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II Conferência Nacional da Mulher Advogada: leia o discurso de Eduarda Mourão

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016 às 16h10

Brasília - A II Conferência Nacional da Mulher Advogada, realizada em Belo Horizonte no começo de dezembro, marcou história na OAB. Mais de 2.500 participantes se reuniram na capital mineira para debater e dialogar sobre os desafios e as conquistas da advocacia feminina. A presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Eduarda Mourão, proferiu discurso na abertura do evento em que saudou a luta das mulheres.

Leia abaixo o discurso completo de Eduarda Mourão, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada:

Senhoras e Senhores,

"Liberdade antes que tardia”.  É o que está cravado na bandeira deste Estado encantador de Minas Gerais, que hoje sedia esta grandiosa e memorável II Conferência da Mulher Advogada, e que está sendo abraçada e abençoada por todas nós, mulheres advogadas, com a justa parceria de todos vocês, advogados.

Sim, colegas advogadas, “queimamos nossas caravelas”*, na I Conferência realizada na bela Maceió e aportarmos em Belo Horizonte. Ao realizamos aquela primeira Conferência, em oitenta e seis anos de OAB, decretamos que na história da mulher advogada não haverá e não caberá retrocessos. (*citação de Fernanda Marinela)

Criamos um Plano para nossas ações e firmamos um ideal de ocuparmos os nossos espaços. E não vamos retroceder!

Nesta II Conferência, faremos um pacto de engajamento, do diálogo, da sororidade. E concordamos com o Presidente Cláudio Lamachia que defende "a política do encontro e não do confronto". E a partir de hoje, convidamos a todas e todos, a refletirem e praticarem o lema: "Exercer liberdade em busca da igualdade”

Assim, desembarcamos, não à toa, neste chão firme, onde a semente da liberdade foi plantada por um dos movimentos libertários mais marcantes, de enorme amplitude social e política, que foi a "Conjuração Mineira”, nas qual os protagonistas do movimento, como Tiradentes, (Joaquim José da Silva Xavier), foram considerados os inconfidentes, os traidores do regime, execrados e banidos da sociedade pela Coroa, na crença de que estava sepultada de vez aquela “tal liberdade”. 

Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, propagados na Europa, a partir da revolução francesa, pelo iluminísmo de John Locke, Voltaire, Montesquieu, e tantos outros, certamente fizeram e fazem falta no arcabouço da estrutura moral e ética da sociedade brasileira. 

Contudo, nestas terras mineiras, não foram somente homens que lutaram por liberdade. Mesmo com toda a clássica e crônica invisibilidade das mulheres na história, na construção do direito, na criação da legislação, na jurisprudência e tantas outras lacunas acerca da participação da mulher nas ações políticas, econômicas, sociais, culturais do Brasil, a história da mulher mineira mostra que, diferentemente de algumas outras partes do Brasil, ela soube buscar e exercer a sua liberdade de diversas formas, tendo um papel principal e nada secundário ao lado do homem. 

A força de vontade e de trabalho da mulher mineira, proporcionou-lhe uma de suas maiores características: o empreendedorismo, que se multiplicou desde os anos do ouro, até os dias atuais. Diga-se de passagem, que a mulher negra mineira, representou muito bem esse perfil empreendedor e livre.

E esta relação fez e faz total sentido, pois empreender requer exercer a liberdade. É preciso arriscar-se e não ter medo. Ter criatividade, determinação e coragem. 

Esses atributos também devem estar presentes na advocacia. Quem não os tem e pratica, está fadado a desistir, a fracassar. E é a liberdade a grande fonte desses valores.

Fico a imaginar, com as lentes da utopia, que se o movimento iluminista mineiro tivesse prosperado como planejado, muitas das desigualdades sociais, preconceito e discriminação de todas as formas, teriam sido banidos em menor tempo. Seriamos uma nação exemplo às demais. Seriamos o país da igualdade, onde a violência e discriminação de todas as formas e a intolerância tão acintosa nos últimos tempos, não teriam espaços entre nós. 

Certamente, nós mulheres, teríamos saído da invisibilidade, da dependência e submissão há séculos, e estaríamos exercendo nossa cidadania e nosso real papel na sociedade há mais tempo - como acontece nos países influenciados pelo iluminismo, que figuram na lista dos mais evoluídos e mais pacífico com as mulheres.

Mas o cenário do Brasil é outro. Infelizmente! Ainda nos deparamos com índices devastadores contra a mulher, nos quais são registrados: 15 mortes de mulheres por dia; 3 a cada 5 mulheres já sofreram ou sofrerão violência; a cada 11 segundos uma mulher é estuprada, dessas a mulher negra é a maior vítima; Onde a mulher idosa também não está livre de sofrer violência física, psicológica e patrimonial; Onde o tráfico de mulheres, meninas e crianças cada dia cresce mais; Onde a estrutura e a rede de proteção à mulher vítima de violência ainda é precária a ponto de não haver uma diminuição desses índices, inclusive nos processos em curso no Judiciário. Onde a mulher, por questão de gênero, ainda ganha um salário 32% a menos do que os homens; e sua tripla jornada de trabalho é comprovadamente 4 vezes maior do que os homens; Quando ainda constatamos o baixíssimo coeficiente de mulheres eleitas em todo país, contrapondo-se ao triste e elevado número de mulheres candidatas "laranjas", que sequer votaram em sí mesmas, sendo absurda essa desconstrução de gênero. 

Todos os esses temas serão debatidos nesta conferência. 

Não é fácil convivermos com essas realidades tão contraditórias, que ferem o principio da dignidade humana, da liberdade sexual, violam os direitos humanos das mulheres e das meninas, tratados pela Convenção de Viena de 1993, como parte inalienável* dos direitos universais”, (citação de Flávia Piovesan*). 

Quando falamos de tais direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, tratamos notadamente da igualdade, que redireciona ao direito à diferença.

A Comissão Nacional tem buscado trazer o discurso para a prática. Não podemos apenas falar em inclusão se não a praticamos de verdade.

Com o apoio e participação de todas as 27 comissões seccionais, aqui presentes, e com o engajamento e união destas com a CNMA, estamos conseguindo implementar o Plano de Valorização da Mulher Advogada, defendendo as prerrogativas da advogada, contra o aviltamento dos honorários, contra todas as formas de assédios, inclusive os praticados em local de trabalho. A conscientização de políticas para mulheres nas sociedades de advogados é tema a ser trabalhado. A advogada deve ser valorizada como sócia, associada e contratada. Seu direito à maternidade deve ser garantido e não desprezado. Elas (advogadas) devem ser incentivadas a constituírem suas próprias sociedades. Queremos advogadas ministrando cursos, palestrando e compondo mesas dos eventos da Ordem. Queremos cursos voltados ao enriquecimento profissional, para que possam qualificar-se cada vez mais. As colegas criminalistas devem ser tratadas com mais respeito e dignidade em delegacias, presídios e demais órgãos do judiciário. O incentivo à práticas esportivas, a qualidade de vida e bem estar da advogada deve ser fomentado. E quem disse que mulher advogada não pode jogar futebol e participar de campeonato?

Colegas advogadas, a OAB precisa da nossa participação efetiva. As nomeações e participações nos cargos da Ordem devem ser estendidas a todos os órgãos do Sistema. Podemos e temos capacidade para desempenhar funções de mando e não só de subserviência e pouco relevantes.

O empoderamento das mulheres é um benefício para a instituição. 

Queremos e já conseguimos ir além, ao incentivarmos que todas as 27 seccionais aprovem seus Planos de Valorização, até dezembro deste ano. As Comissões especiais foram convertidas em permanentes. E muitos espaços humanizados para amamentação e fraldário nos fóruns das cidades foram criados.

E para a nossa alegria, conseguimos, com o empenho e compromisso do nosso Presidente Claudio Lamachia, toda a diretoria, e de tantas advogadas e advogados que contribuíram com a criação e soma de ideias, iniciativas diversas que, após uma pluralidade de projetos, compilados pelo Deputado Daniel Vilela (GO), foi aprovado na CCJ da Câmara dos Deputados e, resultaram no PLC n. 62/2016, que por último foi aprovado, sob a relatoria da Sen. Simone Tebet (MS), e sancionado pelo Presidente da República, no dia 25, e hoje, data de abertura desta Conferência, temos a grata e feliz satisfação de ver a Lei 13.363/2016 publicada. Os benefícios conquistados são significativos, pois aplicam-se tanto aos filhos biológicos como adotivos da advogada e do advogado; suspensão de prazos processuais por 30 dias quando do nascimento de filhos da advogada ou de adoção, sem prejuízos às partes; E para os homens advogados no caso de paternidade, a suspensão de prazos por 8 dias. Uma vitória espetacular para todas as advogadas mães que sabem do sofrimento e desafio de amamentar e fazer audiência ao mesmo tempo, que lutam para cumprir prazos em meio às dificuldades de lidar com tais situações. Uma vitória, portanto para toda advocacia.

Fazer o recorte e cuidar dos direitos das mulheres é imperativo para a OAB e para o nosso país. A advocacia feminina cresce em todo o país. o número de jovens advogadas hoje supera os 60% em termos de faixa etária, até 25 anos. 

Portanto, quanto mais cedo praticarmos a igualdade, mas justo e evoluídos seremos.

Seguir esse preceito é garantir a inviolabilidade dos direitos humanos, pois um não existe sem o outro. Afinal, é na igualdade de direitos e oportunidades entre mulheres e homens que alcançamos a verdadeira liberdade e a democracia na sociedade brasileira.

A liberdade vincula-se à justiça e a igualdade.

Assegurar e praticar a liberdade material das pessoas em nossa sociedade e assegurar a igualdade de gêneros é indispensável para a democracia e o desenvolvimento de um país.

"Exercer liberdade em busca da igualdade”

Assim, uma mudança de comportamento social é necessária se quisermos mudar os índices negativos para qualquer nação. E é através da educação que se torna possível, pois a informação, o conhecimento e a qualificação liberta. É também com o empoderamento da mulher, que tornamos o país mais equilibrado.

Quando nos permitimos pensar livremente, exercemos também o nosso direito de sermos nós mesmas. Este exercício reforça nossa autoestima. Alimenta o amor próprio. Gera coragem. Pavimenta  decisões, organiza ações.

Virginia Woolf escreveu que: “Não há barreira, fechadura ou ferrolho que possas impor à liberdade da minha mente.”

A liberdade pensada por Sartre, de que estávamos "condenados a ser livres”, mudou os conceitos anteriormente apontados por filósofos a exemplo de Schopenhauer que dizia que: "o homem não possui liberdade de ação porque não é livre para deliberar sobre sua vontade. O homem não escolhe o que deseja, o que quer. Logo, não é livre”.

Observe-se que a figura masculina nesse pensar sobre liberdade, reflete uma presunção velada de que à mulher não era dado o direito a liberdade, mesmo que em pensamento. A mulher não foi incentivada à prática desse atributo, de ser livre e de pensar.

E Simone de Beauvoir, revelando que a mulher é um ser construído, através de sua experiência, maturidade, escolhas, trouxe uma nova e revolucionária forma de pensar o comportamento da mulher, quando decretou: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”

É preciso, pois conscientização para aprender a exercer liberdade. Não é fazer o que se quer na hora que se quer, é ser justa. Respeitar os limites do outro. Devemos ser tolerantes e humildes nos acertos e nos erros, como ensina o filósofo e professor Jorge Claudio Ribeiro, sobre o autoconhecimento: ”Você precisa do outro para ser você mesmo. O mundo de fora proporciona aprendizados e lições, que o fazem tomar consciência dos seus limites e da sua capacidade de falhar”.

Corroborando com o mesmo pensamento, destaco trecho de artigo de Antonio Oneildo Ferreira, Diretor Tesoureiro do CFOAB, que afirma: “O Outro fortalece minha própria identidade, pois eu me defino a partir do contato com a diferença, formo minha identidade a partir de “como me veem”, e nem tanto de “como me vejo”.

Senhoras e Senhores Diretores, Conselheiras e conselheiros Colegas advogadas e advogados, esta Conferência consagra o "Ano da Mulher Advogada” e nos enche de motivação para seguirmos em frente, realizando, conquistando, protegendo e fazendo o bem que for necessário para conseguirmos "Exercer liberdade em busca da igualdade”.

Encerro, assim,  citando versos de um poema de minha autoria: "Me encontro no solto agir, no livre pensar e sentir. Sou sopro de minha alma inquieta que busca na vida uma razão, de ser eu mesma, quem sou só ou na multidão”.  

E de Cecília Meireles: “Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser.”

Muito Obrigada!

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