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Artigo: O notável jurista de nosso tempo

terça-feira, 26 de abril de 2005 às 07h52

Fortaleza, 26/04/2005 - O artigo "O notável jurista de nosso tempo" é de autoria do presidente da Seccional do Ceará da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Hélio Leitão, e foi publicado na edição de hoje (26) do jornal O Povo:

"Tarefa das mais difíceis e desafiadoras é escrever, de forma breve, sobre a vida e os feitos do professor Paulo Bonavides, jurista, escritor e, sobretudo, advogado que se notabiliza por suas estatura e vigor intelectuais e cívicos.

Procurarei portanto, neste breve ensaio, ressaltar especialmente as seguintes notas de nosso Mestre. Poucos sabem, e por isso é digno de nota, que o jovem Paulo Bonavides começou a trabalhar aos treze anos, como jornalista no O Povo. Àquela época, o ingresso no jornal se dava por concurso, cujos exames foram supervisionados pelo próprio Paulo Sarasate. Sua entrada precoce num dos mais importantes meios de comunicação de nosso Estado, influenciou no modo de escrever, o que acabou por caracterizar posteriormente seus textos, sobretudo pela objetividade e qualidade acadêmicas.

Ainda em sua juventude, em 1944, com apenas 19 anos, partiu para um programa de intercâmbio de estudos na prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Assim, como Nieman Fellow, lá passou dois anos. Apenas este exemplo desmente a noção, por muitos defendida, que Paulo Bonavides é, no aspecto doutrinário, germanófilo. Ao contrário, sua formação foi completa e plural, o que se demonstrou claramente em suas obras, sempre abertas a novas contribuições, procurando fugir dos preconceitos.

Do ponto de vista de seu civismo para o com o país, Paulo Bonavides é um exemplo. Cada um de seus atos, aulas ou escritos sempre mantiveram a sintonia entre seus pontos de vista e sua prática de vida. Com tais atitudes, logrou uma legitimidade crescente, não só junto a seus pares acadêmicos, mas de todos os que conheceram um pouco de sua trajetória política, na defesa da democracia, especialmente numa época em que o Brasil enfrentou período autoritário.

Democrata de primeira hora, Paulo Bonavides produziu, em 2001, a sua "Teoria Constitucional da Democracia Participativa", área hoje de sua predileção, além de seus estudos sobre a Federação. Democrata, ainda, porque sempre acreditou e defendeu, desde as décadas de 40 e 50, os postulados da democracia e principalmente da necessidade de sua previsão constitucional e da observância de seus preceitos. Isto tudo a denotar seu pioneirismo. Afinal de contas, a partir dos anos 20, a empolgação intelectual na Europa era com as novas formas autoritárias e totalitárias que emergiram em quase todas as nações daquele continente, a arregimentarem defensores - pensadores e políticos - em quase todos os cantos do mundo. Com a Guerra Fria e o embate de dois pólos hegemônicos, com duas ideologias que se identificaram inimigas, Paulo foi voz ativa, visto que a democracia, com seus valores intrínsecos, era considerada por muitos mero artigo de luxo. Assim, os princípios defendidos por Paulo Bonavides, em essência, são as idéias, hoje hegemônicas, do Constitucionalismo e os postulados do Estado Democrático de Direito.

Como é sabido, em síntese, o Estado Democrático caracterizou-se por criar uma série de previsões nas constituições, que contém em comum o seguinte: alternância necessária do poder, com participação necessária do povo que elege seus representantes (própria essência do princípio democrático); liberdade de manifestação do pensamento; acesso à informação real; meios de comunicação nas mãos da iniciativa privada; liberdade de reunião, associação e crença; pluralismo político; e possibilidade de qualquer cidadão ingressar, sair ou criar um partido político.

Além disso tudo, o Estado Democrático de Direito também tem as seguintes características: criação dos direitos fundamentais de terceira (e mais recentemente, de quarta dimensões; consagração do princípio da supremacia constitucional, conseqüentemente reformulação radical da teoria da norma jurídica; e consagração e difusão de mecanismos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade.

Paulo Bonavides defende hoje que a democracia deve alcançar novo grau de desenvolvimento, que ele denomina Democracia Participativa: o grau de democracia alcançado é absolutamente necessário para o desenvolvimento das instituições, mas não suficiente. Em outras palavras, a mera alternância de representantes eleitos não está mais satisfazendo o povo, que enxerga os políticos eleitos com enorme desconfiança. Neste sentido, a proposta inovadora é a recuperação da democracia representativa com a permanente e decisiva atuação do povo como titular da soberania. Constata-se, nesta inflexão do jurista, sua atualidade e o respeito aos direitos e liberdades conquistados pelas populações ao longo dos ferozes embates que a história registra.

No seu entender, os meios de democracia direta - quando o povo diretamente decide, sem intermediários - devem ser radicalizados e difundidos. E tais mecanismos encontram-se expressamente previstos na Constituição, tanto em seu art. 1º ("Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição"), quanto nas denominadas subespécies de democracia direta, previstas em seu art. 14, a saber: plebiscito, referendo e iniciativa popular.

E tal proposta da democracia participativa é plenamente consentânea com nossa Constituição da República, na medida em que redimensiona a força do sistema representativo, dando poder de decisão diretamente ao povo, sem necessidade de intermediários.

Tais meios, acredita Paulo Bonavides, uma vez efetivamente implementados, trarão ao verdadeiro titular do Poder - o povo - a possibilidade real de realização de decisões. E isso, com um grau muito maior de probabilidade, fará retornar uma democracia renovada e revigorada.

Sem dúvida, são idéias para novos contornos a serem estudados na Ciência Política. E tais pensamentos, a Ordem dos Advogados do Brasil, com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, está a defender com entusiasmo. Tanto é que foi lançada, no final do ano de 2004, a Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia. Tal campanha tem por meta a propositura de um projeto de lei que regulamenta, desta feita de forma efetiva, o plebiscito, referendo e a iniciativa popular em nosso País, vez que a lei - Lei nº 9.709/98 - na verdade emperrou tais institutos, por prever formas praticamente impossíveis de efetivação de tais notáveis meios democráticos.

Como professor e teórico, Paulo Bonavides escreveu, apenas para citar algumas de suas obras mais conhecidas, Ciência Política e Curso de Direito Constitucional. Cito estes dois livros separadamente porque se tratam de duas obras das mais adotadas no País nos cursos de graduação em Direito. Além disso, publicou: Teoria do Estado; Política e Constituição: os caminhos da Democracia; Constituinte e Constituição; Reflexões, Política e Direito; A Constituição Aberta; Do Estado Liberal ao Estado Social; Do País Constitucional ao País Neocolonial; Teoria Constitucional da Democracia Participativa; e Os Poderes Desarmados.

Seus artigos em jornais, periódicos e em várias publicações especializadas são inumeráveis. Em todas as diversas áreas da Política e do Direito Constitucional contribuiu não apenas com deu didatismo, mas sobretudo, com novas visões.

Digna de nota quando, em 1991, lança, juntamente com Paes de Andrade, uma das obras jurídicas mais significativas na Europa sobre nosso País: História Constitucional do Brasil, notável e exaustivo estudo, de mais de 900 páginas, sobre o desenvolvimento político-institucional do Brasil, através de nossas sucessivas e históricas Constituições - desde a Monarquia até a atual Carta de 1988.

O conturbado ano de 1992, período de crise em que a Câmara dos Deputados autorizou, e o Senado Federal julgou, pela primeira vez em nossa história, um Presidente da República por crime de responsabilidade, fez com que o intelectual atuasse, com seus conhecimentos, em prol da agenda política nacional. A pedido do então Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcello Lavenére Machado, Paulo Bonavides emitiu um parecer, anexado ao processo de impeachment, intitulado "O Processo por Crime de Responsabilidade do Presidente da República". Tal contribuição demonstra que, somado ao seu vigor intelectual, encontra-se um combativo guerreiro, que soube aliar teoria à prática, auxiliando a OAB neste embate memorável na vida política e jurídica de nosso País, em que se envolveram, dentre outras figuras históricas do século XX, Barbosa Lima Sobrinho, como o cidadão subscritor da petição, e, como advogado Evandro Lins e Silva.

Em 1996, como reconhecimento por seus serviços prestados ao Direito e à Nação, é agraciado com a mais importante comenda da OAB Nacional, a Medalha Rui Barbosa. A ressaltar que referida comenda somente é oferecida após parecer favorável e unânime do Conselho Federal da OAB, por quem tenha prestado serviços notáveis à causa do Direito e da advocacia em âmbito nacional. Para se ter uma idéia da magnitude da condecoração, desde sua criação, em 1970, até os dias de hoje, somente onze brasileiros foram agraciados, dentre os seguintes notáveis, apenas para citar alguns: Sobral Pinto (1971), Seabra Fagundes (1977), Evandro Lins e Silva (1991), Barbosa Lima Sobrinho (1995) e o próprio Paulo Bonavides, décimo agraciado.

Atualmente, uma de suas grandes missões é organizar a Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Sem medo de injustiças, trata-se do periódico mais plural e com o maior número dos mais talentosos juristas, não só do País e da América Latina, mas também de outras nações. A Revista acabou por adquirir, graças a imensa credibilidade de Paulo Bonavides, uma amplitude que superou suas próprias fronteiras. Isto porque a Revista Latina Constitucional já conta com articulistas de Portugal (Jorge Miranda, Canotilho e Vital Moreira); Espanha (Javier Pérez Royo, Pablo Lucas Verdú); (França, Louis Favoreu, já falecido, e Julien-LaferriŠre); Itália (Raffaele de Giorgio); Alemanha (Friedrich Müller, Klaus Stern, Robert Alexy, Wolf Paul, Claus-Wihelm Canaris e Peter Haberle) e Polônia (Krystian Complak).

Finalizo com a certeza de que, em tão curto espaço, não tenho como homenagear nosso professor Paulo Bonavides na extensão devida. Por outro lado, registro que as palavras aqui escritas representam o agradecimento da Ordem dos Advogados do Brasil ao jurista, intelectual e homem cívico que tem sido necessário à maturação intelectual de gerações distintas de estudantes, professores, advogadas e advogados que têm em sua obra momento de referência".

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