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OAB cobra em seminário fim da “indústria dos diplomas”

quarta-feira, 3 de novembro de 2004 às 19h28

Brasília, 03/11/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirmou hoje (03) que é preciso pôr fim ao que chamou de “indústria dos diplomas” no Brasil e observou que os cursos jurídicos de baixa qualidade são, além de um desserviço à cidadania, um desserviço à Pátria. Ele lembrou que a verdadeira reforma do Judiciário começa pelo saneamento do ensino jurídico. “Trata-se de recompor os alicerces da profissão, corroídos pela ganância dos mercadores do ensino, comprometidos tão-somente com lucros fáceis, desconhecedores do sentido missionário da educação - e do Direito”.

A afirmação foi feita na cerimônia de abertura do VIII Seminário de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, que está sendo realizado até a próxima sexta-feira (05) em Belo Horizonte (MG). Com o tema “O Ato Pedagógico no Curso de Direito: Perspectivas Éticas”, o evento foi aberto por Busato, na presença do ministro da Educação, Tarso Genro.

Durante seu discurso, o presidente da OAB citou números das estatísticas da Comissão de Ensino Jurídico da entidade. No último triênio, a OAB foi favorável à criação de 19 cursos jurídicos, mas o MEC, no mesmo período, autorizou a abertura de 222 cursos. Ainda segundo essas estatísticas, em 1960, existiam no Brasil 69 faculdades de Direito. Nos anos 90, esse número cresceu para 400. Até o início deste ano, funcionavam regularmente no País 762 instituições de ensino jurídico superior. Segundo o IBGE, 70 mil bacharéis de Direito ingressam no mercado de trabalho a cada ano.

“Como a maioria dos novos cursos iniciou as atividades a partir da segunda metade dos anos 90, é fácil imaginar que a população de bacharéis vai dobrar, ou redobrar, nos próximos anos”, anunciou o presidente da OAB, que afirmou não ser contrário pura e simplesmente à abertura de novos cursos. “Isso tudo seria ótimo se estivesse dentro de um padrão de qualidade mínimo, que permitisse a efetiva universalização dos serviços judiciários, tão reclamados no país, sobretudo pela população mais carente. Não é o caso. Quantidade sem qualidade gera apenas tumulto e resulta em descrédito. É o que temos sustentado ao longo de muitos anos”.

Na cerimônia, Busato ainda elogiou a decisão do ministro Tarso Genro de assinar, no último dia 19, portaria criando um convênio com a OAB. De acordo com os termos deste convênio, a entidade participará não só dos estudos de novas diretrizes para os cursos de Direito, mas também com sugestões objetivas para regenerar o quadro dos cursos jurídicos de baixa qualidade no País. “Considero esta uma atitude de admirável lucidez e responsabilidade cívica”, finalizou Busato.

Segue a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB na abertura do seminário:

Quero, antes de mais nada, sublinhar a importância que atribuo a este evento, tão oportunamente promovido pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB. Considero este Congresso fundamental, sobretudo quando se fala em elevar a qualidade da Justiça e da prestação jurisdicional em nosso país.

De que adianta clamar por reforma do Judiciário, conceber novos padrões administrativos, atualizar e racionalizar a legislação processual, modernizar equipamentos, se o básico, o fundamental, o essencial, que é a formação dos profissionais que irão atuar na área do Direito, e manejar todos esses instrumentos, permanece precária, para não dizer indigente?

A verdadeira reforma do Judiciário começa pelo saneamento do ensino jurídico. Trata-se de recompor os alicerces da profissão, corroídos pela ganância dos mercadores do ensino, comprometidos tão-somente com lucros fáceis, desconhecedores do sentido missionário da educação e do Direito.

Essa tem sido uma preocupação sistemática, quase obsessiva da OAB ao longo destes anos. Não é casual que conste de nosso Estatuto, artigo 44, como uma de nossas finalidades institucionais precípuas ao lado da defesa da Constituição e da ordem jurídica do Estado democrático de Direito, a luta pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

E a principal dessas instituições, porque fundamento e matriz de todas as outras, é a academia, a escola, sem a qual não há advogados, magistrados, procuradores, promotores etc.

Essa é uma preocupação que mobilizou meus antecessores e espero já não seja necessário mobilizar com a mesma intensidade os meus sucessores. Temos a expectativa de que, ainda no curso deste meu mandato, haveremos de reequacionar essa questão, de modo a recolocá-la em seu curso de normalidade.

Tranqüiliza-nos saber que temos no governo federal um aliado dessa causa, na pessoa do Ministro da Educação, o advogado Tarso Genro. Desde sua posse, buscamos aproximação com S. Exa. para tratar deste tema e colocar em prática medidas capazes de saneá-lo, no que tivemos total compreensão e vontade política do Ministro Tarso Genro.

Por competência legal, a OAB é chamada a se manifestar nos processos de abertura de novos cursos, mas, como se sabe, cabe ao Conselho Nacional de Educação, vinculado ao MEC, a última palavra, independentemente do que opine a Ordem a respeito.

S. Exa., o ministro Tarso Genro, após promover um freio de arrumação na concessão de novas licenças e assumir o compromisso de rigorosa fiscalização nos cursos já em funcionamento, nos propôs a assinatura de um convênio em que a OAB participasse não só dos estudos de novas diretrizes para os cursos de Direito, mas assessorasse também o MEC com sugestões objetivas para regenerar esse quadro.

Considero esta uma atitude de admirável lucidez e responsabilidade cívica. E a presença de S. Exa. neste evento, que muito nos honra, confirma o seu empenho pessoal em levar adiante os compromissos que assumiu conosco e com o país, no sentido de sanear o ensino jurídico brasileiro.

A OAB não tem nenhum prazer especial em vetar licenças para a abertura de novos cursos jurídicos. Nada temos, muito pelo contrário, contra a expansão do setor, desde que as exigências legais sejam cumpridas. Entendemos que o ensino jurídico tem um papel político maior, justificação social bem mais profunda que a mera difusão de diplomas.

Quando não tem qualidade, atinge, como já disse, toda a Justiça e, em última análise, o conceito de cidadania e de democracia.

O inconcebível é que continuemos a permitir que cursos de Direito sejam ministrados de madrugada ou em horários pré-matutinos, em salas improvisadas de escolas de ensino fundamental, usando carteiras destinadas a crianças e adolescentes, em salas de cinema, ou dividindo espaço em que durante o dia funciona a Câmara de Vereadores e, à noite, a faculdade de Direito.

É preciso pôr fim à indústria dos diplomas. Além de um desserviço à cidadania, é um desserviço à Pátria. A globalização econômica, uma realidade irrecorrível, exige que aprimoremos a qualidade de nossa mão-de-obra no campo do Direito. Caso contrário, continuaremos a assistir a invasão dos escritórios internacionais de advocacia, que não apenas nos tomam mercado de trabalho, como põem em risco o interesse nacional.

É preocupante que a defesa de interesses nacionais junto a outros países e a empresas estrangeiras seja atribuída sistematicamente a escritórios internacionais. E esse é um fenômeno subproduto da escassez de mão-de-obra qualificada – que, por sua vez, decorre da desqualificação de numerosos cursos de Direito em plena vigência. E o termo “numerosos” não é exagerado.

No último triênio, a OAB foi favorável à criação de 19 cursos jurídicos, mas o MEC, no mesmo período, autorizou 222 cursos. Apenas 19 preenchiam, a nosso ver, as condições técnicas básicas. Os outros 203 estavam naquela escala de precariedade que descrevemos. Mesmo assim, entraram em ação. Neste ano, após a posse de V. Exa. e a minha no Conselho Federal da OAB, Ministro Tarso Genro, tivemos a criação de 16 novos Cursos de Direito.

Vejamos a evolução desses números. Em 1960, tínhamos no Brasil 69 faculdades de Direito. Nos anos 90, esse número passou para 400. Até o início deste ano, funcionavam regularmente no País 762 instituições de ensino jurídico superior. Muitas, a maioria, naquela base.

Segundo o IBGE, 70 mil bacharéis de Direito ingressam no mercado de trabalho a cada ano. Como a maioria dos novos cursos iniciou as atividades a partir da segunda metade dos anos 90, é fácil imaginar que a população de bacharéis vai dobrar, ou redobrar, nos próximos anos.

Tudo isso seria ótimo se estivesse dentro de um padrão de qualidade mínimo, que permitisse a efetiva universalização dos serviços judiciários, tão reclamados no país, sobretudo pela população mais carente. Não é o caso. Quantidade sem qualidade gera apenas tumulto e resulta em descrédito. É o que temos sustentado ao longo de muitos anos.

Finalizo citando o que disse, a respeito do ensino, Ruy Barbosa na campanha presidencial de 1910 portanto, lá se vão 96 anos:

“O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive mais realmente da verdade e moralidade com que se pratica do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagram.”

E ainda, numa afirmação de grande atualidade:“Entre nós, todos os governos reformam o mecanismo, e nenhum busca reformar os costumes”.

O nosso empenho, senhoras e senhores, é de que, no que diz respeito ao ensino jurídico, sejam reformados os costumes. Os maus costumes, naturalmente. Considero este o desafio maior deste meu mandato à frente da OAB. E renovo aqui meu apelo ao governo federal, na pessoa do ministro Tarso Genro, para que leve adiante a determinação que tem demonstrado de agir com rigor nesse sentido.

Com certeza, este será um serviço de relevo prestado à cidadania e à Pátria, e que ficará na memória de sua administração.

Muito obrigado.

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