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Presidente da OAB diz que projeto 'premia a impunidade'

domingo, 16 de maio de 2004 às 12h40

Brasília,16/05/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirma que está preocupado com o projeto de lei do senador César Borges (PFL), que tramita no Congresso Nacional. Ele diz ser totalmente contra a proposta que pretende alterar a legislação eleitoral atual e "premiar a impunidade". Busato, que participou de várias reuniões na última semana para discutir o assunto, acredita que o artigo 41-A da lei eleitoral (9.504/97), que permite à Justiça punir a compra de votos ainda durante o mandato, deve ser preservado. "Trata-se de um dos principais instrumentos da sociedade brasileira no campo da moralidade pública e combate à corrupção eleitoral", diz.

Borges pretende que a punição para crimes eleitorais só seja aplicada após sentença transitada em julgado, na última instância. Para Busato, desta forma o projeto retira os efeitos mais importantes da lei 9.840, ao admitir que a punição para o delito da compra de voto pode ficar eventualmente para depois do mandato. O presidente nacional da OAB afirma que qualquer medida que pretenda alterar a atual legislação em vigor é um "retrocesso".

Leia abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva ao jornalista Rodrigo Lima, do jornal Diário da Região , de São José do Rio Preto (SP).

P- Qual a preocupação da OAB em relação a este projeto de lei do senador César Borges?
R- O projeto pretende dar efeito suspensivo para os recursos que sejam interpostos em relação às decisões eleitorais. É justamente o artigo que, por iniciativa popular, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) colheram mais de 1 milhão de assinaturas visando dar efetividade às decisões (em primeira instância) sem depender do trânsito em julgado. Esse foi o fundamento.

P- São os princípios do combate à corrupção previstos na lei 9.840/99?
R- A OAB enxerga com muita preocupação porque a lei eleitoral tem de ter uma efetividade imediata, porque se trata de mandato. O mandato tem um tempo certo e, se a lei não tiver efetividade, nós, com essa gama de recursos que existem, estaríamos perpetuando o processo até o final do mandato. O que tornaria a impunidade novamente existente no País, o que se conseguiu evitar com a aprovação de lei (9.840) de iniciativa popular. A lei eleitoral tem toda a imediata efetividade de que se trata o mandato, que é atacado (hoje) pela legislação no combate da corrupção eleitoral. Na última quarta-feira reunimos senadores, a CNBB e o ministro do STF Nélson Jobim que estão preocupados com a perda de efetividade das decisões da Justiça Eleitoral.

P- O que o senhor acha do argumento usado pelo senador de que o acusado de crime eleitoral perde o amplo direito de defesa previsto na Constituição Federal?
R- Nós entendemos que o Brasil não pode retroceder no processo legal. Todas as pessoas devem responder ao devido processo legal, porém, a legislação eleitoral tem de ser tratada de forma diferenciada em relação ao seu tempo de cumprimento das decisões. Não se pode pegar o processo normal e comparar o efeito do processo de crime eleitoral. Eu disse até ao senador Ramez Tebet (PMDB), que estava falando nesse sentido, (o seguinte): ''Senador, o senhor tem uma expectativa de vida de 80 anos hoje no Brasil. Então, uma decisão que demore 10, 15 e 20 anos ainda pode lhe atingir vivo. Mas, uma decisão envolvendo o mandato eleitoral, normalmente é de quatro anos. E uma decisão dessas tem de vir em um tempo muito menor do que um processo natural. E, veja bem, se houver injustiças ou abusos por parte do Judiciário em relação a um político que está sendo julgado, ele pode conseguir efetivo suspensivo (da sentença) por meio de uma medida cautelar, demonstrando o efetivo prejuízo que está tendo. Então, não deve voltar ao tempo anterior em que o processo não se terminava nunca durante o mandato. Ninguém perdia o mandato. Isso é verdade. Se tirarmos os benefícios da lei que veio devido à necessidade de efetividade da decisão (em primeira instância), vamos premiar a impunidade. Ninguém mais vai perder o mandato por causa de corrupção eleitoral''.

P- A lei 9.840 é responsável por coibir os casos mais imediatos, como a compra de votos?
R- São esses casos que podem ficar impunes. Se houver uma grande indisposição em relação àquela pessoa que está sendo julgada por parte da Justiça, sempre existe a possibilidade de uma medida cautelar para conseguir o efeito suspensivo dessa decisão. Então, não é que o político fica completamente sem direito no processo legal. Se ele usar de artimanha para fazer sua defesa sem o mandado, evidentemente ele (o político acusado) vai pensar duas vezes.

P- O projeto de lei do senador contribui para impunidade dos candidatos que não merecem concluir o mandato? Em algumas circunstâncias, até usam o Judiciário para terminar seus respectivos mandatos?
R- Vai acontecer isso, porque não se pode abusar da advocacia, que usa de artimanhas para manter o político. O advogado, tendo o recurso legal, será obrigado a recorrer a favor do seu cliente. Com os recursos, o mau político que praticou a corrupção eleitoral vai conseguir, por meio de seu advogado, protelar a decisão do processo até o fim do seu mandato. E é próprio da legislação eleitoral a não existência do efeito suspensivo das suas decisões, e assim também é o estatuto da OAB. A matéria eleitoral não tem efeito suspensivo devido à efetividade imediata.

P- Em quais instâncias estão sendo julgados os crimes eleitorais? O limite é o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ou sobe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
R-Hoje, as decisões ainda chegam até ao TSE. A Justiça Eleitoral tem agindo com destreza, principalmente o TSE.

P- A que o senhor atribui o desconforto de representantes do Judiciário para falar sobre esse projeto de lei?
R- Quem participa das decisões da Justiça envolvendo as matérias eleitorais sabe que, se houver o efetivo suspensivo (da atual legislação eleitoral), ninguém mais será punido. O político corrupto não será punido. Vamos generalizar a corrupção. Evidentemente, aquele político decente, que não usa de artifícios para conseguir sua eleição, vai ter de fazer (atos ilegais) porque terá de equiparar em força com o mau político que compra voto, que faz promessas, que usa o poder econômico para influenciar o cidadão na hora do voto. Então, a aprovação dessa lei é voltar no tempo, para o processo político completamente pervertido.

P-Quais foram os motivos que levaram a OAB a encampar esse posicionamento contra a proposta do senador César Borges?
R- A OAB, junto com a CNBB, entende que tem uma responsabilidade social muito importante. Nós entendemos que temos a obrigação de manter essa lei de iniciativa popular. A Ordem e a CNBB estão altamente envolvidas nisso e nós tivemos naturalmente o alinhamento por parte do Judiciário . Nós devemos continuar nesta batalha porque a Justiça Eleitoral precisa de instrumentos moralizadores nas eleições, principalmente nas eleições municipais. É neste período que acontece mais problemas envolvendo a corrupção eleitoral.

P-Existe espaço hoje para os políticos que dependem de meios ilícitos para se eleger?
R- O cidadão está consciente da sua participação ativa nas eleições. Temos encontrado respaldo da população (para nossas atividades) em geral. Tanto a OAB como a CNBB. Até mesmo os senadores que discutiram a idéia (o projeto de lei de César Borges). A Justiça Eleitoral está procurando, dentro da sua jurisprudência, discutir a moralidade nas eleições.

P-A OAB vai participar então das articulações políticas para barrar o projeto de lei, que segundo o senhor "premia a impunidade"?
R- Sem dúvida. Vamos participar até o fim.

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