As empresas e o combate à exploração sexual de crianças
Brasília, 01/06/2004 – Artigo da advogada Marta Marília Tonin, representante do Conselho Federal da OAB no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ( Conanda ), publicado no jornal Gazeta do Povo, do Paraná :
“Inicialmente pergunta-se o que significa o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes?
De um lado, infelizmente, lembra que a violência sexual praticada em crianças (0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos) é prática comum em nosso país, manifestando-se dentro da própria família (abuso sexual) e em estabelecimentos variados (exploração sexual para fins comerciais), através da prostituição, da pornografia e do tráfico. Constituindo-se em cruel violação dos direitos humanos , esse tipo de violência configura o crime do artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90). A pena varia de quatro a dez anos de reclusão, além de multa.
Pena essa que também é aplicada ao proprietário, gerente ou responsável pelo local em que se verifique a submissão da criança ou adolescente a essas práticas, além da cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
De outro lado significa que não se pode acovardar diante de tais tragédias e que este dia é importante, sim, na erradicação dessa chaga familiar e social. Por isso a relevância do dia 18 de maio como o Dia Nacional de Luta contra o Abuso e Exploração Sexual, instituído pela Lei Federal n.º 9.970/ 00, representando uma estratégia fundamental de mobilização da opinião pública (uma das diretrizes da Política de Atendimento cf. art. 88 do ECA).
Como marco na luta pela defesa dos direitos de crianças e adolescentes e cumprindo um dos compromissos fundamentais da agenda de Estocolmo (I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual), surgiu o Plano Nacional de Enfrentamento à violência Sexual Infanto-Juvenil, elaborado em junho/2000 por um conjunto de ações governamentais e não governamentais, e aprovado no mesmo ano pelo Conanda. Esse plano aponta para uma política pública que compartilha responsabilidades entre o poder público e a sociedade, para estabelecer ações, metas e prazos no combate à violência sexual infanto-juvenil.
A violência sexual cometida contra criança e adolescente é um fenômeno social que não se restringe a uma determinada classe social ou área específica. A sua incidência é cada vez mais constante em grupos sociais diversos, caracterizando-se como um problema de amplitude mundial. As desigualdades marcantes das relações de classe, de gênero e de raça são também condições que transformam esse abuso em valiosa mercadoria para as redes de exploração, sendo a pobreza um elemento facilitador e acelerador desse processo. É fato que 75% do abuso sexual ocorre dentro dos limites do ambiente familiar ou em relações muito próximas. Pergunta-se: e fora da família, quem se beneficia com a exploração sexual de crianças e adolescentes? Quem pratica o turismo sexual? A exploração sexual nas rodovias? O tráfico interno e internacional para fins sexuais? Sabe-se que a maior parte da exploração sexual comercial ocorre nos circuitos das redes de exploração nacionais e internacionais.
Malfadadas "agências de turismo", com interlocutores no exterior, perpetuam esse crime de forma sorrateira, camuflando as idades das vítimas, visando a lucros.
No caso da exploração sexual nas estradas brasileiras, muitas vezes o criminoso é o motorista que está viajando a trabalho da empresa, utilizando-se do veículo cedido pelo patrão, sendo comum constar das portas laterais do carro o nome da Empresa. E o pior é quando o crime ocorre dentro do próprio veículo já identificado, marca essa que aparece antes mesmo da pessoa do criminoso! Mesmo que não se possa condenar a pessoa jurídica, até mesmo porque não é ela a criminosa, fica a má reputação porque o comportamento criminoso do empregado reflete na imagem da empresa. Assim o papel desta também é fundamental.
Daí a necessidade da mobilização e participação de toda a sociedade, como ocorreu no último dia 18 em Curitiba, onde, na Praça Osório, armou-se um palco e várias barracas para divulgação, com o apoio da Secretaria Estadual do Trabalho e Ação Social, de ONGs (Ciranda de Notícias, Secovi); Fórum do Lixo e Cidadania, OAB/PR, através da Comissão da Criança e do Adolescente, para pôr fim a essa cruel forma de violação de direitos humanos . Ações como essa tiram a questão do campo privado revelando-a na dimensão pública, e, portanto, prioritária do poder público e das políticas públicas.
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ONU/1989), a Constituição Federal/88, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as empresas, o movimento organizado da sociedade civil e de setores governamentais são instrumentos fundamentais aliados dessa luta. Porém, somente terão êxito na medida em que consigam trabalhar em parcerias e redes para romper a discriminação e a exclusão que caracterizam a questão e assumirem o desafio de construir relações sociais que assegurem o desenvolvimento de crianças e adolescentes com direito de viverem sua sexualidade de forma saudável e segura, protegidos de abusos e violência , garantindo-lhes o direito de participar, de serem ouvidos ao expressarem suas opiniões e respeitados em sua dignidade.
Assim, atender às necessidades do processo de desenvolvimento da população infanto-juvenil não está apenas na boa alimentação, na boa escola, no vestuário, mas também na importância que se dá ao seu desenvolvimento biopsicossocial. Isso é, compreender as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos e deveres, independentemente de sua condição social.
Enfrentar a violência sexual requer o compromisso e a responsabilidade social de todos, a fim de se criar um novo olhar e uma nova forma de relação entre o mundo dos adultos e o mundo infanto-juvenil “.