Editorial: Em nome da República
Goiânia, 30/04/2006 - O editorial "Em nome da República" foi publicado na edição de hoje (30) do jornal Opção, em Goiânia:
"A presidente do STF, o procurador-geral da República e o presidente da OAB reconfortaram a nação ao lembrar que ninguém está acima das instituições.
A posse da ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo Tribunal Federal representa um momento histórico na vida do país. Não apenas porque ela é a primeira mulher a assumir a presidência do tribunal (e deve ser a primeira a se tornar presidente interina do Brasil), mas porque a ministra pode resgatar a altivez do Judiciário brasileiro, que foi bastante prejudicada pela campanha difamatória que o Executivo moveu contra ele. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, quando o Executivo intesificou a reforma do Estado brasileiro, a magistratura, como guardiã da Constituição, passou a ser um alvo dos ataques do governo.
Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essa tentativa de intimidação do Judiciário recrudesceu. Logo no início de seu governo, o próprio presidente Lula, abdicando da moderação verbal que o cargo lhe impõe, afirmou que era preciso abrir a “caixa preta” do Judiciário. Foi nesse clima que se aprovou o controle externo do Judiciário, uma medida paliativa, tendo em vista que a criação do Conselho Nacional de Justiça não vai solucionar os problemas mais graves da Justiça brasileira, a começar pela legislação anarquista, que funciona muito mais como uma carta de intenções para o futuro do que propriamente como lei para reger o presente. Isso sem contar a inflação de recursos e as demandas do governo, que ajudam a emperrar ainda mais a Justiça.
Neste quadro de confusão institucional em que vivia o país, agravado com a compra de parlamentares pelo governo Lula, quis o destino que o Supremo Tribunal Federal fosse presidido por Nelson Jobim. No governo Fernando Henrique ele foi acusado de ser tucano, por ter imposto a verticalização das alianças, que, na época, interessava muito a base governista. Agora, no governo Lula, foi acusado de ser petista, devido as suas decisões favorecendo o governo e o PT no escândalo do “mensalão”.
Essa disparidade de críticas mostra que Nelson Jobim talvez não seja uma coisa nem outra. Mas seu perfil mais político que técnico, repetindo no extremo oposto a conduta de Maurício Corrêa à frente do STF, fez com que o ex-presidente do Supremo acabasse fragilizando a imagem da Justiça, justamente quando o Brasil mais precisava dela. Por isso, a posse da ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo, em solenidade ocorrida na quinta-feira, 27, representa uma esperança no fortalecimento das instituições republicanas.
Natural do Rio de Janeiro, a ministra Ellen Gracie Northfleet tem 58 anos e chegou ao Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2000. Fez carreira jurídica no Rio Grande do Sul, onde foi procuradora da República e juíza do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Separada e mãe de uma filha, ela fez questão de salientar que sua posse na presidência do Supremo era uma conquista de todas as mulheres. Seus assessores dizem que Ellen Gracie tem preferência pelo modelo de Justiça dos Estados Unidos, onde fez cursos de especialização e aprendeu a admirar a discrição da Suprema Corte, o STF de lá.
Essas características da ministra Ellen Gracie tendem a ser positivas para as instituições do país. A discrição, na maioria das vezes, costuma andar junta com a firmeza de caráter. Um claro exemplo disso é o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Discreto, era praticamente desconhecido da imprensa antes de tomar posse no cargo, em meio ao escândalo do “mensalão” do governo Lula. Sempre agiu com a máxima prudência desde que foi indicado pelo presidente Lula para chefiar a Procuradoria-Geral da República. Não se ofereceu como serviçal da mídia, em busca de holofotes, mas quando o país precisou dele, soube cumprir o seu dever. Seu relatório sobre o escândalo do mensalão não deixa dúvida a respeito de sua coragem e independência.
No relatório sobre o mensalão, o procurador-geral Antônio Fernando de Souza não hesita em definir como “quadrilha” e “bando” a organização política suprapartidária, que — girando em torno do PT e do presidente Lula — quis aparelhar o Estado para auferir dividendos financeiros e eleitorais. Na posse da ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo, o procurador-geral da República fez um discurso duro contra a impunidade, constrangendo o presidente Lula, cuja figura é praticamente uma marca d’água que se delineia sutil por entre as páginas do relatório do procurador sobre o mensalão.
Em seu discurso, o procurador afirmou que Ellen Gracie assume o comando do Poder Judiciário num momento em que “as instituições estatais estão submetidas a prova de resistência”. E deixou claro que, no que depender do Ministério Público, não haverá ninguém acima da lei no país. Disse o procurador-geral da República: “A possibilidade de responsabilização dos agentes políticos e públicos por desvios na atividade pública há de ser assegurada como conseqüência do próprio Estado democrático de direito: não há autoridade dotada de poderes ilimitados nem imune à devida fiscalização, controle e responsabilização”. Suas palavras foram corroboradas pelo presidente da OAB, Roberto Busato, que afirmou: “A nossa República padece da pior das crises: a crise de credibilidade”.
O procurador já ofereceu denúncia criminal contra 40 envolvidos no escândalo do mensalão, começando por grande parte da cúpula do PT, mas pretende aprofundar as investigações. Por sua vez, Ellen Gracie, em sua primeira entrevista como presidente do STF, disse que o tribunal está preparado para julgar processos complexos, como a denúncia do procurador-geral, que já está nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, que vai relatá-lo. Por sua vez, o presidente da OAB alertou para o perigo institucional dos movimentos sociais que “ameaçam colocar nas ruas, em franca hostilidade contra as classes média e alta, massas de trabalhadores desempregados e subempregados”. Roberto Busato chamou essa conduta de “golpismo”. E, juntamente com o procurador-geral Antônio Fernando Machado e a ministra Ellen Gracie reacendeu a esperanças nas instituições".