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Até o advogado que elabora lista da CPT sofre ameaças

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005 às 07h05

Brasília, 23/02/2005 - Seja por não gostar de aparecer, seja por ser mineiro e desconfiado, o advogado José Batista Gonçalves Afonso, 40 anos, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra de Marabá, não coloca o próprio nome na lista de marcados para morrer que ajuda a elaborar. "Tem gente mais ameaçada do que eu", diz. Não é o caso de medir o tamanho das ameaças - já basta que elas existam, centenas de vezes executadas -, mas é fora de dúvida que Batista está na lista.

Nos últimos anos, ele tem sido, além de advogado diligente, o principal articulador do trabalho da CPT em Marabá e região. Advoga, para centenas de posseiros, em cerca de 50 processos, quase todos contra interesses de grandes e médios fazendeiros arreliados com as invasões. Mantém briga permanente contra a lentidão e outras mazelas de órgãos polícias e Incra. Elabora denúncias que vão parar no Congresso e em organismos internacionais como OEA e ONU. Articula-se com entidades congêneres à sua. "É um trabalho da equipe", diz. Mas as equipes, da CPT e das outras siglas, sabem bem o quanto ele pesa na balança.

Os chefes da pistolagem também. Dia desses, num vôo Brasília-Marabá, uma advogada que quer ter nome preservado teve a boa sorte de ouvir, de fazendeiros de área invadida, que o problema era Batista. Acabando-se um, ao outro dava-se fim, conversavam. O relato da advogada, registrado em cartório, é do conhecimento dele, mas nem por isso dá-se aos ares. "Sei qual é meu papel aqui na região e procuro tomar os cuidados possíveis", diz, revoltado com a morte da irmã Dorothy Stang, companheira de batalhas, a cujo enterro compareceu.

A somar os marcados para morrer que a pistolagem já matou, Dorothy, para Batista, foi mais uma da série que conheceu. Ele já estava na região, em 1980, ilustre desconhecido, quando mataram Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, de Conceição do Araguaia, primeiro morto do gênero a provocar alarde nacional. Foi à missa da sétimo dia. No palanque, estava o advogado Paulo Fonteles de Lima, assassinado em 1987. Antes dele, em 85, morreu João Canuto, e mais tarde seus dois filhos, de quem era amigo. Datilografava poesias de Expedito Ribeiro de Souza, presidente do sindicato de Rio Maria. Foi dos primeiros a ver o cadáver, em fevereiro de 91. Os mais recentes - Fusquinha, Valentim, Euclides, Dezinho, Ribamar, Dedé, Carlito, Soares - eram companheiros da mesma luta.

Mineiro de Turmalina, no sempre necessitado Vale do Jequitinhonha, Batista é da pobreza que conheceu a fome. A família migrou, em 73, de pau-de-arara, para Paraíso do Norte, em Goiás. Foram arrendatários de terra alheia. Atrás de própria, mudaram para Conceição do Araguaia, em 77. Os irmãos mais velhos participaram de ocupações e acampamentos, até ganharem a sua como assentados. Batista participava.

Em 84, decidido a ser padre, fez o seminário em Conceição. Dois anos depois, foi cursar Teologia, em Belém, em escola que dava peso à opção social da Igreja. Desistiu da batina, mas engajou-se no trabalho pastoral. Primeiro em Rio Maria, com o padre Ricardo Rezende, presença assídua na lista dos marcados para morrer enquanto esteve na região. Mudou-se para a CPT de Marabá em agosto de 96. Em 2001, formou-se advogado pela Universidade Federal do Pará.

Batista não pára - nem aos domingos - e o trabalho sempre entra pela noite. São audiências, expediente na CPT, reunião em cima de reunião, viagens para municípios em que há conflitos. São muitos, a entidade só tem mais um advogado, recém-formado, e a equipe toda é de seis pessoas. Na azáfama, não se percebem maiores preocupações com ameaças. Batista as têm, é certo, toma lá cuidados e segue em frente. "Se o padrão de violência do sul e sudeste do Pará impressiona, a impunidade choca ainda mais", diz o advogado. "É contra isso que lutamos, mesmo correndo risco." ( Fonte: Agência Estado )

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