Cezar Britto: Justiça não pode mais ficar cega ao Brasil real
Brasília, 01/02/2007 - O novo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, assumiu hoje (01) o cargo transmitido por seu antecessor, Roberto Busato, com veementes críticas aos chamados administradores da Justiça - entre os quais estão os advogados, além dos magistrados e membros do Ministério Público. “Temos que admitir, como fez Buda ao fugir da Cidade Encantada, que a redoma de vidro em que vivemos tem que ser arrebentada”, afirmou em pronunciamento na solenidade de posse. “Não podemos ficar mudos, dormentes e cegos para a triste realidade que vive o Brasil; não podemos mais deixar de reconhecer a nossa surdez aos apelos da sociedade; não podemos mais recusar o mandato que nos faz defensores do Direito e da Justiça”.
Cezar Britto sustentou em sua fala que os administradores da Justiça não podem continuar “vivendo como se habitantes privilegiados e voluntários de um mundo encantado, distante e fictício”. Para o novo presidente da OAB, os integrantes do Poder Judiciário e os administradores da Justiça, “estamos falhando no cumprimento da nossa missão constitucional; não assumimos integralmente nosso papel político e não estamos fazendo o nosso dever de casa - não fazemos do Poder Judiciário o que dele quer a Constituição Federal”.
Ele convocou advogados, magistrados e membros do Ministério Público a renovar e a dinamizar a atuação do Poder Judiciário. “Eu os convido a revolucionar, a partir de nós mesmos, este poder que é fundamental para que o Brasil seja efetivamente democrático, onde a Justiça seja um bem consumido por todos”, afirmou. Ele anunciou que, de sua parte, a OAB vai atuar energicamente no combate à morosidade processual, à impunidade e ao crime organizado - criando para isso, inclusive, comissões temáticas específicas.
A atuação conjunta dos pilares do Judiciário será a tônica de seus três anos de gestão à frente da OAB - prometeu Britto. “Convido-os para que possamos, unidos, combater veementemente, a prática elitista que separa os cidadãos em duas categoriais, os que têm advogados e os que são obrigados a procurar justiça sozinho, desamparados, sem poder exercer integralmente o seu constitucional direito de defesa”, sustentou o novo presidente da OAB. Ele lembrou que é do Estado a tarefa de garantir o acesso à Justiça e, por meio das defensorias públicas, assegurar assistência aos mais necessitados. Garantiu que a OAB cobrará esses compromissos.
O presidente nacional da OAB conclamou também a todos para que participem cada vez mais, “fortalecendo os mecanismos de participação da sociedade no destino da nação, aperfeiçoando e estimulando para que façam parte da realidade política - e não apenas do discurso normativo - instrumentos republicanos como o referendo, o plebiscito e as leis de iniciativa popular”. Ainda no campo da reforma política em discussão, seguindo ele, a OAB vai propor medidas como a fidelidade partidária e a transparência nos gastos eleitorais. “Agilidade na punição dos que viciaram a vontade das urnas e o recall - instrumento em que o soberano - o povo - pode cassar o mandato daquele que se mostrar antiético no curso do mandato” - são outras bandeiras da A OAB durante sua gestão, na esfera política, conforme assinalou.
Entre as prioridades de sua gestão, Cezar Britto enfatizou também o combate à proliferação desenfreada de cursos jurídicos. A entidade dos advogados continuará combatendo sobretudo aqueles aprovados sem que sejam observados critérios mínimos para seu funcionamento, como a qualidade, o projeto pedagógico e o critério de necessidade social. “Os alarmantes resultados negativos das provas do Exame de Ordem, realizadas em todo o País, denunciam o caos que atingiu violentamente o ensino jurídico, criando uma nova e perversa espécie de desigualdade entre os brasileiros”, salientou.
Ele afirmou que a sociedade não pode aceitar, passivamente, a frustração do sonho da ascensão social por meio do saber. “Não podemos aceitar a perpetuação da desigualdade educacional”, frisou ele, anunciando que em sua gestão no Conselho Federal da OAB serão ampliadas, em termos de número de integrantes, as Comissões de Ensino Jurídico e de Exame de Ordem.
Em seu pronunciamento, Britto disse que, ao encerrar seu mandato, daqui a três anos, espera ter revogado do dicionário jurídico brasileiro a palavra “lamento”. E concluiu: “Espero que seja ela trocada por uma outra, mais precisamente pelo verbo fazer; e com ele possamos dizer para nós mesmos, que fizemos nossa parte, nós ousamos fazer um Brasil melhor. Nesse dia, podemos até inverter uma bela sentença de Goethe, para dizermos alto e bom som que ‘nada nos falta, pois não estamos em falta com nós mesmos’”.