Artigo: Por uma instituição de direitos humanos
Brasília, 12/12/2011- O artigo "Por uma instituição de direitos humanos" é de autoria do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, e foi publicado na edição de hoje (12) do jornal Correio Braziliense:
"Há 63 anos, que foram celebrados no sábado, com o mundo ainda traumatizado pela barbárie da Segunda Guerra Mundial, era ratificada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, fundada na esperança de se reconstruir a sociedade sob novos alicerces de paz, democracia e respeito ao seu semelhante.
Conseguimos? Hoje, continuamos perplexos com o recrudescimento das tensões em muitas regiões do planeta, enquanto a crise do capitalismo liberal arrasta as potências econômicas rumo ao desconhecido, despontando das ruas de Wall Street movimentos populares contra a influência empresarial nos governos e na sociedade. Progresso moral e progresso material se confrontam com problemas de justiça, de liberdade e de igualdade.
Logo, torna-se indispensável estender o conceito de direitos humanos, que não pode se restringir a identificar maus-tratos físicos. Deve ir além, ao questionar as economias que geram riqueza, de um lado, e desordem e pobreza, de outro; que destroem a natureza e promovem as guerras; que criam guetos e erguem muros de intolerância. A percepção de mundo e de humanidade mudou.
No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana está na base de todos os direitos constitucionais consagrados: sejam direitos e liberdades tradicionais (art. 5º); direitos de participação política (art. 14); direitos sociais (art. 6º); direitos dos trabalhadores (art. 7º), bem como direitos às prestações sociais (art. 203). Na prática, porém, o abismo social ainda é profundo, separando pobres de ricos e levando o país a níveis de violência inaceitáveis.
Por ato normativo, a Ordem dos Advogados do Brasil integra o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ao lado de outras representações da sociedade civil, com vistas à execução de medidas que assegurem o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais no país. Não menosprezando seu papel no curso da reconquista das liberdades civis e das importantes contribuições para combater os excessos do Estado, estamos falando de um órgão do próprio Estado, estruturado pelo Estado e financiado pelo Estado.
As relações entre os homens pressupõem um ideal comum de todos os povos e de todas as nações, universal, sem prejuízo da soberania. Sem nenhum tipo de sujeição a um ou mais poderes do Estado. Sem interferências de qualquer natureza, sejam ideológicas ou econômicas. Esses princípios realçam a necessidade de uma Instituição Nacional de Direitos Humanos no Brasil, sem a tutela do Estado. Uma instituição pluralista na sua composição e financeiramente autônoma - num sentido amplo, com independência para o cumprimento de suas funções.
Em outros fóruns internacionais de discussões, como no caso das mudanças climáticas que afetam a própria sobrevivência humana na Terra, a participação do Brasil tem crescido e sua voz cada vez mais respeitada. Contudo, o mínimo a dizer é que se tornou desconcertante a ausência de nosso país em quase uma dezena de conferências de instituições nacionais de Direitos Humanos realizadas no âmbito da América Latina.
Simplesmente porque, não tendo ainda apresentado as credenciais de Instituição Nacional com essas características, de independência e autonomia, o Brasil permanece à margem do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Discute-se há mais de 15 anos o significado e real alcance da independência a ser conferida à Instituição Nacional, geralmente envolvendo razões diplomáticas. Vale dizer, mais uma vez, razões de Estado acabam por retardar a definição de um modelo apropriado.
Não está no escopo da instituição - nem é este o seu objetivo - interferir na esfera das relações diplomáticas. O que se busca é inserir o Brasil no esforço global de proteção e promoção dos direitos humanos como um bem comum da humanidade, trabalhando em estreita cooperação com os demais países-membros. Esse sentido de independência e cooperação ajusta-se perfeitamente ao pensamento da Ordem dos Advogados do Brasil.
E, nesse ponto, devemos lembrar que os avanços alcançados pelo Brasil na área dos Direitos Humanos se devem principalmente à participação da sociedade civil, que impulsiona e transforma o Estado. Em outras palavras, à consciência da natureza universal dos Direitos Humanos, para a qual é imprescindível a atuação da advocacia como guardiã desses postulados."