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Falta de ética no governo frustra OAB, diz Busato

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006 às 08h50

Belém, 13/02/2006 - Ao assumir a presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado Roberto Busato deixou claro seu intuito de moralizar e manter a credibilidade da Ordem para preservar a qualidade do Judiciário. O controle na abertura indiscriminada de cursos de Direito sem preparo para a formação dos novos profissionais é umas das bandeiras de Busato, além da fiscalização dos desvios éticos e jurídicos do governo.

Eleito por unanimidade, desde que assumiu, há dois anos, Busato batalha pela reforma do Judiciário e pela manutenção das prerrogativas profissionais dos advogados. Aos 51 anos, o mais jovem presidente da Ordem já empossado no País imprime uma visão inovadora na entidade, onde ingressou em 1990.

Nesta entrevista exclusiva a Fábio Andrade, de O Liberal, Busato fala sobre sua gestão , questões jurídicas, política e governo.

P- Como o senhor vê a atuação do Conselho Nacional de Justiça?
R- O CNJ representa um avanço. Acho que, por algumas medidas, ele já se justificou. É um Conselho que ainda está se estruturando, mas o ministro Nélson Jobim tem por ele zelo especial, lhe dá respaldo. Acredito que só esta resolução contra o nepotismo já justifica a existência do CNJ.

P- Como o senhor recebeu a indicação do desembargador Ricardo Levandowski à vaga do STF?
R- Foi uma indicação adequada, uma indicação que atende aos princípios constitucionais da conduta ilibada e de notório saber jurídico.

P- Como o senhor entende a Emenda Constitucional que extinguiu as férias forenses nos tribunais da 1ª Instância? Como fica para um advogado que atua sozinho no escritório?
R- Esta é uma grande preocupação nossa. A reforma acabou, praticamente, tirando as férias a que todo trabalhador tem direito. Com esse sistema, advogado sem uma estrutura maior, que faz advocacia personalista acabou sem o recesso do Judiciário. De imediato, o CNJ procurou acomodar um pouco a situação, criando o recesso Judiciário no final do ano. Nomeamos uma Comissão para trabalhar o aspecto das férias profissionais, para oferecer alguma sugestão ao CNJ para regularizar essa situação. É evidente que a Emenda Constitucional não foi para retirar do advogado as férias. O sentido retirar o abuso das férias dos juízes, que tinham 60 dias, mas acabou mantendo esses 60 dias de férias para os juízes e tirando as férias dos advogados.

P- Sobre os cursos de Direito, essa proliferação de faculdades: o senhor tem visto alguma retratação diante do exame da Ordem e do alto índice de reprovação? Isso tem melhora a qualidade do ensino?
R- Há uma proliferação de cursos, principalmente de cursos privados de má qualidade, sem nenhum avanço no número de vagas e de cursos públicos. O Brasil está paralisado de novos cursos superiores no ensino jurídico. Há abundância de cursos particulares mantidos por empresas comerciais. Não aquelas empresas tradicionais que se dedicavam e sempre se dedicaram ao ensino, como era o caso das entidades religiosas, que tinham vocação para o ensino. Daí veio a Mackenzie, daí vieram as PUCs... Isso determinou a perda de qualidade do ensino. A finalidade é o lucro, o que causou uma desproporção nas aprovações de exames. O que nós temos hoje, e a Ordem vem constatando, é que o único meio que se tem de aferição da condição de ensino está nos exames da Ordem e nos concursos públicos. E não só o exame da Ordem está reprovando maciçamente. Os concursos estão massacrando candidatos, principalmente pela má formação do bacharel de Direito.

P- Não existe um tipo de instrumento para evitar a criação desses cursos?
R- Nós avançamos muito durante a minha gestão junto ao Ministério da Educação e Cultura. Hoje, já existe uma regulamentação rígida para a criação de novos cursos, por força de um grupo de trabalho composto pela Ordem e pelo MEC. Estamos formando 120 mil bacharéis em Direito e temos dificuldade de vê-los aprovados nos exames da Ordem e nos concursos públicos. Hoje, notamos a ausência de magistrados no Ministério Público, onde há vagas sobrando, com essa multiplicidade de bacharéis. No exame da Ordem, que é um exame de aproveitamento, você vê uma reprovação absolutamente absurda, que não deveria haver. Mas se você analisar o índice das faculdades tradicionais, públicas e privadas, o índice de aproveitamento é razoável. Chega, às vezes, numa federal, a aprovar de 50% a 60% dos candidatos. Mas há faculdades, principalmente as mais recentes, que estão na primeira fornada de bacharéis que, principalmente nessas empresas que não têm tradição de ensino, temos um índice de aprovação beirando o zero. .

P- E sobre a questão do excesso de recursos no Judiciário ? A súmula vinculante seria uma saída para essa situação?
R- Existem outros instrumentos que poderiam ser melhor usados no Brasil. A Ordem foi contrária à adoção da súmula vinculante do modo que estava sendo colocado na reforma Constitucional. Defendemos uma súmula impeditiva de recursos. O Brasil não é uma Áustria ou uma Alemanha, que têm uma sociedade quase homogênea. O Brasil é um País de desigualdades imensas, onde o fato social colocado em cotejo à lei na Amazônia pode ser muito diferente da mesma análise no Estado de São Paulo. Portanto, um comando tendo a mesma validade para essas duas realidades tão diferentes seria absolutamente perigoso.

P- E quanto ao Código de Processo Civil, o senhor acha que uma reforma daria mais rapidez ao processo?
R- O Código de Processo Civil precisa ser reformado. O Brasil precisa ter um Judiciário mais ágil. Mas não é possível modificar o Código apenas contra o cidadão, apenas tirando dele o direito do livre acesso ao Judiciário, do duplo grau de jurisdição, de chegar com seu assunto a uma Corte Superior. Não devemos limitar o direito do cidadão de ver a justiça realmente confiável para ele.

P- Nos Tribunais Superiores, é comum ver filhos de ministros advogando...
R- A Ordem sempre teve a preocupação de verificar esse tipo de situação.Temos alguns princípios que a Ordem sempre procura coibir: um deles é a captação indevida de clientela para que haja isonomia do exercício profissional entre todos os advogados. Evidentemente que às vezes um ex-ministro ou um familiar de ministro em atividade exerce uma captação de clientela porque vende uma imagem de acesso a uma decisão favorável aquele que imagina um tipo de influência perante o Judiciário. A Ordem está atenta a isso e existem instrumentos legais que impedem eticamente esse exercício profissional.

P- Qual a situação do grupo de trabalho da OAB que estuda o pedido de impeachment do presidente Lula?
R- Há uma corrente na Ordem segundo a qual deve-se trilhar o mesmo caminho que se trilhou por ocasião do impeachement do presidente Collor, isto é, aguardar a conclusão da CPI. Quando foi concluída a CPI do governo Collor, a Ordem e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) entraram com o procedimento. Também há uma grande parcela da casa achando que a Ordem deve aguardar as soluções da CPI para, daí, partir para a análise de seu conteúdo e decidir se vai ou não ao Supremo pedir o impeachment.

P- Como o senhor vê o relatório do deputado Osmar Serraglio, que antes de ser apresentado já é sumariamente descartado pelo governo. Seria um desrespeito ao relator e ao Congresso?
R- Evidentemente há um trabalho de grupos que estão vendo seus interesses atingidos pela CPI para de desqualificar o trabalho. E desqualificar através da pessoa daquele que está encarregado das investigações. Dessa forma, acredito que o deputado Omar Serraglio e a maioria dos membros da CPI estão fazendo um trabalho a favor da Nação brasileira. Eu tenho a impressão de que, pelo relatório preliminar, teremos um trabalho consistentes, que vai oferecer elementos de convicção para definir o início, a forma como foi conduzido esse processo criminoso e de corrupção que se sistematizou no governo e na sua relação com o Congresso. E poderemos ter a possibilidade do indiciamento de diversas pessoas.

P- É factível que toda essa engenharia financeira de Delúbio Soares possa ter sido feita sem o conhecimento do presidente da República?
R- Eu acho que é muito grande, muito relevante, muito forte para ter acontecido sem a participação das pessoas que comandam o partido e o governo. Não acredito que Delúbio tivesse tanta autonomia para fazer esse estrago que fez na legenda, na tradição e na própria história do PT.

P- O presidente Lula afirma que não sabia de nada, que foi traído. O sr. não acha que houve, pelo menos, omissão?
R- Sem dúvida, no mínimo omissão. Mas eu acho que o presidente da República paga por sempre ter dito que no PT não havia políticas e práticas políticas isoladas, mas coletivas. E ele, sem dúvida nenhuma, é o maior nome do partido, tanto que é o presidente da República, é o único do partido com possibilidade de disputar uma eleição à Presidência. Não há dentro do Partido dos Trabalhadores outro político da envergadura dele. É presidente de honra do partido, presidiu o partido, fundou o partido. E evidentemente que lhe cabe uma dose de responsabilidade muito grande nesse aspecto.

P- Sobre a candidatura do presidente Lula. Com todas essas denúncias, ele ainda é um candidato de peso?
R- Eu acho que a própria fragilidade dos políticos de hoje dá essa força política ao presidente. Nós não tivemos uma mudança no quadro político. Os nomes são os mesmos, com poucas alterações, como o governador de São Paulo, que está terminando o seu governo. Todo governador de São Paulo que não pode se candidatar à reeleição evidentemente é um possível candidato à presidente da República. Mas eu atribuo à fragilidade da renovação do quadro político o prestígio do presidente Lula. Não se vê uma força nova, um nome novo que possa trazer de volta aquela aspiração de mudança, de reforma que o brasileiro demonstrou nas eleições de Lula, dando um basta na elite política para eleger um metalúrgico capaz de renovar o País, seja administrativa, seja eticamente, e deu no que deu... Portanto, o Presidente Lula ainda continua sendo,apesar do seu desgaste, uma força absolutamente respeitável na disputa eleitoral.

P-A Ordem tem se manifestado contra a verticalização. O clima político indica que a verticalização já caiu e valerá para esta eleição. Como o senhor vê isso esse quadro?
R- A OAB vê essa cultura da inconstitucionalidade no País. Existe o artigo 16 da Constituição que é muito claro: a Lei eleitoral não pode ser mexida até um ano antes das eleições. Nós já estamos dentro deste período. É uma emenda que vem para acabar com um princípio absolutamente relevante na disputa eleitoral, que já foi, para sua implementação, desobedecido o aspecto temporal, porque era a vontade de momento que existisse a verticalização. Agora há uma vontade política no momento que deixe de existir a verticalização, e a Ordem foi contra, tanto na naquela época, porque era inoportuna, como agora. Então, está decidido que, se o Congresso aprovar a emenda, que pode ser aprovada, mas sem eficácia imediata, a emenda é inconstitucional, não pode persistir. E, se houver esse efeito imediato, a Ordem vai promover ação direta de inconstitucionalidade

P- Como o senhor vê essas manifestações e declarações do ministro Jobim?
R- O ministro Jobim é um membro da magistratura com absoluta coragem naquilo que faz. Não tem receio de agradar ou desagradar. É um ente político por natureza. Ele iniciou a vida política dentro da OAB, foi um dos maiores mandatários da Ordem no Rio Grande do Sul e de lá, por força até de sua expressão dentro da advocacia, se tornou deputado. E exerceu o cargo de deputado com muito brilhantismo. Foi um deputado influente e, por essa sua colocação, relatou projetos da mais alta envergadura. Em função disso chegou ao STF. Porém, essa postura do ministro Jobim, talvez pelo uso do cachimbo, lhe deixou a boca torta. Então, toda atitude que ele toma, se vê como se de natureza política fosse.

P-Caso o ministro Jobim largue a toga, filie-se a um partido e, hipoteticamente, seja candidato a vice-presidente ou a presidente, não ficaria quase impossível negar um interesse pessoal nas suas decisões mais recentes?
R- Eu acho que todo brasileiro, quase todos os brasileiros podem ter essa convicção, menos eu.

P- O senhor não vê como intromissão o STF negar seguidos pedidos de quebra de sigilos das CPIs em curso?
R- Não. Primeiro é um tanto quanto imprudente comentar uma decisão de qualquer tipo de magistrado, seja de primeira instância, seja do ministro da Suprema Corte, sem conhecermos o processo. Então, não se sabe o por quê, quais as razões de ele ter indeferido o pedido.

P- E o caso do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto?
R- Veja bem: evidente que o ministro não se intrometeu no assunto. O assunto veio até o Judiciário trazido por quem deveria colocar. Então, não houve intromissão. O caso de Paulo Okamoto é analisado em função das declarações de que ele andou pagando despesas do presidente da República e não explica a origem e o por quê fez isso. Então, a princípio, o raciocínio imediato, mais simplista, é de que deveríamos ir à quebra de sigilo. Mas é difícil você fazer essa análise com segurança sem conhecer o processo. Eu tenho uma informação que o pedido era inepto. O ministro não negou a liminar em função de mérito do pedido, mas porque o pedido não foi devidamente formulado.

P- Esse recurso, que virou, o habeas corpus preventivo. Quem é leigo ou quem não é do ramo entende que seria uma confissão, uma pré-confissão. Como é o senhor vê isso e como acha que a população vê esse recurso?
R- Eu tenho a impressão de que o habeas corpus preventivo mais prejudicou que beneficiou as pessoas que buscaram a proteção no Judiciário. Tiveram, em função dessa proteção, um depoimento pífio, mentiroso, absolutamente irreal.Se esconderam através do remédio legal, que não foi feito para isso, mas se esconderam atrás disso para exatamente fugir da investigação e não demonstrar a sua postura deficiente dentro do episódio. Eu acredito que esse tipo de atitude incrimina e levará o Ministério Público a processar todos esses que tiveram essa atitude de escárnio à população brasileira.

P- De uns 15 dias para cá, o presidente Lula passou a ir a todas as inaugurações. Disse que vai continuar indo. E faz palanque, leva claque... Qual a linha que separa esse tipo de conduta do uso da máquina na eleição?
R- Eu acho que isso é uma falha, uma hipocrisia da legislação eleitoral que já devia ter instrumentos para coibir esse tipo de atitude. Evidentemente que o presidente Lula, de um tempo para, cá tomou posições eminentemente políticas, não de um administrador, mas já visando a política eleitoral e aproveita a brecha da lei onde pode. E desrespeita até certos princípios da legislação eleitoral. Tanto que está sendo processado porque, em tese, já comete delito político em função dessa sua atitude.

P- O senhor é capaz de listar três aspectos positivos do governo Lula e três negativos?
R- No positivo, nós podemos citar a reforma do Judiciário. Nunca o Judiciário foi tão discutido pela população brasileira. Estávamos num processo de reforma há 13 anos no Congresso e, realmente, ele só teve andamento porque o governo resolveu apostar nesse ponto. O segundo ponto foi o ensino jurídico. Nunca a Ordem avançou tanto numa tentativa de moralizar o ensino jurídico através das posições do governo. O terceiro ponto... tenho dificuldade de encontrar... Afinal, todas as conquistas econômicas foram uma continuação da política anterior.Mais contundente, porém, foi a grande decepção que os advogados brasileiros tiveram com a falta de ética e de moral com que se portou o governo. Qual o legado desse governo?

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