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Presidente da OAB propõe auditoria na dívida externa

domingo, 15 de agosto de 2004 às 12h32

Brasília, 15/08/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, não dá sossego ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de fazer duras críticas ao governo na posse de Nelson Jobim na presidência do Supremo Tribunal Federal em junho, quando disse, na presença de Lula, que o salário mínimo no Brasil é inconstitucional, Busato anuncia em entrevista exclusiva ao repórter Rafael Paixão, do jornal Hoje em Dia ( Caderno Brasília ) que a OAB irá entrar neste mês com uma ação no STF pedindo uma auditoria na dívida externa brasileira. "Estamos pagando muito caro pela dívida e não estamos pedindo que seja dado o calote à banca internacional, mas que haja um diagnóstico de como ela foi contratada", diz.

Em relação às denúncias contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, Busato diz que uma pessoa que ocupa esse cargo deve não só ser honesta, mas parecer honesta. O presidente da OAB avalia ainda que Lula decepcionou o eleitorado ao não cumprir suas promessas na área social. Em relação à reforma do Judiciário, ele defende o controle externo, mas ataca a súmula vinculante, alegando que para desafogar a Justiça bastava a União não recorrer de ações que sabe que vai perder.

Busato nasceu em Caçador (SC), mas é radicado em Ponta Grossa (PR) desde 1961, e tem 50 anos. Foi conselheiro estadual da OAB do Paraná e conselheiro federal da OAB por três vezes consecutivas, até chegar a tesoureiro e vice-presidente. Foi eleito presidente nacional da OAB em 25 de janeiro deste ano, por unanimidade, para o triênio 2004/2007, sendo o mais jovem a ocupar o cargo. Tomou posse em 1º de fevereiro.

P - Como o senhor tem visto as denúncias contra os presidentes do Banco Central, Henrique Meirelles, e do Banco do Brasil, Cássio Casseb?
R - A OAB vê com muita preocupação esse assunto que envolve duas pessoas que detêm cargo de alta relevância no Governo, principalmente em relação ao presidente do Banco Central, que é uma pessoa que tem conceito internacional e que é o depositário dos segredos do sigilo bancário dos brasileiros e, sobretudo, da própria política monetária brasileira. Quando ele é acusado de um delito formalmente ligado à sua área, que é a financeira, isso causa uma apreensão muito grande perante à população brasileira. Esperamos que esse assunto seja levado com uma transparência muito grande. Não é só necessário a pessoa ser honesta, mas parecer ser honesta quando exerce um cargo nas características do presidente do Banco Central.

P - O senhor considera que ele tem condições de se manter no cargo?
R - Tenho a impressão que se ficarem bem esclarecidas todas as circunstâncias desses fatos haverá condição para a sua permanência. Porém não se poderá admitir que possa haver um conceito de moralidade para pessoas que detêm uma conta bancária acima de US$ 1 milhão e outra condição moral para pessoas que não têm esse patamar. Todos são iguais perante à lei. Deverá o presidente do Banco Central demonstrar que não há qualquer ilegalidade nas suas atitudes, sem se ater que a transação envolvia muito dinheiro.

P - O STJ divulgou recentemente que a União é a responsável por 50% das ações naquele tribunal. Como o senhor vê essa informação?
R - A OAB vem falando isso desde o início da minha gestão, quando critica a adoção da súmula vinculante no Brasil, apontando que bastava apenas uma súmula que viesse a impedir que o Poder Público ficasse reiteradamente recorrendo de processos que sabe que vai perder. Realmente, o Poder Público é o maior demandista e de péssima qualidade. É o litigante de maior má-fé desse país, porque recorre sabendo que vai perder para postergar o pagamento da sua obrigação. E depois que perde em todas as instâncias e que usa de todos os artifícios possíveis dentro da legislação processual acaba o particular entrando numa fila de precatórios. Ou seja, acaba não recebendo do mesmo jeito.

P - Por que o senhor é contra a súmula vinculante? Ela não ajudaria a desafogar a Justiça?
R - Inegavelmente, a súmula vinculante ajuda a desafogar a Justiça no momento em que se impede a todos de recorrer sobre determinados assuntos. É claro que matematicamente vai diminuir o número de recursos. Mas seria a mesma coisa que uma pessoa que está acometida de um tumor maligno e que tem de fazer um tratamento. A súmula vinculante seria aquele tratamento quimioterápico que eliminaria o tumor maligno, mas levaria à morte o paciente por excesso de remédios. Enquanto que a súmula impeditiva de recursos tiraria o tumor, mas não comprometeria o paciente. Ou seja, o remédio na dose certa. Não se pode inibir a população de procurar todos os recursos possíveis, dentro de um limite ético. Se impedir meramente porque existe excesso de processo não é possível. É desdizer o Direito e tirar o julgamento do fato social do juiz natural, que é o juiz de primeiro grau, que vai conhecer o caso nas cores exatamente existentes naquele fato social.

P - Mas o que pode ser feito para desafogar a Justiça, principalmente os tribunais superiores?
R - Deve haver uma limitação através de uma reforma infraconstitucional. A reforma constitucional visa estruturar melhor o Judiciário, mas ela não visa dar celeridade ao julgamento e ao encerramento do caso. Isso se dá através da reforma dos códigos. Então precisa haver uma certa limitação de recursos. Além disso, o número de magistrados, mesmo em cortes superiores, é muito pequeno. Hoje no Brasil temos uma corte diminuta no STJ, por exemplo, que tem apenas 33 ministros, enquanto que na Itália a mesma corte tem 400 magistrados. Então, a diferença é brutal na falta de condições, o que acaba transformando a missão de ministros do STJ, principalmente, numa missão muito árdua pela quantidade de processos em julgamento.

P - O senhor é a favor do controle externo do Judiciário. Ele não fere a autonomia do Poder?
R - Absolutamente. O controle externo, por meio do Conselho Nacional de Justiça, não visa tirar qualquer tipo de independência que possa ter o magistrado. Muito pelo contrário. Ele visa preservar essa independência do magistrado quando está na sua função-fim, que é prestar justiça ao jurisdicionado. O Conselho Nacional de Justiça não poderá interferir nesse aspecto. O que se pretende é trazer eficácia aos controles da magistratura, porque os controles internos perderam sua eficácia, haja visto os inúmeros problemas que está havendo nesse campo. Além do mais, o controle externo visa adotar administrativamente o Judiciário de instrumentos mais modernos e eficazes para auxiliar exatamente o magistrado na sua função de julgar.

P - Como o senhor analisa o governo Lula?
R - O grande problema do Governo Lula é que ele veio a reboque de uma grande esperança da população de reformas bastante acentuadas em função da própria história política do presidente da República e do PT. Em determinados momentos da história brasileira sempre houve alguns Governos que tinham essa característica de profundas reformas e mais uma vez o povo brasileiro se viu frustrado porque essas reformas não vieram. O governo Lula optou por uma economia ortodoxa, copiando um modelo que já vinha sendo adotado e isso acabou tolhendo a possibilidade de avançar no campo social, que foi tão ligado à sua história e ao seu partido. Nesse aspecto, o governo não consegue entusiasmar aqueles que, entusiasticamente, acabaram o elegendo.

P - Como o senhor avalia hoje as críticas que recebeu pelo seu discurso na posse do Nelson Jobim na presidência do STF, no qual o senhor fez duros ataques ao governo Lula?
R - As críticas que houve foram nitidamente de pessoas que não ouviram nem leram o discurso. O discurso trazia determinadas críticas ao governo, mas todas dentro de um certo contexto. Quando se criticou o salário mínimo se criticou o salário mínimo desde sua instituição no Brasil constitucional. Foi dito que o salário mínimo na Constituição existia para prover determinados itens de uma família e que ele não estava provendo nenhum desses itens nem mesmo para uma pessoa. Quando se criticou as MPs se criticou as MPs desde que elas foram criadas. De outro lado, também foi elogiado o governo dentro daquilo que, na ótica da OAB, está correto, como é o caso da participação do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com relação à reforma do Judiciário, que estava dormindo no Congresso há 12 anos e foi colocado como prioridade pelo governo Lula, e também em relação ao grande avanço que tivemos no ensino jurídico por força da sensibilidade do ministro da Educação, Tarso Genro. Então, as críticas não me preocuparam. O discurso representava exatamente o que pensam os advogados e a OAB. As críticas acabaram unindo toda a classe da advocacia.

P - No discurso, o senhor disse que o país é inconstitucional. Por quê?
R - Porque todo governo se inicia jurando exercer o mandato dentro do respeito do cumprimento da Constituição e acabam não cumprindo os dispositivos constitucionais. Então, por isso, o Brasil é um país inconstitucional, porque não respeita a Constituição, apesar de ter jurado seu cumprimento. Diariamente não se respeita a Constituição. Isso talvez seja a razão direta desse excesso de processos no STF, porque as inconstitucionalidades são cometidas a todo instante pelo Congresso ou pelo Executivo, o que obriga o Judiciário a colocar o trem no rumo e obriga a OAB estar constantemente entrando com ações diretas de inconstitucionalidade.

P - O senhor anunciou que uma das prioridades na sua gestão seria discutir a dívida externa brasileira. Como está a ação que a OAB pretende entrar no STF pedindo uma auditoria da dívida?
R - Há um movimento mundial das organizações da advocacia organizada no sentido de criar um tribunal internacional para investigar a dívida externa dos países do 3º Mundo. Fiquei impressionado num congresso que participei na Espanha no ano passado que tratou desse assunto e quando cheguei à Presidência da OAB encontrei um processo sobre esse tema. O relator, que foi o conselheiro Arx Tourinho, levou um voto brilhante ao Conselho Federal no sentido que a OAB ingressasse com uma ação declaratória de negativa de vigência de dispositivo constitucional. Há um artigo na Constituição que determina que o Congresso após um ano da promulgação da Constituição promovesse uma ampla auditoria da dívida externa para verificar o que estava acontecendo e isso não aconteceu. Esse relatório teve aprovação unânime do Conselho Federal da OAB. Baseado nisso, estamos com uma ação pronta, que está nos detalhes finais sendo estudados por especialistas em Direito Constitucional e deve ser entregue ainda neste mês. Acreditamos que essa ação é mais um legado que a OAB entrega à nação, pois essa dívida não pode ser paga com o sangue e a lágrima dos brasileiros. Estamos pagando muito caro pela dívida e não estamos pedindo que seja dado o calote à banca internacional, mas que haja um diagnóstico de como ela foi contratada, a que custo foi contratada, quanto já foi pago, quanto ainda resta a pagar e, principalmente, onde foi aplicada toda essa importância que trouxemos do exterior para aplicar aqui no Brasil. O que não se pode é manter essa caixa hermeticamente fechada sem uma discussão do que aconteceu.

P - O STF irá derrubar a contribuição dos inativos?
R - A esperança é essa. Por enquanto, o resultado é favorável aos aposentados e esperamos que esse resultado se mantenha até o final do julgamento, fazendo jus aos inativos aquilo que têm direito. Os empresários sempre cumpriram sua parte no contrato. Os empregados sempre, até coercitivamente, cumpriram sua parte do contrato. Agora o Governo não quer respeitar o contrato que assumiu com aqueles que trabalharam. Isso não pode acontecer.

P - O STF também irá decidir se o Ministério Público tem poder de investigação. Qual sua opinião?
R - O Ministério Público tem de ficar limitado às suas atribuições. A quem cabe a feitura do inquérito e da investigação é a Polícia. O Ministério Público poderá participar no sentido da ampla defesa que o regime democrático preserva. O MP também pode até ter uma participação mais incisiva, em determinados casos, se o assunto for de máxima relevância e quando estiver dentro do seu alcance legal. O que não pode é o Ministério Público sair fazendo papel de policial e agir fora da formação do devido processo legal. Este é o lado mais pernicioso de uma interferência do MP na formação da culpa: quando a culpa é formada pela mídia. A culpa deve ser formada dentro do processo e só poderá ter a divulgação depois da condenação.

P - O que a OAB sugere para evitar a proliferação de cursos de Direito no país, muitos de má qualidade?
R - A situação chegou a um nível muito preocupante. O ensino jurídico brasileiro, salvo exceções, se transformou numa dor de cabeça para todos. Antigamente, tínhamos entidades públicas e entidades privadas de grupos que tinham vocação para o ensino e, de repente, empresas com caráter meramente mercantilista acabaram assumindo e a desproporção ficou muito grande. Enquanto as faculdades públicas ficaram relativamente estáveis, o boom, principalmente no segundo Governo Fernando Henrique e no primeiro ano do Governo Lula, foi impressionante. Chegamos a quase 750 cursos de Direito. Isso tem colocado no mercado de trabalho mais de 70 mil bacharéis com formação técnica bastante deficiente. O resultado está no número de reprovações no exame da OAB, que visa meramente a verificação da capacidade postulatória do candidato. Em alguns estados, a reprovação já beira os 90%. Os concursos públicos da magistratura já não conseguem prover as vagas já existentes. Temos um país com quase 200 milhões de habitantes com 12 mil magistrados. Precisamos quintuplicar esse número. Elogiamos o Tarso Genro, que tomou o cuidado de brecar essa farra ao fechar a homologação de novos cursos. O segundo passo é estudar os critérios de fiscalização dos cursos de Direito e de homologação de novos cursos. Demos duas sugestões ao MEC. A primeira é que o parecer que a OAB dá na criação de cursos, que hoje é consultiva, passe a ser vinculante. Se isso não for possível, que o MEC siga um critério que não segue, e que a OAB segue, que é a necessidade social da criação do curso de Direto. Hoje estamos vendo que os cursos acabam sendo instalados onde há mercado para futura mão de obra dos estudantes e não onde a população necessita do curso de Direito.

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