Comparato: crise caminha para reforma apenas do telhado
Brasília, 01/08/2005 - O presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da Ordem dos Advogados do Brasil, professor Fábio Konder Comparato, avaliou hoje (1°) que a crise política do País caminha apenas para uma meia-solução, com o sistema político vigente resistindo, por consenso interno, a mudanças mais radicais. “O sistema político vai evitar a todo custo uma mudança nas regras do jogo”, analisa Comparato. Para ele, as denúncias de corrupção em investigação no Congresso Nacional vão acabar “senão numa grande, pelo menos numa pequena pizza”, afirmou.
“Fora disso, o que se vai fazer é apenas reformar o telhado da casa, quando o que precisamos é reconstruir o edifício político”, observou o jurista e professor titular da Universidade de São Paulo (USP). Para trazer o povo para o centro das decisões, Comparato aponta como passo fundamental a necessidade de aprovação do projeto apresentado ao Congresso pela OAB, regulamentando ao artigo 14 da Constituição Federal, tornando decisiva a participação do povo no que diz respeito a plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa.
Na avaliação de Comparato, “a partir do momento em o escândalo começou a atingir setores da oposição todos resolveram baixar as armas e agora só se pensa nas próximas eleições”. Sua conclusão é de que a classe política brasileira “não quer abrir mão de um sistema político corrompido e falso”. Para romper com esse sistema, na sua avaliação, só se conquistando a democracia direta, o que implica em dar ao povo o papel de protagonista da cena política.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida hoje por Fábio Konder Comparato a este site:
P - Qual a opinião do senhor sobre o que está acontecendo e o que pode ainda acontecer em relação à crise no País?
R - O mais provável é que todas essas investigações cheguem a algum resultado. Mas isso evidentemente não dará satisfação ao povo. O que o sistema político vai evitar a todo custo é uma mudança das regras do jogo - e essas regras são todas falseadas porque o principal interessado, que é o povo, não tem voz nem vez. Ou seja, ele não tem como tomar decisões de controle direto dos governantes, ele não tem como decidir diretamente as grandes questões nacionais. É por isso que temos insistido muito que é agora ou nunca a fase da democracia direta.
P - E para isso o que tem que ser feito?
R - A primeira coisa seria fazer aprovar no Congresso Nacional o projeto apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil que regulamenta ao artigo 14 da Constituição Federal no que diz respeito a plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa. Essa seria a primeira providência. Fora disso, o que se vai fazer é apenas reformar o telhado da casa, quando o que precisamos é reconstruir o edifício político. Para isso, é preciso começar pela base, começar pelo povo, que sempre foi marginalizado, afastado das grandes decisões nacionais. Aos poucos, agora, há uma consciência nítida de que isto é impossível de ser mantido e contraria o princípio fundamental da democracia.
P - Pela sua experiência, sua vivência, o senhor teme que todas essas denúncias de corrupção terminem em pizza?
R - Senão numa grande, pelo menos numa pequena pizza. É evidente que a partir do momento em o escândalo começou a atingir setores da oposição todos resolveram baixar as armas e agora só se pensa nas próximas eleições. Todas aquelas anteriores de grave punição, chegando até mesmo à Presidência da República, foram esquecidas. A classe política vive desse sistema corrompido, desse sistema falso, e ela não quer de modo algum abrir mão dessa falsidade. Para romper isso, só mesmo a democracia direta.
P - E na sua opinião, qual deve ser o papel da OAB nesse momento vivido pelo País?
R - Nesse momento, o grande ofendido, o grande cliente e o grande cliente da OAB é o povo. A OAB tem que cumprir, antes de mais nada, o que está no artigo 44, inciso I, do seu Estatuto. Sem uma defesa intransigente do Estado de Direito democrático, de democracia autêntica, não há democracia. O que há é simplesmente uma intermediação para obtenção de favores e isto é exatamente o contrário da nossa missão. Nós não existimos para intermediar favores, mas para defender direitos.
P - Depois do grande escândalo de corrupção no governo Collor, e agora um grande escândalo no governo Lula, perguntamos: o Brasil tem jeito.
R - Tem. Desde que se ponha no centro do palco o principal ator, que é o povo. Até agora ele está na platéia e quando muito é admitido como figurante no palco, mas nunca como protagonista. Nós, da chamada falsa elite, temos sempre um profundo desprezo pelo povo e quando começa a haver protestos, nós sentimos medo do povo. Ou seja, nós queremos o absurdo de pretender fazer funcionar um sistema democrático sem povo.
P - Mas o povo não vota?
R - Vota, mas sem poder decidir coisa alguma. A votação em eleições é apenas para perpetuar esse sistema em que os eleitos se consideram como assumindo um mandato em causa própria. Nunca se viu um eleito prestar contas ao povo. Ele sempre se considera dono do cargo. Isso não existe de modo algum. Nas relações privadas, isso pode até ser considerado um crime, mas no sistema público essa é a regra do jogo: nós procuramos sempre mudar para que tudo permaneça como está. É a velha técnica do Gatopardo, de Lampedusa.