Presidente da OAB-AL prega luta do advogado contra corrupção
Florianópolis (SC), 26/09/2005 - Ao discursar hoje (26) em nome dos presidentes das 27 Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, durante a abertura dos trabalhos da XIX Conferência Nacional da categoria, o presidente da Seccional da OAB de Alagoas, Marcos Bernardes de Mello, atacou duramente os políticos brasileiros envolvidos nas denúncias de corrupção da chamada crise do Mensalão e Mensalinho e pediu que os advogados mostrem toda indignação contra esse estado de coisas. Mello fez violentas críticas aos poderes Legislativo e Executivo, que são alvos das denúncias de corrupção e das investigações das CPIs do Congresso, mas não poupou o Judiciário. “O Judiciário, apesar de ser o mais vetusto, não se impõe por não cumprir sua missão de fazer justiça e justiça tardia, já o dizia Ruy, é injustiça”, observou.
Para Mello, “é de fazer corar frade de pedra a desfaçatez dessa canalha ao sustentar que o dinheiro recebido da corrupção não seria imoral nem ilícito, porque teria sido destinado a pagar despesas de campanha". Ele acrescentou: "É revoltante a falta de vergonha nas prestações de contas à Justiça Eleitoral de ínfimas quantias que, como pelo milagre da multiplicação, financiaram campanhas milionárias; é desalentador vermos patrimônios enormes nascerem do nada, sem que seus titulares sejam incomodados ou molestados pelo Fisco, enquanto um mísero assalariado qualquer é levado às agruras do inferno se deixar de declarar um único real”.
Marcos Mello pediu aos advogados que lutem sem temores, pela punição de cada culpado no caso do Mensalão e que se mantenham indignados, “porque advogado sem indignação é advogado morto”.
A seguir, a íntegra do pronunciamento do presidente da Seccional da OAB de Alagoas:
"Constitui para mim uma inexcedível distinção, que penhorado agradeço, esta honrosa incumbência a mim delegada pela bondade de nosso eminente Bastonário Roberto Antonio Busato para, na condição de Presidente da pequenina, porém valorosa, Seccional das Alagoas, nesta sessão solene de abertura da XIX Conferência Nacional dos Advogados, usar da palavra em nome do Colégio de Presidentes das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ciente do gravame que é representar aqueles que detêm, ungidos pela urnas, o bastão de líderes da Advocacia, precisei, antes, vencer o primeiro impulso de recusa-lo, para depois, instigado pela consciência do dever que nos cabe a todos nós, Advogadas e Advogados deste País, de não nos omitirmos ante os problemas sociais que nos afrontam, e convencido de que a ninguém é dado o direito de furtar-se a cumprir tão dignificante missão, tanto em razão da magnitude deste evento, quanto em face da gravidade da crise ética e de governabilidade em que se afoga a Pátria, decidi aceitar o desafio.
A Advocacia brasileira, minhas senhoras, meus senhores, meus colegas, vive, aqui e a partir de hoje, momento que constitui a culminância do cumprimento de suas responsabilidades com os Advogados e Advogadas que integram seus quadros. Toda a atuação da OAB, no cotidiano de seu desempenho, é significativa para a Advocacia. Mas, nenhuma tem valor maior do que esta que se consubstancia em suas Conferências Nacionais, precisamente porque se constituem no cadinho onde se fundem os espíritos de milhares de Advogadas e Advogados do presente, a outros tantos Advogados e Advogadas do futuro, para devotarem suas inteligências à análise, valoração e discussão maior e mais aprofundada dos problemas do direito e da política, das questões que afligem a nacionalidade, estimulados pelo desejo superior de compartilhamento de experiências existenciais, de conhecimentos novos, em decorrência do que se abrem novos horizontes intelectuais e se alargam outros até então estreitos, se semeia a cultura, se consolidam as idéias, se aprimora a erudição, sempre em constante e ansiosa busca por soluções que ajudem a aprimorar as instituições sociais da Nação.
Essas Conferências constituem-se, também, como em mágica simbiose, a grande festa da Advocacia, momentos de celebrar as conquistas não apenas da categoria, mas, especialmente, as do Povo Brasileiro. ¿No entanto, nesta quadra da vida nacional, será que temos agora alguma razão para festejar? Basta que, cingidos a questionar sobre a expressiva temática desta XIX Conferência Nacional dos Advogados, proposta com rara felicidade, inteligência, pertinência e notável sensibilidade política e social por sua douta Comissão Organizadora, nos façamos três perguntas: ¿que tem sido feito de nossa República? ¿como tem sido exercido o Poder do Estado? ou ¿que é feito de nossa Cidadania? As respostas são simples, como mostraremos a vol d’oiseaux, como exige a natureza desta solenidade e pode suportar a paciência de todos vós.
Que tem sido feito de nossa República? Tem sido administrada muito mal, desde sua fundação.
A República Brasileira, já por ter sido organizada, teoricamente, à imagem e semelhança dos Estados Unidos da América, até no nome (chamou-se, inicialmente, Estados Unidos do Brasil), nasceu e cresceu torta, plena de vícios, de defeitos e de equívocos. Amaro Cavalcanti, brilhante jurista, em belo livro publicado em 1900, intitulado a Federação Brasileira, nos informa que, afora Ruy Barbosa, que, com a ofuscante força de sua cultura e inteligência fora o verdadeiro mentor de sua estruturação como estado federado, somente alguns poucos iniciados tinham uma noção real, do que fosse uma república federativa. Ninguém, dentre os políticos e juristas da época, possuía idéia clara e precisa do que seria uma República Federativa. Daí se pode concluir que o Estado Federal Brasileiro, com governo presidencialista, foi construído artificialmente, sem base em nossa realidade cultural, menoscabando nossas tradições políticas e, pior que tudo, desconsiderando a índole do político brasileiro, cuja formação pessoal estava e está inspirada no coronelismo e no caudilhismo, afeito, portanto, ao abuso de autoridade, ao nepotismo, à prepotência e à corrupção.
Esse quadro fez com que o Estado Republicano Brasileiro, desde seu nascedouro, vivesse afogado em crises sucessivas, em tão grande número e tão próximas que até parecem uma só e permanente crise. No afã de supera-las, tivemos 7 Constituições, sendo que 3, as de 1937, 1967 e 1969, de duvidosa legitimidade por sua origem ditatorial. Apesar desse esforço, novas crises se instalam, porque, em sua essência, os nossos problemas, mesmo quando de cunho político, têm sempre um substrato ético. Em todos os tempos, nada foi muito diferente desse tecido de obscenidades que presenciamos hoje, salvo quanto às proporções, que agora são catastróficas.
Amaro Cavalcanti, já em 1900, verberava contra a corrupção nos governos federal e estadual. Em seu livro antes referido, transcreve notícias de jornais da ocasião que parecem ser manchetes dos grandes jornais de hoje, denunciando as bandalheiras que permeavam e permeiam o poder estatal.
Atualmente, a Nação presencia uma verdadeira hecatombe moral, patrocinada por autoridades e líderes políticos ligados ao governo, que está a destruir o pouco, muito pouco, que ainda resta de credibilidade da política nacional. É de estarrecer o cinismo desses bandidos travestidos em políticos quando renunciam ao mandato para furtar-se à cassação de direitos políticos e pretendendo tornar a pleitear, descaradamente, novo mandato; é de fazer corar frade de pedra a desfaçatez dessa canalha ao sustentar que o dinheiro recebido da corrupção não seria imoral, nem ilícito, porque teria sido destinado a pagar despesas de campanha; é revoltante a falta de vergonha das prestações de contas à Justiça Eleitoral de ínfimas quantias que, como pelo milagre da multiplicação, financiaram campanhas milionárias; é desalentador vermos patrimônios enormes nascerem do nada, sem que seus titulares sejam incomodados ou molestados pelo Fisco, enquanto um mísero assalariado qualquer é levado às agruras do inferno se deixar de declarar um único real.
Tudo isto nos mostra uma trágica verdade: a política nacional tem sido conduzida sempre sem o empenho em mudar o quadro, porque este lhe tem sido muito conveniente. Eleitor ignorante e pobre, presa fácil da corrupção; Povo sem educação, às vezes até letrado, mas sem senso crítico, constituem massa de manobra de que os políticos se utilizam para eternizar-se no poder. Tem-se, por isso, evidentemente, uma política de faz de conta; dizemos que mudamos, apenas mudando as leis, fazendo vista grossa para o fato de que a realidade não se modifica apenas por determinações normativas, mas, sim e exclusivamente, por mudança nas práticas políticas. E essas práticas, ao invés de se dirigirem às mudanças, têm sido de manutenção do status quo.
E como tem sido exercido o Poder do Estado?
Tão mal como o que se tem feito com a República, mesmo porque um depende do outro.
Se analisarmos as constituições brasileiras, em especial a vigente, podemos asseverar que, dos três Poderes da República, o mais poderoso, em razão de suas competências, é o Legislativo, seguido do Executivo e, por fim, o Judiciário.
Por que o Legislativo? Porque tem o poder de legislar, o de fiscalizar o Executivo, afastar, mediante impeachment, o Presidente da República, suspender os atos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites das delegações legislativas inclusive, rejeitar os vetos do Presidente da República, entre outros.
No entanto, a tradição nacional nos mostra que o Executivo, porque dispõe da força e da disposição do Erário Público, sempre foi considerado por todos como o mais poderoso. Os parlamentares, ao invés de fazerem impor o Legislativo pelo emprego adequado de suas competências, preferem, em sua maioria, tornar-se dóceis vassalos do Executivo, vivendo dos seus favores, consubstanciados em atos de nepotismo e de benefícios políticos, quando não de corrupção mesmo. Quando endurecem no exercício de seus poderes, em geral, têm como objetivo obter favorecimento, como liberações das verbas das tais emendas orçamentárias, conhecidos instrumentos de negociatas, recebendo o deputado responsável sua comissão, conforme circula à boca miúda nos meios políticos e empresariais.
Agora mesmo, está o Legislativo Federal, como estão Legislativos Estaduais, postos em cheque por atos de corrupção. São os mensalões e os mensalinhos que corriam frouxos. Atos de extorsão e quejandos. Quando da eleição para a Presidência da Câmara, no início da sessão legislativa, para angariar votos, o Ministério da Fazenda liberou alguns bilhões de reais das tais emendas orçamentárias para os deputados que votariam no candidato do Governo. Naquela ocasião ainda não haviam estourado as denúncias de compra de votos e de partidos. No entanto, agora, mesmo vivenciando o drama da corrupção, nesta ocasião em que a Câmara dos Deputados irá eleger o sucessor do Severino Mensalinho, com a maior desfaçatez o Executivo anuncia a liberação de 500 milhões de reais de emendas parlamentares.
O Judiciário, por sua vez, apesar de ser o mais vetusto, não se impõe por não cumprir sua missão de fazer justiça. Justiça tardia, já o dizia Ruy, é injustiça. Precisa o Judiciário, modernizar-se, aparelhar-se, para poder prestar uma jurisdicional efetiva, pronta e adequada aos interesses da cidadania. É preciso, além, disto, fugir do nepotismo e da corrupção que são denunciados. Com a criação do Conselho Nacional da Magistratura há uma esperança de que esses problemas serão superados. Não vou aqui referir-me à prepotência, nem à arrogância, enfim àquela doença chamada juizite que afeta alguns magistrados que sabem que são deuses, ou pensam que são. Mas exortar a todos, advogados, juizes e membros do MP, para que adotem atitude de transformação e busquem, com espírito desarmado, em clima de do compreensão, de unidade, de respeito mútuo e de cooperação, uma convivência que lhes permita realizar o desideratum de uma justiça rápida e eficiente. Sei que não há somente juízes problemáticos. Sei que o retardamento do prestação jurisdicional não se deve somente a eles, mas também a nós advogados, quando protelamos os feitos com providências processuais que sabemos impertinentes, embora admissíveis. Sei que há maus advogados e advogadas em número significativo, que não honram a sua profissão, por incompetência, por arrogância e outros defeitos. Mas a esses, juízes e advogados, deve ser dirigido nosso esforço de transformação, no sentido de que passem a comportar-se como instrumentos de obtenção da paz social, que é a finalidade última da atividade processual. Não deve convir a qualquer dos autores do drama judiciário o isolamento, a disputa pela disputa, o confronto pelo confronto, mas todo esforço para superar os conflitos inter-humanos.
E, por fim, que é feito de nossa Cidadania?
O Estado Brasileiro continua tratando a Cidadania como algo sem importância. Embora nos textos constitucionais e infraconstitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana, esteja declarado como um dos fundamentos do Estado, a sua realidade é de total desrespeito. As nossas crianças e adolescentes, continuam nas ruas, desprotegidas, vítimas da falta de lar, de educação, de alimentação, expostos à violência, à humilhações, à sanha miserável dos traficantes de drogas. Os nosso idosos, por sua vez, continuam ao desamparo, à falta de políticas públicas que formem uma consciência social de respeito ao idoso e lhe conceda, aos desamparados, meios de uma vida digna.
O Estado brasileiro continua a cultivar a desigualdade, a manter uma massa incalculável de excluídos. Semana passada, os jornais publicaram estudo feito pelo Banco Mundial que concluiu estar o Brasil entre os 5 piores níveis de desigualdade do mundo, ganhando apenas de 4 países africanos, que, possivelmente muitos poucos de nós ouviu falar: Suazilândia, República Centro-africana, Botswana e Namíbia. E o pior: constatou o Bird que o Brasil “reúne quase todos os ingredientes possíveis para continuar perpetuando essa situação”.
Nossa política econômica é excludente. Os juros altos mantêm a inflação sob controle, mas apenas artificialmente. Em verdade, a inflação está latente, só reprimida, porque falta produção, faltam empregos, falta desenvolvimento. Os únicos beneficiários dessa política são os banqueiros, que auferem lucros altíssimos.
A política educacional é um logro. O ensino fundamental, além de deficiente em oferta, não educa. Mal ensina. O ensino médio, no mesmo diapasão, não forma o homem para a cidadania, nem para a vida, porque não lhe fornece instrumentos de compreensão e crítica capazes de permitir-lhe avaliar sua condição de cidadania, poder optar e decidir sobre sua conduta social e política. O aviltamento do ensino público em todos os graus, o sucateamento das escolas e das universidades, conspiram contra a cidadania e a Pátria.
No plano do ensino superior, a situação é ainda mais preocupante. Os Cursos superiores, ministrados em larga escala por instituições particulares, cujo objetivo principal, em sua grande maioria, consiste em obter lucro, dão formação muito deficientes a seus alunos. Nós da área jurídica sentimos de perto esse problema da desqualificação dos cursos de direito. A nossa ingente luta pela excelência na qualidade não sensibiliza as autoridades que permitem a instalação sem critérios, senão o do QI (quem indicou), portanto o critério da indicação política ou de pessoas influentes, de novos cursos. O Exame de Ordem tem mostrado a precariedade da formação dos bacharéis em direito. E nosso Exame de Ordem, que é tão combatido pelos políticos, por estar sendo aplicado criteriosamente e com rigor, vem se constituindo em instrumento, não somente de seleção para ingresso nos quadros da Advocacia, como de controle de qualidade dos cursos de direito, na medida em que, se seus alunos não conseguem ser aprovados no exame de ordem, comprovada está a sua ineficiência, o que certamente, afastará os alunos.
Minhas senhoras e meus senhores. Caros colegas. É hora de concluir. Em primeiro lugar, devo agradecer aos companheiros da OAB de Santa Catarina o desvelo e o carinho com que nos estão a receber neste encantador cenário de magnífica beleza, que faz o pano de fundo desta Conferência, que é esta cidade de Florianópolis. Florianópolis foi nome dado em homenagem ao Marechal Floriano Peixoto, ilustre alagoano que muito nos honra. Esse fato histórico, se não nos une, nos torna amigos.
Depois, é preciso dizer que os problemas nacionais são muitos, bem maiores do que aqueles a que acabo de referir-me. E é certo que nos, os advogados e advogadas deste País não dispomos de meios para resolve-los. Cabe-nos, porém, uma grande responsabilidade, uma missão possível: estarmos unidos e vigilantes à salvaguarda do Estado Democrático de Direito e da Cidadania. É preciso lutar sem temores contra a corrupção desenfreada de que estamos sendo testemunhas, exigindo a punição exemplar de cada culpado. É imperioso nos mantermos indignados, porque advogado sem indignação é advogado morto, com a conduta inadmissível de certos responsáveis pela Nação, em todos os setores, clamando pelo castigo a quem o mereça. É essencial, porém, que nos lembremos de que, queiramos ou não, a democracia brasileira ainda vive em plena adolescência, repleta das contradições e inquietudes, inerentes mesmo à sua juventude, portanto, devemos ter a consciência plena de que sua estabilidade institucional pode ser apenas aparente. Daí a importância de uma posição intransigente, altaneira e soberana da Ordem, reduto histórico de defesa da democracia e da cidadania, para não permitir que o entusiasmo punitivo de alguns não nos conduza a caminhos tortuosos e sombrios de uma exceção política. Muito obrigado, pela paciência de todos vós".