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Busato: O nepotismo precisa acabar nos três Poderes

domingo, 3 de abril de 2005 às 08h20

Salvador (Bahia), 03/04/2005 - Os parlamentares brasileiros estão sempre falando em combater o nepotismo, mas na prática pouco fazem para enfrentá-lo, reclama o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, um crítico contumaz da nomeação de parentes pelos detentores de cargos públicos. “Nem sempre aqueles familiares e parentes escolhidos são os melhores para o cargo. Aliás, geralmente não são”, constata. Busato recebeu esta semana o repórter Umberto de Campos, da Sucursal de A Tarde em Brasília, para uma entrevista em que falou de nepotismo e confirmou a disposição da OAB de assumir uma campanha nacional contra esse mal que assola os três poderes da República. Busato aproveitou também para falar de uma certa frustração dos brasileiros com o atual governo, ao qual fez duras críticas pela edição excessiva de medidas provisórias.

P- Qual é a sua opinião sobre a prática do nepotismo no poder público?

R- O nepotismo é um mal que perdura há muito tempo em todo o Brasil, como tantos outros que afligem o brasileiro. É uma negativa do princípio da moralidade, da transparência e da qualidade, de tudo o que o poder público deve realmente preservar. Não é possível mais que persista, no Brasil, uma prática tão nefasta, retrógrada e contrária à modernidade. A OAB pretende aprofundar a discussão desse tema, da mesma forma que temos aprofundado os debates sobre a adoção desenfreada de medidas provisórias, da inconstitucionalidade do salário mínimo brasileiro e tantas outras mazelas que prejudicam o País e a cidadania.

P- Como deveriam agir deputados e autoridades do Executivo na hora de fazer contratações para seus gabinetes?

R- O poder público tem que ser absolutamente transparente. No momento em que um político ou uma autoridade transforma a carreira pública numa carreira de família, acaba prejudicando todo o serviço público. Isso porque nem sempre aqueles parentes e familiares que são escolhidos são os melhores para o cargo. Aliás, geralmente não são. O emprego público deve estar sempre atrelado ao concurso, ao notório saber no exercício da respectiva função e ao princípio da efetividade, ou seja, a pessoa tem de ser efetiva naquilo que está fazendo. O que temos visto, no entanto, é um emprego destinado aos familiares e que não atende aos interesses coletivos da nação.

P- Mas o discurso dos parlamentares tem sido sempre o de combate a essa prática do nepotismo...

R- No discurso, sim. Os congressistas estão sempre falando em luta contra o nepotismo, mas, na prática, isso não ocorre. Veja o exemplo, não muito salutar, dado esta semana pelo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (que afirmou publicamente que, se tivesse mais filhos, daria emprego a todos no serviço público). O Congresso Nacional ainda está a dever à Nação neste ponto e deve tomar posições mais concretas a respeito. Nós temos esperança que o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tenha um projeto de lei bom com relação à proibição do nepotismo, mas queremos que o projeto seja aplicado com muito realismo e grande transparência. Desejamos que este projeto seja concretizado e não fique apenas no discurso dos congressistas brasileiros.

P- Que balanço a OAB faz, hoje, da reforma do Judiciário?

Acreditamos que, com a promulgação da reforma do Judiciário, alguns aspectos da administração da Justiça serão melhorados, especialmente no tocante à transparência, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, do qual a OAB faz parte. Mas ainda se faz necessária uma reforma processual para enxugar o número interminável de recursos, extinguindo especialmente os meramente protelatórios. A adoção da súmula vinculante foi um retrocesso. Entendo que ela engessa o Judiciário, uma vez que não permite que os juízes de primeiro grau decidam livremente sobre as matérias jurídicas, pois as decisões de juízes e tribunais inferiores ficam vinculadas às do Supremo Tribunal Federal e demais tribunais superiores. Já com relação à criação do Conselho Nacional de Justiça, somos rigorosamente favoráveis. Este controle deve estar atento à administração e aos atos de gestão do Judiciário, mas nunca deve interferir em sua atividade-fim, ou seja, na decisão do juiz. Entendemos que o magistrado deve trabalhar com independência. Se o juiz não tiver plena independência para julgar, estaremos decretando o fim da Justiça.

P- Como o senhor qualifica os dois primeiros anos do governo Lula?

R- O Brasil, no momento que elegeu um operário para presidente da República, realmente deu um recado às elites brasileiras, de que elas não estavam mais respondendo aos anseios da população. E o recado foi muito claro: queremos mudanças e mudanças profundas neste País e vamos eleger um metalúrgico, um operário, para presidir o País com uma outra visão. Vamos colocar na Presidência da República um partido que tem sua bandeira fundada na ética, nos bons princípios e que é contra as práticas de corrupção eleitoral. Tenho comparecido a eventos em várias partes do País, não só da advocacia, e constato em cada um deles a desilusão, a frustração do povo brasileiro com relação ao que o governo vem apresentando. O próximo passo é a indignação substituir a frustração.

P- E qual a sua opinião sobre a utilização, considerada exagerada, de medidas provisórias pelo governo?

R- O instituto da medida provisória vem sendo deturpado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a sua utilização excessiva e imprudente vem fazendo muito mal ao País. O governo está prostituindo o instituto da medida provisória e, com isso, nem mesmo projetos de lei enviados pelo próprio Executivo ao Congresso Nacional têm conseguido tramitar de forma eficiente. A apresentação dessas MPs em série acaba trancando a pauta do Congresso e atrasando o exame de matérias importantíssimas para o País, como aconteceu com a reforma do Judiciário. Além disso, as MPs editadas por este governo não obedecem ao princípio da urgência e da relevância, como prevê o Artigo 62 da Constituição Federal. Infelizmente, nenhum governo, nem este, nem os anteriores, tiveram o cuidado de obedecer a este preceito constitucional. O presidente Lula não seguiu com fidelidade o compromisso que assumiu na sede da OAB de evitar o uso das medidas provisórias. Seu governo já editou, em termos proporcionais, mais medidas provisórias que o de Fernando Henrique Cardoso. E, a exemplo do governo anterior, não vem respeitando os pressupostos de urgência e relevância.

P- O senhor acredita que exista uma forma de resolver este problema, para evitar a edição de tantas MPs?

R- Há sim, se houver vontade do governo em evitá-las. Se persistirmos nesse mau uso das MPs, acontecerá o caos legislativo neste País. O governo segue editando medida provisória atrás de medida provisória, mesmo depois de o próprio presidente da República ter admitido publicamente que está editando muitas. E agora veio mais uma, propondo o aumento no Imposto de Renda sobre empresas prestadoras de serviço e profissionais autônomos (MP 232), tirando de nós a ilusão de que o governo realmente procura trazer uma harmonia social.

P- Entende-se que o senhor também considera alta a carga tributária?

R- A OAB tem condenado veementemente o caráter perdulário revelado nas despesas com administração, nos dois primeiros anos do governo Lula. Entendemos que é preciso pôr fim a essa “farra do boi” (tradição do Estado de Santa Catarina, que ocorre nesta época do ano em que bois são perseguidos e molestados até a morte por um grupo de farristas) com os recursos do contribuinte. Que autoridade moral têm as autoridades do Estado para pedir sacrifícios à população e impor taxas de juros escorchantes para o setor produtivo se, na sua conduta gerencial, fazem exatamente o contrário do que pregam? A voracidade fiscal do Estado inibe a produtividade e induz à delinqüência, pois estimula e legitima a sonegação. Com isso, o País está diante de uma situação gravíssima, que pode derivar para a ingovernabilidade: o desarranjo fiscal em que, de certa forma, já vivemos.

P- Durante a cerimônia de posse do presidente do Superior Tribunal Federal, o senhor fez um discurso que teve grande repercussão. Por que isto aconteceu?

R- O que eu disse é que o salário mínimo foi criado no sentido de prover algumas necessidades do trabalhador e de sua família que estão previstas no Artigo 7º, Inciso IV, da Constituição: despesas com saúde, alimentação, transporte, vestuário, higiene, educação e Previdência Social. Como sabemos, isso está longe de ocorrer. Por isso eu afirmei que o salário mínimo brasileiro é inconstitucional há muito, desde a sua origem. Esse salário não atende nem sequer ao trabalhador, quanto mais à sua família. Não provê sequer um daqueles quesitos isoladamente, quanto mais a todos. Sabemos que se trata de uma distorção histórica e é preciso que o poder público ao menos sinalize que está determinado a corrigir essa distorção. E não basta dizê-lo: é preciso demonstrar como pretende fazê-lo. Mas o que vemos, ano a ano, é o reajuste de uma ilegalidade, o reajuste da miséria, sob o mesmo e indefectível argumento: a camisa de força do modelo econômico-financeiro seguido pelo Brasil. Essas colocações que fiz geraram críticas as mais diversas, mas são todas verdadeiras.

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