OAB: governo tem que fazer campanha para explicar Estatuto
Gramado (RS), 02/07/2004 – O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil por Pernambuco e advogado criminalista, Ademar Rigueira, destacou hoje (02) a necessidade de o governo federal deflagrar uma campanha nacional de ampla repercussão para explicar à sociedade os termos do Estatuto do Desarmamento, regulamentado hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “É preciso que o governo lance essa campanha para mostrar à sociedade a necessidade de entregar as armas, de se desarmar”, afirmou Rigueira, que participa, em Gramado, da reunião do Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Para Rigueira, o governo tem que explicar muito bem à sociedade as reais vantagens de entregar as armas. Tem, segundo ele, que divulgar exaustivamente os valores da indenização que será paga e esclarecer à população que não haverá qualquer punição quando da entrega das armas. “É preciso que o cidadão conheça as vantagens de devolvê-las e tenha a certeza de que não corre risco de um flagrante ou de ser detido por portar uma arma. Isso é fundamental para que o Estatuto tenha reais resultados”.
O advogado criminalista explicou, ainda, que as vantagens que o Estatuto do Desarmamento trará não estão focadas no traficante, no grande contrabandista de armas porque estes, logicamente, não entregarão suas armas. O foco, segundo ele, “é a briga no botequim, a discussão no estádio de futebol, a briga entre vizinhos, as discussões por motivos totalmente fúteis, que fazem com que uma pessoa que esteja armada acabe cometendo um homicídio, um crime bárbaro no ápice do nervosismo”. “São crimes como esse que o Estatuto com certeza vai reduzir”.
Ainda segundo Rigueira, a OAB está pronta a ajudar e para participar dessa campanha, como fez no âmbito dos Estados quando chamada apoiar campanhas focadas no desarmamento. ”Desde logo a Ordem dos Advogados do Brasil se prontifica a ajudar e a participar dessa campanha”.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo conselheiro federal da OAB, Ademar Rigueira:
P – Como a OAB recebeu a notícia de que o presidente Lula enfim assinou o decreto que regulamenta a Lei do Estatuto do Desarmamento?
P – Já era hora de o presidente Lula regulamentar o Estatuto do Desarmamento. Já vínhamos há algum tempo aguardando essa assinatura. O Estatuto foi criado não só pelo Poder Legislativo, mas é resultado de um movimento nacional muito forte pelo desarmamento. É uma aspiração do cidadão e da Ordem dos Advogados do Brasil, de se criar uma norma efetiva para que haja o efetivo desarmamento neste País. É premente o combate à violência e isso passa, sem sombra de dúvidas, pelo desarmamento da população, uma vez que isso contribui diretamente para o armamento da criminalidade. As armas que chegam às mãos dos criminosos, dos bandidos, são, na maioria, retiradas do cidadão comum, o que torna fundamental a regulamentação dessa Lei. O que não podia acontecer é exatamente o que estava ocorrendo, um descaso à lei porque o decreto que a regulamentava não havia sido assinado. Isso porque precisaremos, ainda, enfrentar situações que o Poder Judiciário já está enfrentando, como, por exemplo, a entrega de armas de uso restrito, de uso proibido, o que me parece ainda não ter sido regulamentado. Ou seja, há dúvidas quanto aos termos da entrega da arma de uso restrito, se vai haver punição para quem fizer a entrega de armas que foram obtidas de forma clandestina e se haverá o pagamento de indenizações por isso. Enfim, ainda é necessário esmiuçar o teor desse decreto para que não haja situações pendentes que possam vir a favorecer pessoas que insistem em infringir o Estatuto.
P – Qual o ponto, para o senhor, de maior relevância no Estatuto?
R – Um ponto extremamente importante na regulamentação do Estatuto, e espero que ele esteja contido neste decreto, diz respeito à entrega de armas de uso restrito do Exército brasileiro, como eu vinha dizendo. O artigo 23 necessita de regulamentação para estabelecer efetivamente que tipos de armas são ou não de uso proibido. Essa definição é fundamental porque existem penas graves para pessoas que detêm armas de uso restrito, mas da forma como o Estatuto estava não tínhamos como punir essas pessoas, porque não se sabe especificamente o que é ou não arma de uso proibido. Então, a regulamentação deve envolver isso tudo. Eu ainda não tive acesso ao teor do decreto, mas realmente espero que ele aborde todos esses pontos, que são fundamentais para que haja a devida aplicabilidade da Lei. Nós temos muitas leis nesse País que não têm aplicabilidade alguma e nós não queremos que a Lei do Estatuto seja mais uma delas.
P – Como o senhor acha que a população receberá o novo Estatuto? Acha que ela se sentirá incentivada a fazer a devolução de armas?
R – Com o decreto do Estatuto regulamentando, chegou a hora do governo deflagrar uma campanha nacional de grande repercussão que explique à população que ter a posse de arma sem uma habilitação e o devido preparo não é uma forma de proteção, mas pode recair contra sua própria segurança. É preciso que o governo lance essa campanha para mostrar à sociedade a necessidade de entregar as armas, de se desarmar. É necessário que o governo enfatize as vantagens disso, explique qual será a indenização a ser paga pelo Estado e esclareça à população que não haverá nenhuma punição quando da entrega das armas. É preciso que o cidadão conheça as vantagens de devolvê-las e tenha a certeza de que não corre risco de um flagrante ou de ser detido por portar uma arma. Isso é fundamental para que o Estatuto tenha reais resultados. Desde logo, a Ordem dos Advogados do Brasil se prontifica a ajudar e a participar dessa campanha, como fez no âmbito dos Estados quando chamada apoiar campanhas focadas no desarmamento.
P – O senhor acredita que esse Estatuto é a solução para acabar com a criminalidade no Brasil?
R – Eu não chegaria a dizer que o desarmamento da população irá, por si só, resolver o problema da violência e da criminalidade. O Estatuto foi criado para melhorar essa situação porque nós sabemos que o grande traficante, aquele que contrabandeia suas armas, não está preocupado com os efeitos do Estatuto do Desarmamento. Mas, na verdade, nós temos muitas ocorrências de crimes banais, aqueles ocorridos no dia-a-dia, as quais o Estatuto vai atacar. É a briga no botequim, a discussão no estádio de futebol, a briga entre vizinhos, as discussões por motivos totalmente fúteis, que fazem com que uma pessoa que esteja armada acabe cometendo um homicídio, um crime bárbaro no ápice do nervosismo. São crimes como esse que o Estatuto com certeza vai reduzir. A criminalidade maior e o crime organizado, logicamente, não serão atingidos pela nova lei, mas é claro que estamos dando um passo importante para reduzir a quantidade de assassinatos. Outro benefício do Estatuto é que ele vai reduzir ou dificultar o acesso do bandido de rua, dos assaltantes, a essas armas de fogo, que hoje são furtadas da população. Enfim, é um avanço. Devemos pensar sempre em formas de reduzir a criminalidade neste País, em qualquer instância. A criminalidade chegou a índices alarmantes e a população não suporta mais tantos crimes, tanta violência. Mas o importante é que a sociedade tenha consciência de que não é por meio do armamento particular que se obtém segurança. É o Estado que precisa garantir essa defesa à população. É nisso que a OAB acredita, na segurança promovida pelo Estado. E nós brigaremos até o fim para que o Estado assuma essa responsabilidade, porque essa responsabilidade não é do cidadão.