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Artigo: Lições do caos

sábado, 17 de junho de 2006 às 07h02

Brasília, 17/06/2006 – O artigo “Lições do caos” é de autoria da presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Distrito Federal, Estefânia Viveiros, e foi publicado na edição de hoje (17) do Jornal de Brasília (DF):

“O episódio da invasão da Câmara dos Deputados por mais de 400 manifestantes do denominado Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) ainda vai ecoar por muito tempo em nossa memória como um alerta para a fragilidade a que ainda estão expostas as nossas instituições. Não obstante os inquéritos abertos com vistas a apurar responsabilidades, deve a sociedade, e, em especial, os movimentos sociais, refletirem sobre o episódio e deles tirar algumas lições.

Dissidência declarada de outro movimento de trabalhadores rurais, com esse tresloucado gesto o MLST pôs em risco não apenas a vida de seus integrantes, como também a credibilidade dos movimentos sociais sérios que buscam resolver problemas que ainda existem com relação à fixação, ordenada e sustentável, do homem no campo. Na maioria deles, há pessoas empenhadas em eliminar a violência que, nas áreas rurais, contrariando os que pensam que esse fenômeno se circunscreve aos grandes centros urbanos, atingiu proporções alarmantes. Pessoas que se expõem, arriscam a própria vida, e nem por isso se tem notícia de que promovem badernas para chamar a atenção.

E se não o fazem é porque têm consciência de que há instrumentos legítimos e democráticos para enfrentar o problema. Se há defeitos em nosso arcabouço legal – e ninguém afirma que não existam –, devemos denunciá-los e corrigi-los. O tempo de uma reforma agrária "na marra" não encontra, há muito, ressonância em um país que conseguiu pacificamente retornar aos trilhos da democracia. E mais ainda depois da eleição de um presidente de origem reconhecidamente humilde e com raízes nos sindicatos de trabalhadores.

Manifestações como a que vimos só têm explicação se considerarmos a existência de alguma doutrina autoritária adotada pelos seus dirigentes, sendo inconcebível que o Partido dos Trabalhadores, que elegeu democraticamente um presidente da República, comungue dessa prática. Tanto assim que afastou o líder da manifestação de sua Executiva. É o que esperamos, no mínimo.

Mas nada disso afasta a preocupação com o fato de um grupo de pessoas achar que pode simplesmente ir entrando e depredando o Congresso Nacional. Considerando que a iniciativa não partiu de um analfabeto político, causa arrepio admitir que o plano era do conhecimento geral, mas ninguém fez nada para impedi-lo.

Democracia pressupõe liberdade, mas liberdade, por mais paradoxal que possa parecer, pressupõe também controle. Se não fosse assim, o elementar direito do ir-e-vir permitiria que qualquer estranho invadisse a sua casa, retirasse ou quebrasse um bem material. Controle, aqui, não significa censura, no caso da imprensa. Refiro-me a controle social, resumido na razoabilidade de não se permitir, por exemplo, que o direito à expressão, por sinal assegurado na Constituição, dê a alguém a possibilidade de gritar "fogo!" no interior de uma sala de cinema fechada. Nem, ainda, que o Estado vigie os passos dos cidadãos a seu bel-prazer, transformando em realidade a ficção de George Orwell.

Somos, no dia-a-dia, sujeitos a controles sociais, ainda que sutis, que tornam a convivência humana ao menos suportável. Isto ocorre ainda, a título de exemplo, quando apresentamos a carteira de habilitação ao policial de trânsito, ou quando paramos o carro diante da faixa de pedestres. Sem eles, viveríamos nos engalfinhando, em completa barbárie.

Tais controles possuem, também, um caráter pedagógico.

Quando a OAB do Distrito Federal designou um dos seus membros da Comissão de Direitos Humanos para acompanhar os manifestantes presos, o fez motivado pela preocupação com as condições físicas e psicológicas daquelas centenas de pessoas precariamente instaladas, em um primeiro momento, no Ginásio de Esportes. Tínhamos, ademais, notícias de que, em meio aos manifestantes, estavam adolescentes e crianças – algumas agarradas ao colo das mães. Era preciso, pois, seguir os procedimentos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que resultaram, como se esperava, na liberação daqueles inocentes.

Com relação aos líderes do movimento, entende a OAB que o caso já tomou o seu curso normal, instaurando-se o devido processo legal e dando-se aos acusados, por óbvio, o direito de defesa. Nada há acrescentar que não seja a lição que o episódio produziu em todos nós."

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