Busato: juiz que vende sentença é um delinqüente
Brasília, 07/03/2005 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato condenou hoje a postura de magistrados que se isolam da sociedade e vivem enclausurados em suas “ilhas de poder” e criticou a lentidão da Justiça brasileira e a indústria de liminares que tanto prejuízo tem causado à sociedade brasileira e ao país. Busato também criticou duramente os juízes que são acusados de venda de sentenças judiciais: “são uns delinqüentes e o lugar eles é a cadeia”.
“A morosidade da Justiça é fruto de artimanhas que existem e vão sendo criadas até por regimentos internos dos tribunais”, disse o presidente nacional da OAB . Ele explicou que a lentidão do Judiciário é conseqüência não apenas da legislação processual, mas da regulamentação que os próprios magistrados dão aos Tribunais. Para Roberto Busato, a lentidão da Justiça só interessa ao poder público e aos devedores.
Segue , na íntegra, a entrevista do presidente da OAB ao jornal Extra, de Alagoas:
P- No fórum de Maceió tramita um processo de inventário que já dura 28 anos e muitos dos herdeiros já morreram. Quando tudo parece estar está perto do fim, uma das partes envolvidas entra com novo recurso e começa tudo de novo. No fórum de São Miguel dos Campos, corre uma ação popular de crime ambiental, que completa agora 30 anos. A indústria acusada sempre consegue protelar a decisão final. Por que a Justiça brasileira deixa de ser uma esperança para se transformar num grande tormento? O que fazer para reduzir a morosidade ensejada pelos incontáveis recursos protelatórios?
R - Esses casos mostram que existem vários exemplos Brasil afora. Eu, por exemplo, sou advogado em uma ação de reparação de danos morais que está há 22 anos rodando no Paraná. Existem vários casos. A minha família tem um processo de desapropriação que vem do tempo da guerra, desde 1943, desapropriação de uma fazenda em Santa Catarina. A desapropriação do terreno onde foi construído o aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro) até hoje não foi resolvida. A administração brasileira criou uma mania de recursos e a Justiça também por uma série de motivos acabou por gerar alguns exemplos desse tipo que justificam não só a reforma do Judiciário, mas a reforma infraconcional. Um processo que demore um tempo desse não é um processo. É realmente uma penalização a todos aqueles que estão envolvidos nesse caso. Penaliza o erário e própria classe dos advogados que às vezes é impingida como causadora do mal. É o emaranhado que existe hoje dentro do Judiciário que estamos tentando deixá-lo mais leve, mais eficiente e sério para que esses exemplos não persistam dentro do processo brasileiro. Esse é um fenômeno que não ocorre somente no Brasil. Toda América Latina está passando por esse mal. Temos exemplo da advocacia peruana, onde uma execução contra o Estado dificilmente chega a uma condenação. Nós temos o próprio precatório. No Peru nenhum processo desse chega ao fim porque há uma decadência que depois de certo tempo (se não engano sete anos) nenhuma ação é julgada contra a União ou Províncias, o sistema administrativo, o poder público; simplesmente o processo vai para o arquivo. É uma situação que penaliza o povo da América Latina.
P- Por que a Justiça brasileira só favorece os ricos; as oligarquias políticas e elites financeiras? Quando o negro, o pobre e as prostitutas terão vez?
R- Sem dúvida nenhuma os mais privilegiados detêm um poder de fogo maior dentro do Judiciário. O Banco Mundial fez um estudo e chegou a conclusão com exemplos práticos de financiamento ao Poder Judiciário dando acesso aos mais humildes, aos menos dotados na sociedade e verificou que a melhor forma de reduzir a miséria e a exclusão social é aplicando no Judiciário. É dando acesso ao povo dentro do Poder Judiciário. Aí ele passa a ter seus direitos reconhecidos e acaba diminuindo a exclusão social e seu estado de miséria.
P - Por que o instituto do habeas-corpus, que em tese tem rito sumário e nem exige advogado para impetrá-lo, leva meses e até anos para ser julgado?
R- Por falta puramente de estrutura do Poder Judiciário. A própria pergunta já responde. Ainda especifica que o advogado é quem atrasa ou atrapalha o andamento da Justiça. Um procedimento que nem precisa de advogado demora tanto tempo que até perde seu objetivo. Isto é falta de um aparelhamento melhor do Judiciário. Isto significa falta de aparelhamento físico e virtual, humano e material.
P- Tanta morosidade teria algo a ver com a qualificação profissional dos magistrados?
R- A Ordem dos Advogados do Brasil tem denunciado constantemente e o Conselho Nacional de Justiça vai ter um papel relevante nesse ponto, que poderá cassar atos administrativos dos tribunais que hoje se tornaram ilhas; ficam um tanto quanto isolados interpretando, às vezes, fatos contrários à dignidade e à ética que deve ter o Poder Judiciário. O Judiciário hoje falece de meios financeiros, materiais e in-telectuais e os concursos públicos não conseguem preencher os cargos existentes, que ficam muito aquém das necessidades social. Muitos daqueles que passam em concurso público vêm mal formados e às vezes estão num processo de superação. E isso atrapalha esse aparelhamento do Poder Judiciário.
P - A Companhia Energética de Alagoas vive uma grave crise financeira porque vários consumidores industriais não pagam a energia que consomem. O calote é garantido por liminares que ainda proíbem a companhia energética de cortar o fornecimento de luz. Algumas dessas liminares têm mais de 15 anos sem que o mérito da ação seja julgado.Sendo a liminar uma medida provisória, como justificar sua vigência por anos a fio, sem julgamento do mérito? O que estaria por trás de aberrações jurídicas como esta? Isto ocorre em outros Estados, ou será que estas coisas absurdas só existem em Alagoas?
R- Esse é outro ponto que o Conselho Nacional de Justiça poderá talvez ter alguma influência. O Brasil, principalmente na suprema corte, vive de liminares. É dada uma liminar e esquece do assunto. O Brasil sempre foi o país das emergências e isso é um fato que não ilustra o Poder Judiciário brasileiro. O exemplo maior que temos observado é que o estatuto da OAB, promulgado em 1996, até hoje está no Supremo Tribunal Federal e picotado por fora de liminares. Quando se pergunta a quem interessa a morosidade do Judiciário, tenho respondido: ao devedor financeiro, de responsabilidade social, ético, obrigação social e principalmente ao poder público. Então, todo este sistema de máquina amarrada, processos amarrados, cheios de alternativas para a demora foi construído visando o interesse do devedor.
P - Na Corregedoria de Justiça do TJ alagoano tramitam vários processos contra juízes acusados de vendas de sentença e outros atos de corrupção que denigrem a magistratura e enlameiam o já desgastado Poder Judiciário. A que o senhor atribui a atitude de um magistrado que usa o poder do cargo e até jagunços para invadir terras, cobrar por sentenças viciadas, conceder liminares graciosas, enfim, enriquecer ilicitamente?
R - Esse magistrado não é magistrado. Ele beira ao delinqüente. Não há advocacia, magistratura sem ética. Não há juiz que possa ser juiz sendo um meio cidadão. A profissão está calcada em princípios éticos e só pode ser magistrado quem tem este perfil ético.