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Artigo: Reflexões médico-políticas

terça-feira, 14 de junho de 2005 às 06h15

Brasília, 14/06/2005 – O artigo “Reflexões médico-políticas”, de autoria do advogado Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB, foi publicado na edição de hoje (14) do jornal Folha de S. Paulo.

“No tratado "Dos Ares, das Águas e dos Lugares", o pai da medicina, Hipócrates, denominou "krisis" o momento preciso em que é possível discernir a doença e desvendar a sorte daquele que está doente; o instante em que se declaram nitidamente os sintomas da moléstia, permitindo o diagnóstico e o prognóstico.

Doente não é este ou aquele homem público. É todo o corpo político, que está à beira da falência múltipla dos órgãos

Não é preciso ser um exímio cientista político para perceber que as cólicas que acometem agora o governo federal representam o sintoma de uma profunda morbidez de todo o nosso sistema político. A crise de que tanto se fala não está ligada a pessoas, mas é, antes, uma enfermidade institucional.

Ao afirmar isso, não estou pretendendo, valha-me Deus!, que os culpados pelos crimes cometidos não devam ser exemplarmente punidos. Observo apenas que os atuais governantes não são piores nem melhores que os anteriores, nem se distinguirão, sob esse aspecto, dos seus sucessores. Doente não é este ou aquele homem público. É todo o corpo político, que se encontra à beira de uma "falência múltipla dos órgãos".

Perante um povo sempre à margem da vida política, o Executivo é acusado de subornar dezenas de parlamentares, sob o olhar perdido do Ministério Público e a satisfação mal dissimulada de boa parte do Poder Judiciário, ainda ressentido pela pseudo-reforma que foi constrangido a sofrer.

Tudo isso configura uma enfermidade bem conhecida dos pensadores políticos: a ilegitimidade global do sistema. Já ninguém mais o defende convictamente nem admite a sua mínima adequação às funções que deveria exercer.

A Constituição ainda em vigor -embora remendada 52 vezes desde a sua promulgação, em 1988- abre-se com a declaração de que "a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de Direito". Mas todos sabemos que "nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum", e que a democracia entre nós continua a ser aquele "lamentável mal-entendido" de que falou Sérgio Buarque de Holanda.

Se o diagnóstico não está errado, impõe-se aplicar ao paciente dois tratamentos radicais, a fim de tirá-lo do estado pré-comatoso em que se encontra.

Antes de mais nada, é preciso dar ao povo um mínimo de poder decisório sobre matérias que lhe são vitais ou que dizem respeito a assuntos diretamente ligados à soberania nacional, como a satisfação dos direitos sociais, econômicos e culturais; a preservação dos bens públicos contra a privataria capitalista; ou a salvaguarda do patrimônio nacional contra as investidas predatórias de estrangeiros.

É disso que cuida, fundamentalmente, o projeto de lei nº 4.718, de 2004, regulando plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa, apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil à Câmara dos Deputados, e que se encontra atualmente na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa.

Ora, esse projeto de lei acaba de receber parecer contrário do relator, deputado Roberto Freire, e corre o risco de ser sepultado pela nossa oligarquia parlamentar. Apela-se, portanto, a todas as pessoas e entidades empenhadas na defesa do país, para que manifestem o seu apoio a esse projeto de lei, dirigindo-se diretamente ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Antonio Carlos Biscaia: dep.biscaia@camara.gov.br

Em segundo lugar, é indispensável alterar a estrutura institucional do Estado brasileiro, para que ele possa exercer a sua principal função: dirigir o desenvolvimento nacional.

Para tanto, impõe-se a criação de órgãos de planejamento nacional, regional e metropolitano, com fundamento nos artigos 25, parágrafos 3º e 43 da Constituição Federal.

Tais órgãos, que seriam independentes do Executivo, deveriam contar com uma efetiva participação dos setores diretamente envolvidos na tarefa de desenvolvimento econômico e social. A eles incumbiria, com a colaboração dos serviços atualmente localizados no Ministério do Planejamento, no Ipea e nos diferentes órgãos de planejamento estadual e municipal, a elaboração dos planos de desenvolvimento e dos respectivos orçamentos-programas, que seriam aprovados pelo Poder Legislativo, sem possibilidade de veto pelo Executivo.

A sabedoria tradicional sempre afirmou que há males que vêm para o bem. Oxalá possamos aproveitar este momento de crise para salvar o doente"!

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