisa muito perigosa”, afirmou.
Mais ainda: “É preciso ressaltar que muito do que existia de avanço nas relações sociais foi esquecido. Outro exemplo é o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que em alguns pontos foi prejudicado. A adoção, que está muito bem regulamentada no ECA, foi regulamentada nesse novo código com uma simplicidade muito grande. O novo Código não fez a distinção que o ECA faz dos menores, dos abandonados, dos expostos, que o tratamento é outro. Esqueceu a convivência com os pretendentes à adoção, dentre outras coisas importantes para a criança. Nesse quesito, o novo Código atrapalhou o processo de adoção que existe no ECA, que regulamentou muito bem o assunto. Outro obstáculo para a doutrina e a jurisprudência”.