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Abertura desenfreada de cursos reduz êxito em exame da OAB

segunda-feira, 27 de dezembro de 2004 às 09h31

Brasília, 27/12/2004 - A falta de critérios rigorosos por parte do Ministério da Educação e Cultura (MEC) para autorizar a abertura de novos cursos de direito tem permitido a inclusão de milhares de bacharéis despreparados no mercado de trabalho. O resultado da falta de compromisso do governo federal é o índice cada vez mais baixo de aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Um levantamento inédito feito pela entidade, ao qual o Valor teve acesso com exclusividade, demonstra como a liberação desenfreada de novos cursos está diretamente ligada à má-avaliação dos recém-formados. Esta matéria foi publicada hoje (27) no Jornal Valor Econômico e é de autoria do jornalista Thiago Vitale.

O relatório estatístico elaborado pela Comissão de Exame de Ordem da OAB tem 133 páginas e detalha o número de inscritos, presentes, ausentes e habilitados nas provas realizadas desde 1998. Os dados são relativos a cada uma das escolas de direito que tiveram alunos participantes do teste. Todos os números são oficiais, repassados pelas seccionais da OAB de todo o país. Apenas os Estados do Acre e Maranhão não enviaram nenhum dado até o fechamento do estudo, no dia 6 de dezembro.

O aumento do número de cursos fez despencar a média de aprovados em alguns dos mais importantes Estados do país. Minas Gerais e São Paulo podem ser considerados expoentes dessa derrocada. Havia 21 escolas de direito mineiras em 1998 contra 41 em 2004. O índice de aprovados despencou de decentes 61,97% naquele ano para 27,16% hoje.

Em São Paulo a realidade é semelhante. Em 1998, havia 45 cursos, contra 55 em 2002. A seccional paulista não repassou o número de escolas de direito em 2003 e 2004, mas é certo que houve aumento de faculdades. O nível de aprovação é preocupante: de razoáveis 42,08% em 1998 para pífios 15,51% em 2004. O índice desse ano é o menor do país entre os 16 Estados que enviaram informações à Ordem. No Rio de Janeiro, o número de escolas pulou de 22 para 30 entre 1998 e 2004 e o índice de estudantes aprovados caiu de 49,55% para 35,70%.

Enquanto os três Estados observaram queda de aprovados, outras unidades da federação que mantiveram estável o número de escolas de direito conseguiram preservar a média de aprovados. Pernambuco tinha quatro faculdades em 1998 contra cinco em 2004. O percentual de alunos que conseguiram passar no exame só baixou dos 50% em 2003 (com 49,38%). Mas logo o Estado se recuperou e obteve o maior índice de aprovação dos últimos anos, com 70,49% em 2004.

Piauí e Sergipe não só mantiveram um bom índice de aprovados como têm conseguido aumentar o percentual nos últimos anos. Desde 2000, não são abertas novas escolas piauienses e só houve queda no índice de aprovados em 2002. Os sergipanos também apresentam sólida média de aprovados, com tendência de alta para o próximo ano. Notadamente, o pior desempenho é o do Mato Grosso. Desde 1999, as escolas do Estado não conseguem aprovar mais de 30% de alunos no exame da OAB.

"A abertura desenfreada de cursos tem causado essa anomalia entre aumento de escolas e diminuição dos aprovados e trouxe prejuízos importantes à comunidade jurídica brasileira", analisa o presidente da OAB, Roberto Busato. Uma semana depois de ser eleito à frente da entidade, em fevereiro, o advogado levou uma denúncia ao ministro da Educação, Tarso Genro, sobre a liberação sem critérios de novos cursos de direito no país.

Diante da reclamação de Busato, o ministro suspendeu por 180 dias a aprovação de novas escolas e criou um grupo de trabalho formado pela OAB, MEC e Ministério da Justiça para definir critérios mais rigorosos.

O ano de 1999 foi o da "virada" da realidade dos cursos jurídicos. De 1991 até 1999, o MEC permitia a abertura de 20 cursos novos por ano, em média. O índice de aprovação, naquele ano, era de 54,04%. A partir daí, houve um boom: de 303 escolas de direito ao fim de 1998, passou-se a 599 cursos com o término de 2002. Uma média de 74 novos cursos por ano ao fim do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a situação piorou. Só no primeiro ano do governo do PT, foram abertos 104 novos cursos. Com a reclamação do presidente da OAB e a determinação de Genro, 2004 não verá mais do que 20 cursos abertos. "Houve uma brutal diferença do primeiro ano do presidente Lula em relação aos anos anteriores. Só houve melhorar a partir de 2004, quando o MEC e a OAB passaram a debater o assunto", diz Busato.

José Geraldo de Souza Júnior, representante da OAB no grupo de trabalho criado pelo MEC para revisar os critérios para a abertura de novos cursos, acha que há uma diferença de mentalidade entre o governo atual e o passado. Para ele, a administração passada tinha visão de mercado. A concorrência faria com que as más escolas melhorassem ou teriam de fechar as portas. "É preciso se levar em conta novos valores e fazer a filtragem na abertura dos cursos, porque depois o controle é muito difícil", analisa.

MEC

A importância dos cursos de direito, somada aos péssimos índices de aprovação dos recém-formados no exame de Ordem, fizeram com que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se unissem para melhorar a situação das faculdades brasileiras. Foi criado um grupo de trabalho para analisar os critérios utilizados para a aprovação de abertura de novas faculdades. A comissão foi criada no dia 20 de outubro e tinha, inicialmente, 60 dias para encerrar os trabalhos, mas o ministro Tarso Genro prorrogou em mais 45 dias os debates do grupo.

A questão mais importante a ser discutida pelos sete integrantes do grupo - três do MEC, três da OAB e um do Ministério da Justiça - é a chamada "necessidade social" das novas escolas. Os interessados em abrir cursos jurídicos terão de passar pela análise do ministério sobre a necessidade da instituição para a comunidade a qual vai servir. "Esse princípio sempre foi observado pela Ordem e parece que o MEC vai adotá-lo a partir de agora", diz o presidente da OAB, Roberto Busato. "Será feito um cruzamento de dados objetivo, como, por exemplo, avaliar se uma cidade de 100 mil habitantes poderá ter mais de um ou dois cursos de direito com 100 vagas por ano e se esse número é suficiente para aquela região geopolítica", explica.

Nos últimos anos, havia divergências entre os critérios adotados pela OAB e pelo MEC para aprovar cursos. Embora não tenha poder de veto, a Ordem sempre emite parecer sobre os pedidos de abertura de escolas. Entre 2001 e 2003, enquanto o ministério autorizou a abertura de 222 cursos jurídicos, a OAB deu selo de qualidade para apenas 18. "Já estamos com critérios praticamente semelhantes, há muitos avanços desde que o grupo de trabalho foi criado", garante José Geraldo de Souza Júnior, um dos representantes da OAB no grupo.

Além de criar parâmetros de necessidade social dos cursos, outros temas estão em debate. São eles a organização didático-pedagógica, o corpo docente, as instalações da faculdade e os resultados de avaliações oficiais das escolas de direito. Embora a idéia do grupo de trabalho seja a de criar novos critérios de abertura de faculdades, é possível que as avaliações das escolas jurídicas se tornem mais rigorosas. Somente na semana passada o MEC fechou seis faculdades de direito que funcionavam de forma irregular no país.

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