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Prerrogativa dos advogados deve ser intocável,diz Busato

domingo, 21 de maio de 2006 às 07h35

Belém, 21/05/2006 - O catarinense radicado no Paraná Roberto Busato é hoje uma das figuras mais influentes no cenário político nacional. Aos 51 anos, ele é o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cargo que desempenha até janeiro do ano que vem, e esteve em Belém na sexta-feira para presidir a reunião dos presidentes da Ordem nos municípios paraenses. Em entrevista exclusiva ao repórter Rafael Guedes, do jornal O Liberal, Busato condenou a abertura indiscriminada de cursos de Direito no País, a que considera uma ''trapaça'' e um estelionato aos jovens universitários e, conseqüentemente, à sociedade brasileira.

Defendeu a expulsão, dos quadros da OAB, de advogados que mantêm relações escusas com o crime organizado, mas afirmou ser contrário à revista dos profissionais de Direito nas penitenciárias. Entre a indignação com a atual crise política que atinge a Câmara dos Deputados e o entorno da presidência e a reafirmação da necessidade do exame de Ordem, Busato concedeu a seguinte entrevista na sede da OAB no Pará.

P- São Paulo viveu uma semana tensa em que os holofotes se voltaram para a facção criminosa PCC. O senhor chegou a comparar a situação brasileira com ''a Colômbia de tempos atrás''. Fala-se até mesmo em uma ''pré-máfia'', referência aos exemplos italiano e colombiano. Que fatores refletem essa realidade?
R- Evidentemente que essa crise deixou a nu uma situação cruel. É uma crise que não está adstrita apenas a São Paulo e Rio, mas que permeia todo o Brasil, com peculiaridades mais graves e menos graves em determinados Estados. Nós vimos que o PCC conseguiu motivar rebeliões em outros Estados, o que significa que a ramificação existe e que há uma organização deste mundo marginal que se forma através das penitenciárias. Houve rebeliões em Mato Grosso do Sul, Paraná, Espírito Santo e até na Bahia. Portanto, isso mostra que há uma sedimentação desta criminalidade em todo o País. É um verdadeiro mercado da marginalidade que está imperando em todo o Brasil.

P- Como o senhor avalia a relação entre advogados e líderes da facção criminosa PCC?
R- Se há ligação entre advogados e líderes do PCC, evidentemente que ela é uma ligação criminal, uma ligação bandida. Não uma ligação de advogado e cliente. Nós não podemos aceitar qualquer tipo de desvio ético, de conduta. Advogado que tem ''ligação mais íntima'' fora da necessidade do amplo direito de defesa, está simplesmente se tornando um marginal e, portanto, não pode permanecer nos quadros da OAB.

P- Sabe-se que celulares e armas chegam aos presídios muitas vezes através de visitas íntimas e até mesmo de advogados. Por que a OAB é contra a revista de advogados nas cadeias, prevista na Comissão de Constituição e Justiça do Senado?
R- Porque faz parte das prerrogativas da advocacia o contato com o seu cliente absolutamente isento, para que possa haver a ampla defesa. Nós não nos opomos aos controles normais de segurança e defendemos que na penitenciária deva haver controle rigoroso no aspecto de segurança, para que se evite uma ligação nociva do mundo externo com o mundo interno da penitenciária. O preso está sob guarda do Estado, e cabe ao Estado fiscalizá-lo e zelar pela segurança de todos. O que nós defendemos é que, primeiro, as penitenciárias tenham condições modernas de evitar o contato físico, para que se evite o constrangimento entre os elementos da sociedade civil com os agentes carcerários. Em segundo, que haja uma rigorosa fiscalização do apenado. Quando ele tem o contato íntimo, físico, com qualquer pessoa, seja advogado, seja qualquer outro profissional, que não sejam eles os constrangidos, mas sim que o presidiário seja o investigado nesse ponto, no sentido de ser aferido que não se transferiu nenhum objeto para ele nesta visita. Nós não podemos negar que existe um mundo dentro da penitenciária cinzento, que é o da corrupção, e que alimenta muito mais essa possibilidade da organização criminosa funcionar atrás das grades.

P- O senhor chegou a dizer recentemente que a crise política atual é pior que a do governo Collor. A OAB, no entanto, rejeitou o pedido de impeachment de Lula. Houve ambigüidade? Por quê esse posicionamento?
R- A OAB continua dizendo, serena e tranqüila, que esta crise é pior do que aquela que o Brasil sofreu com o governo Collor. Tratava-se de uma quadrilha que pretendia assaltar os cofres públicos a seu bem, apenas para si, enquanto que esta crise institucional se sedimentou em todo o Poder Executivo e também no Legislativo. Houve uma promiscuidade nos dois poderes que acabou enraizando toda esta crise. Veja que, a cada instante, aparecem fatos novos. Agora, essa Operação Sanguessuga, praticamente, coloca em xeque mais da metade do Congresso Nacional, o que é uma coisa absolutamente inédita, surrealista, que nunca se viu no País. E no mundo! Acontece que a Ordem analisou o problema do impeachment de Lula sob vários ângulos. Primeiro, se reconheceu a inoportunidade de se entrar com um pedido de impeachment num momento em que o calendário eleitoral já está colocado dentro do Brasil. O segundo ponto foi a impropriedade da via. Se entrássemos com o impeachment, com o remédio mais amargo que a Constituição determina, junto ao Congresso Nacional, pragmaticamente, teria algum sucesso? A própria Câmara dos Deputados, que não consegue condenar aqueles que são condenados pela sua Comissão de Ética e ao chegar ao Plenário são absolvidos, vai ter condições de julgar com isenção o presidente da República e chegar à condenação do presidente? Entendemos que não havia este clima. E o terceiro é o tão falado clamor popular, que não existia, mas este poderia até ser suplantado, talvez, com a entrada do impeachment. Por outro lado, a Ordem quis promover o mesmo tipo de atitude que moveu contra Collor naquele momento - já que todas essas dificuldades não existiam naquela época - através de uma notícia-crime junto à Procuradoria Geral da República. Ou seja, não absolvemos o governo, não dissemos que nada existe, não fomos avestruzes que enfiamos a cabeça embaixo da terra para esperar passar o vendaval. Não vamos pegar este procedimento, inclusive as razões do relator, que são pesadas, contra o governo e contra o presidente, e transformar isso uma notícia-crime. Com relação a isso, estamos trocando de campo: em vez de discutirmos isto dentro do Poder Legislativo, vamos jogar este assunto para dentro do Poder Judiciário.

P- Se estendermos esta definição para o Congresso, é possível dizer também que este é o pior ou mais problemático dos últimos anos e, possivelmente, da História brasileira?
R- Sem dúvida nenhuma, não se viu uma crise tão forte de credibilidade do Congresso Nacional como foi nessa legislatura. Tanto é que se sobressaíram deputados e senadores que estão isentos desta crise, tornaram-se quase que pessoas de um padrão astronômico dentro do País em função da lisura com que se portam dentro de uma crise deste nível. Sem dúvida nenhuma, na minha existência, não vi legislatura mais contestada, mais achincalhada pelo povo brasileiro e que mais decepcionou o eleitor do que este Congresso Nacional.

P- A pizza dos mensaleiros desacredita as instituições brasileiras?
R- Sem dúvida nenhuma. Veja que esta figura sinistra, como cidadão, que é Severino Cavalcanti. Este ex-presidente do Congresso diz que ''comemos a pizza e não deu azia e nem indigestão, não precisou nem de sal de frutas''. Isso significa o descaramento e a descompostura que ocorreu dentro do Congresso.

P- O senhor já disse que o Poder Público é campeão em litigância de má-fé. Como acabar com isso?
R- Impedindo que o Estado recorra - Estado, quando digo, é em sentido amplo, em todas as instâncias do Poder Público - absolutamente impune, reiteradamente, de decisões que sabe que vai perder, apenas para procrastinar o andamento do feito. Portanto, fomos a favor da súmula impeditiva de recursos para que se limite o Estado no sentido de que ele não possa recorrer a todo instante das matérias que os tribunais superiores reiteradamente vêm julgando contra o Estado. Também não podemos mais admitir que o Estado tenha prazos em dobro, em quádruplo, quando hoje a advocacia pública está muito mais avantajada perante o cidadão brasileiro, que não tem condições de ter um advogado adequado, às vezes, para fazer a defesa dos seus interesses. São inadmissíveis vantagens processuais, no ano de 2006, a favor do Estado brasileiro contra o cidadão, já que o Estado brasileiro é o pior ator desta cena judiciária. Ele é o maior procrastinador e representa 80% dos processos que estão em andamento no foro brasileiro.

P- No Pará, os índices de reprovação entre 70% e 80%. Acredita-se que exista uma relação com a proliferação dos chamados cursos de esquina para formação de advogados. Como o senhor avalia essa questão?
R- Sem dúvida é isso que ocorreu no Brasil. Há uma simetria entre o aumento de cursos e de formandos e o aumento da reprovação no exame de Ordem. Mas não é só no exame de Ordem: há também uma curva ascendente do aumento da reprovação dos exames para magistratura e para o Ministério Público. Isso significa que algo há de podre, e o que há de podre está no ensino, e não nas provas de aferição. As provas de aferição absolutamente poderiam reprovar o que estão reprovando.

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