Entrevista: É um atentado contra a ética e a moralidade
Belo Horizonte (MG), 05/06/2011 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, classifica como "lamentáveis" as críticas feitas pelo desembargador mineiro Elpídio Donizetti ao conselheiro Jefferson Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justica (CNJ). O conselheiro determinou a exoneração da ex-mulher de Donizeti, Leila Nunes, de cargo comissionado na 18ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com salário de R$9,2 mil mensais.
A medida se deu após representação contra o desembargador mineiro feita pelo Sindicato dos Servidores do Tribunal de Justiça, em razão de possível prática de nepotismo. Em resposta, Donizetti quer que o CNJ investigue a suposta atuação de Kravchychyn em um escritório de advocacia em Florianópolis. O conselheiro chegou a questionar se "os advogados estão preparados" para serem alçados à posição de julgadores.
P - O que o senhor acha da proposta de redução do número de instâncias para apresentação de recursos no Judiciário do país?
R - Isso significa sacrificar a segurança jurídica em nome de uma falaciosa agilidade processual. Só posso vislumbrar uma Justiça mais célere se de fato fossem resolvidos os problemas de ordem estrutural, que ainda padece de falta de juízes, de falta de material, de falta de tecnologia, enfim, da compreensão do próprio Estado sobre o seu papel. A proposta atropela a Constituição e as leis processuais do país, além de desrespeitar odevido processo legal e o direito à ampla defesa por cercear a subida de recursos ao STF e tribunais superiores. Precisamos tratar os efeitos e não as causas. O Judiciário precisa de transparência.
P - Que avaliação o senhor faz sobre o atual número de varas e tribunais regionais?
R - A Justiça precisa estar mais próxima da sociedade. Se fizermos uma comparação, o volume de recursos repassados dos orçamentos aos legislativos é muito superior ao reservado à Justiça, que precisa estar na ponta, atuando junto ao cidadão. Precisamos privilegiar a primeira instância. Os tribunais superiores não precisam ter o que hoje possuem, essa suntuosidade toda. A democracia só será reforçada com mais justiça.
P - O desembargador mineiro Elpídio Donizetti disse que os advogados não estão preparados para exercerem cargos como o de conselheiro no CNJ. Qual avaliação o senhor faz sobre isso?
R - Foi uma declaração lamentável. Quando não se tem razão, procura-se atingir a pessoa que demonstrou o seu erro. Isso só demonstra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entendeu que o desembargador não cumpriu com o seu dever de dar o exemplo à sociedade. Ele colocou o interesse privado acima do interesse público. Se a indicação de uma ex-mulher para um cargo público para não pagar a pensão não for motivo para o afastamento do servidor, chegamos ao fundo do poço. Para mim, isso é um atentado contra a ética e amoralidade.
P - O que o senhor acha da manutenção do ministroAntonio Palocci (Casa Civil) à frente do Governo Dilma Rousseff?
R - O pedido de afastamento é algo que soaria muito bem no âmbito da sociedade. É algo que deixaria o Governo muito mais tranquilo. A sua permanência não faz bem ao Governo nem à biografia do ministro. Defendemos que o ministro se afaste para se defender. No Brasil, é diferente. O agente público quer que a sociedade prove que ele é culpado. Deveria ser o contrário. O agente público é que deveria provar que não tem culpa. Por isso, não sou contra uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). É um instrumento democrático e que está posto para a sociedade na Constituição.
P - Qual a posição do senhor sobre a questão do sigilo eterno de documentos ultrassecretos e da instalação da Comissão da Verdade?
R - Não se pode ter na democracia documentos eternamente sigilosos. É necessário que a sociedade conheça a sua história e, a partir dela, possa corrigi-la e reescrevê-la melhor. E os familiares têm o direito de saber do paradeiros de seus entes, de poder enterrá-los. Sem isso, acabamos todos nós, sociedade, ficando reféns da ausência de uma política de resgate da nossa história. Projetos como esse tem o apoio da OAB. Essa postura da presidente Dilma indica que há total espaço para que essa questão possa ser debatida, de forma franca e ampla, como governo.
P - O que o senhor acha da realização de um novo plebiscito sobre o porte de armas de fogo no país?
R - Isso não é a solução e pode ressaltar ainda mais os ânimos. Além disso, esse referendo pode ser uma cortina de fumaça para desviar o foco dos reais problemas de segurança. Hoje se vive no Brasil uma verdadeira guerra civil urbana pela ausência de uma política clara, consistente e efetiva de combate à criminalidade e o tráfico de armas. Precisamos reforçar as fronteiras e colocar o policiamento nas ruas. Os governos deveriam fazer isso em vez de ficar colocando a culpa pela falta de segurança um no outro.
P - Algumas entidades questionam a obrigatoriedade do exame da ordem. O senhor se baseia em que para defender a manutenção do exame?
R - O exame existe para defender a sociedade contra aqueles que entram no mercado de trabalho para lidar com a liberdade e o patrimônio. Sem o exame, o risco para a sociedade seria muito grande, diante da má qualidade dos cursos de Direito. O próprio MEC (Ministério da Educação) acaba de suspender cerca de 11 mil vagas de 136 cursos de Direito que tiveram resultados insatisfatórios em avaliações da pasta. (A entrevista foi concedida a Alex Capella, coordenador de Política do jornal Hoje em Dia, de Minas Gerais).