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Entrevista/Approbato: A hora é de mobilização

segunda-feira, 29 de julho de 2002 às 12h37

Transcrevemos, abaixo, entrevista do presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, ao jornal "A Tarde", de Salvador (BA), edição desta segunda-feira, 29/07/2002:

POLÍTICA/ENTREVISTA

"Isso é o caos: 247 cargos vagos de juiz"

Entrevista: Rubens Approbato Machado

Cresce a cada dia o apoio dos segmentos organizados da sociedade brasileira à luta empreendida pelos desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia, tendo à frente o presidente Carlos Alberto Dultra Cintra, para manter uma postura de independência frente aos demais poderes do Estado, o Executivo e o Legislativo, e vencer o boicote de recursos financeiros que a instituição vem sofrendo por conta dessa posição. Há poucos dias, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Cláudio Baldino Maciel, visitou Cintra e lhe hipotecou total apoio. Na quarta-feira passada, foi a vez do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, ir ao gabinete do presidente do TJ se inteirar da situação do tribunal e colocar a OAB ao inteiro dispor da Justiça baiana para o encaminhamento de soluções.

No que pesem versões enviesadas que não ecoam, o Dr. Rubens Approbato Machado ficou pasmo com a situação financeira do TJ, ressaltando que 247 cargos vagos de juiz e mais de quatro mil de serventuários representam o caos, "a paralisação de um poder que é essencial numa democracia".

O presidente da OAB contou como se decepcionou, junto com todo o País, com as manobras às escuras feitas pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e pelo procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, para arquivar o pedido de intervenção federal no Estado do Espírito Santo, iniciativa que visava a combater o crime organizado.

Entrevista concedida a Raimundo Vieira

A Tarde - O arquivamento pelo Ministério Público Federal do pedido de intervenção no Espírito Santo gerou protestos em vários setores e culminou com o Dr. Miguel Reale Júnior entregando o cargo de ministro da Justiça. Que análise o Sr. faz do assunto? Sem intervenção, dá para combater o crime organizado?

Rubens Approbato Machado - Eu entendo que se perdeu uma grande oportunidade de dar um exemplo neste País, da atuação do poder público, do poder oficial, contra o poder paralelo, que lá no Estado do Espírito Santo não é mais paralelo, porque as linhas já se juntaram, e o chamado poder paralelo já tomou conta do outro poder. Portanto, era o grande momento da grande virada, até para servir de exemplo para evitar essa metástase do crime organizado, da corrupção, da violência, e se perdeu a chance. E se perdeu por uma razão que até hoje o País não sabe e gostaria de saber. E isso redundou na saída do professor Miguel Reale Júnior, porque ele participou intensamente do problema. Para que tenha uma idéia, o pedido de intervenção foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Esse pedido de intervenção não foi feito de maneira afoita ou por interesse momentâneo, mas sim baseado numa situação que vinha, já de muito tempo no Espírito Santo, cada vez ficando mais grave, e essa gravidade atingindo agora o crime de mando, a morte, a intimidação pessoal, tudo que se possa imaginar de violação à dignidade humana, aos direitos humanos. Com isso, a Ordem fez uma representação extremamente bem analisada e, antes de qualquer iniciativa, procurou o poder público federal para saber, até para sentir o que o poder público também pensava do tema. Porque a Ordem não deveria se lançar numa aventura, sem que tivesse noção da extensão do seu pedido. E nós estivemos - eu pessoalmente estive - com o ministro Miguel Reale Júnior no dia 30 de abril. Nesse dia, fizemos uma longa exposição a respeito do Espírito Santo, inclusive estivemos com o presidente da Seccional do Espírito Santo, também nesse dia, e dizendo a ele que a nossa idéia, nos termos da Constituição Federal, era encaminhar o pedido de intervenção federal naquele Estado. O ministro Miguel Reale me disse: "Olha, por coincidência, hoje, 30 de abril, eu tenho uma audiência com o presidente da República e vou expor a ele essa situação. E lhe darei uma informação a respeito do que pensa o presidente".

A Tarde - E daí, que aconteceu?

Rubens Approbato - À noite, eu recebo um telefonema do ministro Miguel Reale Júnior, dizendo: "Olha, eu conversei com o presidente, fiz a ele uma exposição de tudo aquilo que me foi narrado, me foi exposto, e o presidente", palavra do ministro Miguel Reale, "deu sinal verde e disse que era realmente para tomar as atitudes que nós pensamos tomar". Com base nisso, nós elaboramos o pedido de representação e apresentamos no dia 21 de maio. Esta representação o ministro encaminhou ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que é a quem cabe naquele setor o exame de matérias concernentes aos direitos humanos. Desse conselho fazem parte autoridades governamentais e vários segmentos da sociedade civil, inclusive a Ordem dos Advogados, a ABI e outras entidades. Esse conselho fez várias audiências, inclusive públicas. Uma das audiências públicas foi no Estado do Espírito Santo, eu estive presente. As pessoas criaram coragem de enfrentar os seus algozes e frente à frente fizeram denúncias, porque confiavam não só na Ordem, não só no conselho, mas principalmente no governo federal. Faz parte também desse conselho o procurador-geral da República. Com base na coleta de todas essas informações, o conselho nomeou três relatores da melhor qualidade, em todos os aspectos, de seriedade, de razoabilidade, de ponderabilidade, de honestidade e de cultura jurídica. E esses três relatores, antes de entregar o relatório à apreciação do conselho, se reuniram, dois dias antes, no dia 2 de julho, lá em Brasília, e dessa reunião participou o procurador-geral da República. E, durante mais de quatro horas, discutiram ponto a ponto, inclusive a minuta do relatório. O procurador-geral da República participou intensamente da elaboração deste relatório, que ao final foi apresentado no dia 4 de julho, em sessão aberta, pública, do conselho, na qual o procurador também estava presente. Ele e o ministro. Discutiram, eu tenho gravação dessa sessão, ele participou da sessão, votou favoravelmente ao pedido de intervenção. E ao término da reunião a mídia em geral procurou os relatores e procurou o procurador, porque o encaminhamento seria através dele. E ele confirmou que realmente a matéria estava exuberantemente comprovada e que ele iria encaminhar ao Supremo Tribunal Federal. Depois de dois dias, aconteceu o que toda a Nação ficou sabendo. Com base nisso, nós não entendemos mais nada do que aconteceu. O presidente da República, eu estive em contato pessoal com ele, me afirmou solenemente e com a autoridade de um presidente da República que ele não solicitou o engavetamento do pedido; que teria sido o próprio procurador-geral da República que teria ido comunicar a ele esse fato. O que é muito estranho, porque o procurador não precisa pedir autorização ou se encaminhar ao presidente da República, porque ele é o titular da ação. Se ele entendesse que não era o caso de intervenção, ele já deveria ter votado antes. Ou se ele reformulou, ele deveria ter dito aos seus companheiros de conselho o que o levou a modificar, inclusive, a sua participação no relatório. Ou seja, a Nação toda interpretou que houve interferência do presidente da República. E esses são fatos que continuam uma incógnita. Com base nisso, o ministro Miguel Reale chegou à conclusão de que ele não tinha mais autoridade. E com muita dignidade ele renunciou ao cargo de ministro da Justiça.

A Tarde - Estamos a poucos meses das eleições gerais no País, e a OAB lançou uma campanha contra a corrupção eleitoral. Quais os rumos dessa campanha? Onde estão os principais focos da corrupção que devem ser combatidos?

Rubens Approbato - É, a Ordem já tem uma história neste País de luta pelas liberdades democráticas, de luta contra a corrupção, contra a improbidade administrativa. Na eleição passada, já fez um trabalho profundo, que resultou numa conscientização maior do eleitor. Tanto é que em algumas cidades há um verdadeiro arrastão contra alguns políticos que estavam aboletados em seus cargos durante muito e muito tempo e mancomunados por improbidade, que foram eliminados. Nesta próxima eleição, que é a deste ano, que é a maior eleição que este País vai ter, em que vai substituir o presidente da República, os governadores de Estados, toda a Câmara Federal, dois terços do Senado, todas as Assembléias Legislativas, é o momento de conscientização do voto. O eleitor tem que saber que o grande ato numa democracia representativa é o ato do voto. E este ato do voto não é um momento, é uma conseqüência. Ele não pode ser negociado, ele não pode ser vendido, ele não pode ser utilizado por um benefício momentâneo e pessoal. Ele tem que se traduzir num benefício para a sociedade. E a Ordem, juntamente com outras entidades, lançou o movimento da Decência na Política, dizendo que o voto não é um momento, não é uma mercadoria, ele é uma conseqüência. E a Ordem, a CNBB, a ABI e outras entidades que têm sedes e sub-sedes no Brasil inteiro e, portanto, uma capilaridade de comunicação, estão abrindo todos os seus setores, em todos os municípios, para que aquele que tiver conhecimento de qualquer ato de corrupção, qualquer ato de pressão do poder econômico, pressão do poder político, denunciar à Ordem, denunciar na sua paróquia, pois serão encaminhadas essas denúncias ao Ministério Público, e isso vai permitir, na nova legislação eleitoral, que mesmo antes da eleição possa ser cassado o registro da candidatura. Portanto, é um instrumento muito forte. O Tribunal Superior Eleitoral tem uma jurisprudência também que autoriza um processo muito mais do que sumaríssimo e que vai permitir a gente liqüidar - se houver a colaboração da sociedade - esses corruptos que estão aí querendo cargo em seu benefício próprio e não no benefício da sociedade.

A Tarde - Surgiram recentemente notícias de que a OAB vai realizar um recadastramento de todos os advogados brasileiros. Isso é verdade? Se positivo, quais os motivos e de que modo será feito o recadastramento?

Rubens Approbato - É, o recadastramento já está sendo feito. Isso é imperativo da Lei 8.906, que é a lei que regula a atividade do advogado profissional. Há vários motivos. O primeiro motivo é que nós estamos numa era tecnológica muito avançada, e o nosso documento profissional é muito frágil. É um documento que qualquer menino hoje falsifica com muita facilidade. E na verdade está havendo algumas falsificações, e algumas pessoas que se intitulam advogadas estão causando um mal à advocacia, um mal ao País. Então, esse é um dos motivos, é criar um documento sólido, que está sendo feito pela Casa da Moeda, um documento tecnologicamente muito bem avançado. De outro lado, nós vamos saber o perfil dos advogados, quanto somos, quem somos, de onde somos, qual a faixa etária, qual o gênero. E o número exato, porque hoje nós não sabemos exatamente quanto são os advogados. Também vai servir para impedir que advogados que não têm condição de advogar - ou porque estão suspensos, ou eliminados, ou porque têm impedimentos, ou por qualquer outro motivo - possam exercer a profissão. E, portanto, excluir essa possibilidade, que infelizmente vem acontecendo em alguns casos. E mais que isso: é um documento já voltado à Justiça virtual, que virá, será inevitável. E esse documento tem condições tecnológicas de, cada vez mais facilmente, ser adaptado para poder enfrentar também essa chamada Justiça virtual.

A Tarde - O Sr. acaba de ter um encontro com o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Dr. Carlos Alberto Dultra Cintra, que vem enfrentando sérias dificuldades financeiras, por conta de insuficiência orçamentária, para dirigir o Judiciário baiano. Que impressões o Sr. tem sobre essa questão?

Rubens Approbato - Bem, eu fiquei pasmo de saber que na Bahia há 247 vagas de juízes, fora mais de quatro mil vagas de serventuários da Justiça. Isso é o caos. Isso é a paralisação de um poder que é essencial numa democracia. Portanto, todos têm responsabilidade nisso, a sociedade, a Ordem dos Advogados, o poder público, os Poderes Executivo, Legislativo e o próprio Judiciário. Tem que haver uma forma de reverter essa situação. Porque sem Justiça não há liberdade, sem liberdade não há democracia, sem democracia você não pode exercitar os seus direitos. Então, é o momento de uma mudança rápida nessa situação, ou seja, o Estado da Bahia tem que se conscientizar que ele não pode ficar à margem hoje de uma evolução que está havendo em todo este País no sentido de uma reforma profunda na administração pública.

A Tarde - A Associação dos Magistrados Brasileiros abraça uma campanha por plena democratização do Poder Judiciário, levantando bandeiras como eleição direta para presidentes de tribunais, fim das sessões secretas e eliminação do nepotismo. Qual a posição da OAB a esse respeito?

Rubens Approbato - Bom, contra o nepotismo nós somos absolutamente irmanados, porque não se pode admitir essa prática. E há outras matérias em que a Ordem também se coloca, como o controle externo da magistratura. Há algumas coisas, entretanto, que precisam ser bem analisadas. Essa proposta da eleição direta para presidente de tribunal, por exemplo. Já existe uma eleição. Nós precisamos tomar alguns cuidados para não criar dentro do Poder Judiciário - ou dentro do Ministério Público ou dentro de atividades essenciais - facciosismos que possam levar a uma ruptura interna. Essa é uma matéria que precisa ser bem analisada para evitar algum tipo de ruptura na instituição.

A Tarde - Os critérios para indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal sempre foram motivos de críticas. Agora, o assunto veio à tona, mais uma vez, com a indicação do Dr. Gilmar Mendes, que era o advogado-geral da União. Como o Sr. visualiza esse problema?

Rubens Approbato - Na verdade, o problema não é só dessa última indicação. A Ordem já fez uma proposta, na reforma do Poder Judiciário, no sentido de que algumas situações têm que ser colocadas. Primeiro, quem está titular da um cargo dessa natureza, de ministro, de grande representatividade, não pode usar desse fato para poder ser indicado para o Supremo. Esse é um ponto em que a Ordem vem se batendo. O outro é que deve haver uma escolha mais democrática, porque o Judiciário é um poder e, portanto, tem uma função aristotelicamente relevante no que se fala de política, porque ele é um partícipe também da administração pública e não pode ficar ao sabor de nomeações que possam criar bancadas em favor de alguns segmentos. Agora mesmo, nós vamos ter, no ano que vem, logo no começo do ano, três vagas. Então, nós temos que buscar uma forma mais democrática, através de uma eventual lista a ser elaborada por todos aqueles que participam da administração da Justiça, a Ordem dos Advogados, o Ministério Público, as Defensorias Públicas, o próprio Judiciário, apresentando um rol de nomes que possam ser levados então ao Congresso e ao presidente da República para nomeação, e não ficar a critério exclusivo do presidente da República.

A Tarde - Qual a opinião do presidente da Ordem sobre a qualidade dos cursos jurídicos existentes no País? Observa-se o aumento do número de Faculdades de Direito. Esse fato é positivo?

Rubens Approbato - O que nós estamos verificando é que não está havendo critérios na avaliação dos cursos, quer na criação, quer no reconhecimento, quer na fiscalização. Nós estamos verificando hoje que o Brasil tem aproximadamente 450 cursos jurídicos, fora as extensões de campus universitários e fora os quase mil pedidos de abertura de novos cursos. Ninguém é contra o ensino, ninguém é contra o ensino jurídico. A Ordem é contra o mau ensino jurídico, essa proliferação, em que você não consegue ter corpo docente à altura, não consegue ter uma grade curricular que seja realmente dinâmica, satisfaça às necessidades que o País precisa e promova uma boa formação de profissionais. Porque as Faculdades de Direito não formam só advogados. Formam advogados, juízes, promotores, delegados, procuradores. Portanto, são o berço de um poder essencial, que é o Poder Judiciário. E se nós tivermos mal apetrechados bacharéis, que não conseguem se desenvolver, ou mal formados, ou mal informados, nós vamos ter uma Justiça mal formada, mal informada, que vai ter repercussão na sociedade, nos jurisdicionados e no caos social. Então, nós precisamos ter realmente uma situação melhor. E, infelizmente, o que nós estamos sentindo é que essa proliferação está banalizando o curso de Direito e com isso está criando situações realmente esdrúxulas. Para você ter uma idéia, por exemplo, se você observar o número de bacharéis que terminam o curso e que ficam com o diploma, que depois de nada vai lhes servir, você vai verificar o que eu costumo chamar de estelionato educacional. Você gastou dinheiro, você gastou tempo, você sofreu durante cinco anos, ao término do curso você se julga um cidadão já capaz de ser um advogado, um juiz, um promotor, um delegado, e você não é nada, você não passa no Exame de Ordem, você não passa nos exames públicos e você não se torna um profissional de Direito. Isso é um estelionato que se faz com a juventude, que está aí perdida, que está com o diploma e não sabe o que fazer. O que nós propomos é diferente, é que se permita um determinado número dos cursos jurídicos, que são necessários, que se faça cumprir todos esses cursos. Agora, para se tornar um profissional de Direito a pessoa terá que fazer em seguida e necessariamente um curso profissionalizante, sob a supervisão da Ordem dos Advogados, dos Tribunais de Justiça, do Ministério Público, das suas escolas, para que a gente possa realmente ter um profissional à altura.

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