OAB-RJ quer ir a Tarso Genro contra ação policial em escritórios
Rio de Janeiro, 03/04/2007 - O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Wadih Damous, quer agendar uma reunião com o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, para tratar exclusivamente da ação policial em escritórios de advocacia no País. Ele deseja evitar que se repita a enxurrada de ações irregulares e retenção de documentos e computadores de advogados que têm clientes investigados pela Polícia Federal, como aconteceu na gestão do antecessor de Genro na pasta da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Segue entrevista do presidente da OAB-RJ ao Jornal do Commercio do Rio de Janeiro:
P- O que o senhor espera da atuação do ministro Tarso Genro, notadamente em relação a questões como a entrada da Polícia em escritórios, situação que tivemos muito na gestão do ministro Tomaz Bastos?
R- O novo ministro é advogado, embora não criminalista, como o seu antecessor, e isso é importante. É um advogado trabalhista de renome no Rio Grande do Sul, um homem progressista, de tradições de luta democrática. Então, todas essas características nos dão esperança de que o ministro Tarso Genro vai se sensibilizar com esses temas. No que diz respeito às invasões de escritórios, é preciso que o Ministério da Justiça se posicione de forma bastante incisiva porque tem havido, de fato, absolutos abusos nessas operações em escritórios de profissionais da advocacia. Sob o argumento de combate ao crime organizado, acaba-se confundindo, em batidas policiais, o que é o advogado, qual é o seu papel, o que é o criminoso e o crime que foi cometido.
P- Qual o maior prejuízo ao advogado que sofre uma intervenção dessas em seu escritório?
R- Após operações como essa se levam arquivos que dizem respeito a todos os clientes daquele escritório e praticam-se as mais diversas ilegalidades, como escuta telefônica e posterior divulgação na mídia de diálogos entre o advogado e seu cliente. Alguns escritórios são muito visados para essas batidas policiais, espetaculares. Queremos ter a oportunidade, juntamente com o presidente Cezar Britto, de estar com o ministro Tarso Genro e enfrentar isso. Queremos pedir ao ministro que coíba esse tipo de invasão absurda aos escritórios de advocacia. Se o advogado, que aí já não estaria atuando como advogado, exercer um ato ilícito ou um ato criminoso, ele deve ser preso e sofrer as penas da lei como qualquer cidadão que pratique uma infração penal. Agora, simplesmente sob a alegação de combate ao crime, vermos escritórios invadidos, arquivos devassados e advogados humilhados e vilipendiados, é inaceitável. Queremos, brevemente, ter a oportunidade de dizer isso ao Ministro Tarso Genro e pedir a ele que adote medidas cabíveis no sentido de evitar esse tipo de procedimento.
P- O senhor tem dito que tudo no Brasil é motivo de legislar. Com relação à violência no Rio, a questão da redução da maioridade está sendo discutida no Congresso e só se pensa em leis mais rigorosas Qual seria a saída, então, para fugir dessa busca incessante por novas legislações?
R- Isso teria que ser uma tomada de consciência por parte do Congresso Nacional, porque muitas dessas medidas legislativas são cobradas pela própria população ou, ainda, por segmentos da mídia, principalmente quanto à violência. Prevalece no Brasil a ideologia punitiva, de que, com o recrudescimento da legislação penal e a criação de novos tipos penais, o problema da violência estaria resolvido. E a vida tem mostrado que não é assim. A cada fato grave que acontece, como a trágica morte do menino João Hélio, e a cada tragédia, seqüestro, queima de ônibus, edita-se uma lei. De dez anos para cá já foram editadas, casuisticamente, no campo criminal, seis ou sete diplomas legais, talvez mais. De outro lado, basta pegarmos as estatísticas e nos perguntarmos se a criminalidade diminuiu nesses dez anos. Não. Ao contrário, a violência aumentou.
P- E por que a violência aumentou nesse caso?
R - Porque as causas da violência em si não foram e não são atacadas. Combater a violência só com o Direito Penal e com leis ainda mais severas traz mais violência. O combate ao crime acaba matando mais gente do que a própria atividade criminosa. É por isso que nos preocupamos com essa prática, de se tentar resolver qualquer problema ocorrido na sociedade legislando, regulamentando, punindo, criando novos tipos penais. Isso, efetivamente, nunca resolveu qualquer tipo de problema. Eu não sou contra a lei, por exemplo, que criminalizou a discriminação racial. Mas não é a lei que impede o preconceito racial. O preconceito racial continua firme e forte no Brasil, mesmo com todas as leis sido editadas em relação a isso. É correto criminalizar a conduta racista. Agora, mais do que isso, eu gostaria de ver processos educativos em que, efetivamente, convençam as pessoas de que a discriminação é algo odioso, seja ela racial, seja de que natureza for. Isso se faz com educação, desde a tenra idade. Nós temos que botar essa garotada na escola e em tempo integral. É assim que se combate a violência.
P- Entrou em funcionamento a aplicação, no STF, da súmula vinculante, contra a qual a OAB historicamente se bate desde as discussões em torno da reforma do Judiciário. Como o senhor analisa a adoção da súmula?
R- Com alguma expectativa e, ao mesmo tempo, certa apreensão. Espero que a súmula vinculante não cause um congelamento e um desestímulo aos juízes, principalmente os de primeira instância, no sentido de formarem a sua convicção sobre determinado assunto. O Direito não pode ser visto como algo estático, congelado. Quantas e quantas vezes jurisprudências até então consolidadas não foram superadas com a evolução do entendimento dos juízes? Quantas e quantas súmulas já não foram revogadas porque sobreveio um novo entendimento? Então, a súmula vinculante nos traz preocupação. No entanto, ela vai passar pelo teste da vida, pelo teste da experiência e aí sim vamos aguardar para ver o que vai acontecer. No entanto, no dia de hoje, estou muito preocupado, pois o seu uso pode significar, simplesmente, o congelamento do Direito.
P- Doutor Wadih, o Rio de Janeiro é o segundo estado brasileiro com o maior número de cursos de Direito no país, atrás somente de São Paulo. Como o senhor enxerga a formação jurídica hoje? Quais os problemas que o senhor aponta?
R- Primeiramente, sou um militante favorável à democratização do ensino, como também sou um militante que combate a mediocrização do ensino. A democratização do ensino não pode ser sinônimo de mediocrização do ensino. Esse número gigante de faculdades de Direito no nosso Estado se configura, hoje, um número abusivo, que se dá em detrimento da qualidade do ensino jurídico. Nós, dirigentes da OAB, percebemos isso claramente, até numa mera cerimônia de entrega de carteiras de identidade profissional. Então, estamos muito preocupados com isso.
P - O que a OAB-RJ tem feito para coibir esse problema?
R- Organizamos uma Comissão de Ensino Jurídico na OAB-RJ bastante representativa do ponto de vista de rigor acadêmico. Exerceremos sobre os cursos jurídicos, estágios, sobre as grades curriculares e sobre a qualidade dos professores uma severíssima fiscalização. Aliás, há um convênio firmado entre o Conselho Federal da OAB e o Ministério da Educação que nos permite esse tipo de conduta. A OAB não vai virar as costas para isso. Queremos dar a nossa contribuição para a qualificação do ensino jurídico. Não o ensino jurídico básico que se ministra nas faculdades, mas no sentido da atualização profissional do advogado. Estamos, também, promovendo uma reformulação total na Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ, dirigida pelo professor Ricardo César Pereira Lira, o maior civilista do Brasil, para dar o exemplo de como o ensino jurídico pode ser produtivo, de como ele pode ser ministrado com qualidade, sem que isso signifique prática discriminatória. Agora, efetivamente, a advocacia é uma elite profissional. Então, temos que lutar não só pela democratização, mas pelo rigor acadêmico dos cursos jurídicos. Efetivamente, a maioria deles não obedece a esses requisitos.
P- O senhor é a favor da nacionalização do Exame de Ordem, das datas e dos conteúdos?
R- Confesso que eu estava um tanto quanto renitente quanto a isso. Talvez realidades regionais sejam desprezadas por conta dessa unificação. Mas eu acho - e aí falando com toda franqueza - que essa será uma saída boa até por conta da segurança, por conta do sigilo das provas que, muitas vezes, por mais que o dirigente da OAB seja honesto e tome as medidas necessárias contra vazamento de questões, nós temos assistido a alguns problemas nos últimos anos. Além disso, entendo que a OAB não tem estrutura, não tem logística própria para, efetivamente, impedir que isso aconteça. Então, uma terceirização, não só a unificação nacional, mas a terceirização da realização dos exames para uma instituição respeitada, de notória reputação, pode ser a medida mais correta. É, provavelmente, a que vamos adotar no Rio de Janeiro.