Ophir afirma que truculência e terror jamais conseguiram silenciar imprensa
Rio de Janeiro, 23/09/2010 - "A liberdade de imprensa é condição inegociável para a normalidade democrática. Nem as armas, nem a truculência, e, muito menos, o terror, conseguiram silenciar a imprensa deste País". A afirmação foi feita hoje (23) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, ao abrir, no Rio de Janeiro, a reunião do Colégio de Presidentes de Seccionais da entidade. Durante seu discurso, Ophir repudiou os recentes ataques à liberdade de imprensa e à cobertura que vem sendo realizada pelos jornalistas com relação à campanha eleitoral. "Ataques à liberdade de imprensa são verberados, perigosamente, dentro do próprio governo, da figura do presidente da República, como se de repente jornalistas e formadores de opinião tomassem parte de uma conspiração eleitoral", afirmou.
Ainda quanto às eleições, Ophir lamentou o fato de que, em meio a um valoroso momento de mudança de cargos no Executivo e no Legislativo, o Brasil desperdiça a oportunidade de aprofundar as discussões em torno de seus problemas. "Ao contrário, vende-se uma ilusão de prosperidade que ainda está longe, muito longe, de alcançar toda a coletividade", afirmou o presidente da OAB, ao afirmar que os candidatos têm se rendido à batuta do marketing de campanha e a vender verdadeiras promessas de consumo à sociedade. "O eleitor é reduzido a consumidor, mero usuário de uma ‘democracia de mercado'", afirmou.
Enquanto isso, acrescentou o presidente nacional da OAB, os sucessivos escândalos revelam ao país as fragilidades dos poderes constituídos. Ophir citou os recentes casos de quebra de sigilo fiscal e financeiro, com o envolvimento de agentes públicos, e as denúncias de tráfico de influência e corrupção na esfera do poder, que acabaram por resultar no afastamento de uma ministra de Estado. "Não obstante o fato de eclodirem em meio à campanha eleitoral, esses novos escândalos nos chocam e preocupam, pois quando o Estado é alçado à condição de conivência e suspeito, o princípio republicano e o Estado democrático de Direito estão seriamente ameaçados", afirmou Ophir para a platéia de presidentes de Seccionais, advogados e autoridades do Executivo estadual.
Ao finalizar seu discurso, Ophir Cavalcante ainda ressaltou a figura do advogado Miguel Seabra Fagundes - homenageado na noite de abertura do Colégio de Presidentes e que presidiu o Conselho Federal da OAB de 1954 a 1956. "Com sua postura corajosa, Miguel Seabra Fagundes se insere nos mais altos patamares de nossa instituição, seguindo a tradição de não calar a voz, de não se dobrar diante das pressões, de defender, intransigentemente, a dignidade humana, a cidadania, a moralidade pública, a justiça e a paz social", afirmou. "Sua obstinada luta em defesa da legalidade, da Justiça, das liberdades e dos direitos humanos levou-o também a concluir que "no Brasil de hoje, todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que outros".
A seguir a íntegra do discurso proferido pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante:
"Senhoras e Senhores,
É com profundo sentimento de responsabilidade que abro os trabalhos deste Colégio de Presidentes de Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, a dez dias da grande comunhão cívica que marcará nos próximos anos o destino de nosso País.
Quero, portanto, saudar inicialmente o povo do valoroso Estado do Rio de Janeiro, que embora tenha deslocado o poder decisório para o Planalto Central, jamais perdeu seu status de consciência política nacional, palco das mais calorosas discussões nas quais se forjou o sentimento de brasilidade que nos tornou República - Federativa e Democrática.
Digno representante dessa brava gente, nobre advogado e anfitrião Wadih Damous, presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, receba o meu fraterno abraço e desde já o agradecimento por tão generosa acolhida aos colegas que para cá se deslocaram.
Por diversas vezes temos destacado de público o papel da Ordem dos Advogados numa sociedade em constante transformação. Papel que não se esgota na retórica dos tribunais e assume sentido prático na atitude participativa de cada um dos seus membros.
A Ordem é participação, engajamento, superação e, sobretudo, compromisso com a advocacia, com a Justiça e com a sociedade.
E a permanente vigilância é o preço que temos de pagar pela normalidade do funcionamento das instituições, da Justiça a serviço da cidadania, da liberdade de expressão como partes constituintes do Estado democrático de Direito.
Mas, perguntarão alguns: se tudo funciona e o povo brasileiro se prepara para eleger seus representantes nos poderes Executivo e Legislativo, o que há de errado?
Nada há de errado, mas há muito a ser consertado. Primeiramente, não se trata de culpar o sistema. A democracia, com seus altos, baixos e sobressaltos, de longe ainda é forma mais justa e solidária de governo.
Ou, se preferirmos, nas palavras de Churchill, "é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos".
A resposta, pois, é que não basta termos um sistema bem polido por fora e sujo por dentro.
Não são poucos os exemplos de regimes democráticos que sucumbiram aos mecanismos de dominação de uma elite dirigente que tira proveito das desigualdades sociais para se perpetuar no Poder.
São os desvios, os caminhos tortos e movediços a nos desafiar.
É dever da Ordem dos Advogados não apenas evitar esses desvios, como também apontar as pontes e possíveis saídas.
O movimento que resultou na aprovação da Lei Complementar nº 135, a Lei da Ficha Limpa, é uma ponte; um caminho para melhorar a política em nosso País. Mas é apenas um passo, havendo necessidade de avançar mais.
O avanço está na discussão da reforma política, instrumento necessário para diminuir as desigualdades e corrigir distorções no sistema eleitoral brasileiro.
Resultado da mobilização popular, ela nos remete ao mais sagrado princípio constitucional, segundo o qual "todo o poder emana do povo".
Com efeito, numa democracia participativa cabe ao povo exigir instrumentos de reparação quando este poder é mal exercido.
Repilo qualquer tentativa de engajamento ideológico da Ordem dos Advogados, enquanto instituição, no jogo partidário. Nossa instituição abriga e respeita a diversidade de opiniões de seus quadros, porém a política que pratica será sempre restrita ao debate dos problemas nacionais.
Nosso partido é o Brasil. Nossa ideologia é a defesa da Constituição e da cidadania.
E o Brasil, é lamentável constatar, desperdiça neste momento uma oportunidade de aprofundar as discussões em torno de seus problemas, que ainda são muitos. Ao contrário, vende-se uma ilusão de prosperidade que ainda está longe, muito longe, de alcançar toda a coletividade.
Os candidatos rendem-se à batuta do marketing de campanha, perdem-se em miudezas, caprichos pessoais e promessas de consumo. O eleitor é reduzido a consumidor, mero usuário de uma "democracia de mercado".
Enquanto isso, sucedem escândalos a revelar as fragilidades dos poderes constituídos e a insegurança dos cidadãos perante eles. Lembremos os casos de quebra de sigilo fiscal e financeiro com envolvimento de agentes públicos. Lembremos as denúncias sobre a existência de tráfico de influência e corrupção na esfera do poder, resultando no afastamento de uma ministra de Estado e na prisão de mais um Governador.
Não obstante o fato de eclodirem em meio à campanha eleitoral, esses novos escândalos nos chocam e preocupam, pois quando o Estado é alçado à condição de conivência e suspeito, o princípio republicano e o Estado democrático de Direito estão seriamente ameaçados.
Mas não é só.
Ataques à liberdade de imprensa são verberados, perigosamente, dentro do próprio governo, da figura do presidente da República, como se de repente jornalistas e formadores de opinião tomassem parte de uma conspiração eleitoral.
A liberdade de imprensa é condição inegociável para a normalidade democrática. Nem as armas, nem a truculência, e, muito menos, o terror, conseguiram silenciar a imprensa deste País, desde os idos de Hipólito José da Costa até o emblemático episódio nesta cidade do Rio de Janeiro, no qual o jornalista Antonio Maria teve as mãos pisoteadas por seus desafetos.
"Tolos, eles pensam que jornalistas escrevem só com as mãos", foi a resposta. E sua voz não calou.
Estas eleições, não temos dúvidas, ficam a nos dever o debate sobre o Brasil que queremos.
Senhoras e Senhores,
Neste Colégio de Presidentes teremos a oportunidade de confrontar este e outros assuntos com repercussão direta na sociedade, e mesmo quando adentramos em questões consideradas corporativas, ainda assim o objetivo final será sempre o da cidadania.
Não posso deixar de mencionar, com profunda preocupação, a infeliz iniciativa do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, de propor que o Executivo, em projeto de lei, encaminhe mudança na composição do Conselho Nacional de Justiça para que nele possam ser incluídos dois novos representantes - do Superior Tribunal Militar e do Tribunal Superior Eleitoral.
Resta claro que se pretende, com isto, desequilibrar a representação em favor da magistratura, que passaria a contar com onze representantes, contra seis da sociedade civil. Um reflexo tardio, que imaginávamos superado, da incômoda posição de setores da magistratura diante da possibilidade de terem seus atos submetidos ao crivo da sociedade.
Ação e reação, é nosso dever também darmos respostas efetivas às preocupações da Advocacia brasileira em face das violações aos seus direitos por meio de uma Rede de Defesa das Prerrogativas Profissionais.
Prerrogativas que não são privilégios, e, mais além, direitos que não se restringem à pessoa do advogado ou advogada, pois dizem respeito ao próprio usuário da Justiça, o cidadão.
Apesar dos avanços já conquistados no campo das prerrogativas, não podemos transigir um só milímetro, nem dar trégua a esta luta enquanto houver magistrados que não cumprem seus horários de expediente; que chegam atrasados e saem antes do encerramento dos trabalhos; que não dispensam tratamento urbano aos advogados; que convidam advogados a se retirarem das salas de audiência; que não permitem que advogados retirem autos do cartório; que nem sequer realizam audiência.
Deve ser assinalado que quem descumpre prerrogativa profissional do advogado, prevista em lei, comete crime de abuso de autoridade.
Ilustres Presidentes,
Impõe-se à nossa classe inúmeros desafios, dentre os quais definir as linhas gerais do Regimento Interno da Corregedoria Nacional da Ordem dos Advogados, seja para balizar os procedimentos correcionais internos através de uma norma específica, seja para contribuir com o planejamento e auto-fiscalização de outros aspectos de nossa entidade, alcançando desde direitos e deveres do exercício profissional, aos tribunais de ética e disciplina.
Neste ponto, chamo a atenção para outro assunto de relevância junto à advocacia, por se inserir no contexto da advocacia globalizada, ou, para usarmos um termo mais atual, da advocacia transnacional, que pressupõe a parceria entre escritórios estrangeiros e brasileiros.
No particular, é imperioso combater a tentativa de introduzir na advocacia nacional um conceito com o qual jamais poderemos concordar, que é o da possibilidade da advocacia se tornar uma atividade comercial. A advocacia brasileira é revestida de "múnus publico", e sua mercantilização nunca será aceita na medida em que confronta seu próprio preceito constitucional.
E a reação virá na atualização - e endurecimento - do Provimento nº 91/2000, portanto de dez anos atrás, cuja atualização me parece necessária diante da dinâmica que o assunto vem tomando nos últimos tempos. Sem xenofobias, mas tão-somente preservando nossa soberania e lutando pela reciprocidade.
Por fim, acredito ser este o momento propício para diante de tão maus exemplos advindos do sistema eleitoral partidário, rediscutir o nosso processo eleitoral interno, não deixando ser contaminados por práticas condenáveis e toda a sorte de abusos.
São estes, meus prezados colegas, ilustres presidentes, alguns dos temas sobre os quais iremos trabalhar nos próximos dias. Antes, porém, reservo algumas palavras para a merecida homenagem ao centenário do jurista Miguel Seabra Fagundes, que presidiu o Conselho Federal da OAB nos anos de 1954 e 1956.
Senhoras e Senhores, em especial os familiares do ilustre jurista.
Fiz questão de frisar os anos da gestão para distingui-las do mandato de Eduardo Seabra Fagundes, seu filho aqui presente, também alçado à Presidência de nossa instituição de 1979 a 1981.
Mesmo sem nunca ter conhecido pessoalmente, aprendi a admirar a figura memorável de Miguel Seabra Fagundes. Mais ainda quando vejo uma coincidência rara: a influência exercida sobre o filho, que viria, assim como eu, seguindo as pegadas do pai, a alcançar tão distinta honraria.
Com sua postura corajosa, Miguel Seabra Fagundes se insere nos mais altos patamares de nossa instituição, seguindo a tradição de não calar a voz, de não se dobrar diante das pressões, de defender, intransigentemente, a dignidade humana, a cidadania, a moralidade pública, a justiça e a paz social.
Disse ele, em certa ocasião, que "é através das oportunidades de defesa que a justiça se torna menos falha", a demonstrar seu caráter humanista e democrático enquanto lutava pela reestruturação do habeas-corpus durante os anos de arbítrio.
Sua obstinada luta em defesa da legalidade, da Justiça, das liberdades e dos direitos humanos levou-o também a concluir que "no Brasil de hoje, todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que outros".
Talvez uma triste constatação, mas nem por isso motivo de desencanto. A frase encerra, a meu ver, uma convocação para que possamos concretizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre os quais destaco: construir uma sociedade livre, justa e solidária. Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Esta é uma tarefa coletiva. Vamos ao trabalho!
Muito obrigado."