OAB exigirá auditoria do Congresso sobre dívida externa
Brasília, 16/04/2004 - O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o Congresso Nacional a instalar comissão para realizar auditoria da dívida externa. A ação de descumprimento de preceito fundamental, prevista na lei 9882/99, tem o objetivo de exigir que o Congresso aplique o artigo 26 das Disposições Transitórias, da Constituição Federal - dando um ano para o Congresso Nacional promover, através de comissão mista, auditoria sobre os fatos geradores da dívida externa brasileira.
Leia abaixo a entrevista concedida ao jornalista Luiz Aparecido, do jornal A Classe Operária (www.vermelho.org.br).
"O paranaense Roberto Busato, 49 anos (um dos mais jovens presidentes da OAB), o mesmo homem que considera que a Reforma Jurídica precisa ser acelerada, que os pobres precisam de maior assistência judicial pública, e quer a oficialização dos cartórios, quer também ver o Brasil questionando sua divida externa.
P - Qual a posição da OAB nacional sobre a Reforma do Judiciário e suas implicações políticas e jurídicas?
R - Entendo que a votação da reforma do Judiciário é mais do que prioridade, é uma emergência institucional. Embora seu projeto já tramite há doze anos no Congresso, congratulo-me com o governo federal por ter reconhecido a natureza prioritária dessa demanda. Entre as várias propostas de mudança que essa reforma deve conter, destaco a adoção de um controle externo para o Judiciário, que considero indispensável para a transparência que deve haver nas relações dos poderes com a sociedade. A defesa do controle externo não pode ser compreendida como gesto depreciativo ao Poder Judiciário. Não se trata também de controlar mentes e sentenças. O controle deve se focar nos atos de gestão, nos atos administrativos dos tribunais superiores e do Judiciário como um todo.
P - Como o senhor e sua entidade vêem o controle externo do Judiciário?
R - Somos rigorosamente favoráveis à adoção de um controle externo para o Judiciário e acredito que uma parcela significativa de magistrados já se posiciona favoravelmente a essa idéia. No início houve protestos por parte da magistratura porque o clima no Congresso era de CPI para investigar o Judiciário e transmitiu-se a falsa idéia de que haveria interferência de um Poder sobre outro. A OAB sempre defendeu que esse controle fosse exercido por um colegiado que tivesse participação daqueles que fossem, por definição constitucional, essenciais à prestação jurisdicional: advogados, membros do Ministério Público e magistrados. Este controle estaria atento à administração e aos atos de gestão do Judiciário, mas nunca deve interferir em sua atividade-fim, ou seja, na decisão do juiz. Entendemos que o magistrado precisa trabalhar com independência. Se o juiz não tiver plena independência para julgar, estaremos decretando o fim da Justiça. Nós elogiamos a aprovação do controle externo para o Judiciário, afinal, até o momento não existia qualquer tipo de controle, mas acredito que sua efetividade seria muito maior se o parecer de José Jorge não tivesse excluído a proposta apoiada pela OAB, de que os membros do Conselho Nacional de Justiça tivessem poder para punir disciplinarmente juizes comprovadamente envolvidos em casos de corrupção.
P - Da forma como está sendo conduzida a Reforma, os interesses maiores da nação e do povo vão ser atendidos?
R - Nem todos, porque o que a sociedade mais queria com a reforma era que os julgamentos de processos pelo Judiciário fossem mais céleres. No entanto, sozinha, a reforma do Judiciário não conseguirá imprimir a celeridade que se espera aos julgamentos de processos. A reforma ideal deveria ser acompanhada de uma série de reformas menores, igualmente importantes. Há anos reclamamos uma reforma infraconstitucional, para que as normas processuais sejam menos burocráticas, mais ágeis, inclusive com a adoção de medidas tecnológicas modernas que sejam capazes de ativar os atos processuais sem, obviamente, criar qualquer cerceamento ao direito de defesa e ao contraditório. Temos no Brasil um trâmite processual que não acaba nunca e é preciso dar um basta nisso. Às vezes, a parte fica dez anos discutindo um processo, ganha e no final descobre que não vai receber de imediato. Aí é preciso mover outro processo, o de execução, ou seja, a briga na Justiça não termina nunca.
P - Como os advogados vêem o funcionamento hoje do Sistema Judiciário?
R - Com preocupação. No nosso entendimento, para termos uma Justiça que seja célere, eficiente e acessível a todos precisamos, primeiro, de um Judiciário preparado. As razões da morosidade da Justiça brasileira têm raízes históricas, a começar pela própria legislação, que acaba por confundir juizes e advogados e abre brechas para o sentimento de grande litigiosidade que sempre dominou o poder público. Este é, na minha opinião, o grande responsável pela demora no julgamento dos processos no País. É o poder público, e não o cidadão comum, o responsável pela montanha de processos que sufoca os tribunais. Se o governo fosse mais honesto e optasse por não litigar de má-fé, nós conseguiríamos reduzir o número de processos no País em torno de 80%, sem dúvidas.
P - O senhor tomou conhecimento da Medida Provisória, que estende os benefícios da anistia e das reparações e pensões políticas, para os descendentes dos mortos e desaparecidos políticos do tempo da ditadura militar? O que o senhor achou dela?
R - A Medida Provisória - pena que seja Medida Provisória, e não uma Lei - é boa porque, já que os ascendentes não foram beneficiados pela Anistia, é justo que dentro dos critérios estabelecidos pela medida e pela Comissão de Anistia, os descendentes sejam beneficiados. É uma Medida Provisória que está, portanto, de acordo com o espírito - digamos assim - do instituto da Anistia. Mas reiteramos: seria preferível uma Lei.
P - Por que os processos de anistia e reparações estão demorando tanto? A OAB pode ajudar ou contribuir para apressar esses processos?
R - Embora tenhamos informação de que é grande o número de processos sobre a anistia e reparações um dos fatores apontados como responsável pela demora na concessão de muitos benefícios, entendemos que o governo precisa adotar medidas para agilizar o seu exame. Essa maior agilidade se reivindica até em razão do caráter alimentar desse benefício. Se o problema for carência de pessoal, reduzido número de assessores da Comissão face ao elevado número de processos, que se procure dotá-la de mais recursos humanos. A OAB está à disposição do governo e da Comissão de Anistia para contribuir no que for possível para tornar mais ágil o exame desses processos. O que não pode é a reparação demorar indefinidamente, em prejuízo dos cidadãos que já foram prejudicados enormemente pela ditadura militar no passado.
P - Uma das questões mais sentidas pelo povo pobre do Brasil, é a assistência jurídica e judicial. Como a OAB pode contribuir para que a assistência para as pessoas pobres e as que estão nos rincões do Brasil seja estendida com eficácia?
R - É preciso implantar uma nova estrutura para a Defensoria Pública e tornar a prestação da assistência jurídica gratuita à população carente um serviço público de qualidade e eficácia social. A questão da autonomia financeira precisa ser aprofundada, levando-se em conta a realidade da prestação desse serviço. Essa é uma questão que ainda carece de debates e de maior atenção por parte do governo e dos legisladores.
P - A OAB tem uma proposta objetiva para que a assistência jurídica aos pobres e necessitados seja implantada em todo o Brasil?
R - Entendo que existem dois caminhos para acabar com a exclusão social no tocante à Justiça. Um deles é brigar para que seja oferecido um melhor serviço de advogados públicos para carentes, estruturando-se a carreira de defensor público. O segundo caminho está na oficialização dos cartórios. Hoje, as custas no Poder Judiciário são extremamente onerosas para a população. No Paraná, que é o meu Estado, já se começa a "publicizar" os cartórios. Com isso, o Estado dá sua contribuição porque torna mais fácil o acesso à população. Outro bom exemplo é o da Justiça Federal, que cobra um décimo das custas da Justiça Estadual e responde muito mais rápido porque possui mais funcionários, melhor estrutura física e uma qualidade de serviço bastante razoável.
P - Como o senhor vê a ação do Ministério Público e principalmente do subprocurador Santoro e seus colegas no caso Waldomiro/Carlos Cachoeira?
R - Nós estamos discutindo detalhes e circunstâncias do acontecimento, mas não estamos discutindo a real causa de todo esse escândalo, a investigação e nem a verdade. E é isso que a sociedade brasileira está se questionando. Isso está acontecendo porque, quando não há transparência e nem a intenção real de pôr os fatos a limpo, é natural que surja uma série de incidentes como este, que não resolvem nada. Para mim, este acontecimento envolvendo o subprocurador da República reforça a velha tese de que a CPI seria o instrumento ideal para definir, de uma vez por todas, o que aconteceu de fato nesse escândalo. Eu acredito que se o governo tivesse tomado a iniciativa corajosa de apoiar a CPI, em vez de fazer uma operação-abafa, a CPI já estaria instalada há muito tempo e o foco de atenções estaria voltado apenas para o escândalo Waldomiro e não para o governo.
P - Acha que ele realmente extrapolou de suas funções e faz parte de uma "conspirata" para prejudicar o ministro chefe da Casa Civil José Dirceu e o governo do PT como um todo?
R - Eu não conheço todos os fatos. Não posso, portanto, afirmar que o subprocurador extrapolou os limites, mas que existe algo de estranho nessa história existe. Eu acho que o Ministério Público também deve ter, além da independência em suas investigações, total transparência no esclarecimento dos fatos, pelo menos internamente. Quando vemos que o subprocurador estava preocupado com a chegada de Cláudio Fonteles e com a ciência que seu superior hierárquico pudesse ter daquela investigação, o subprocurador demonstrou que não existe transparência em seus atos.
P - Como o senhor e a OAB vêm essa constante discussão entre os poderes Judiciário/Executivo e eventualmente o Legislativo em torno de questões políticas e polêmicas?
R - As discussões e até mesmo certas divergências de posicionamento entre os Poderes são rotina na vida democrática. O que não se admite são agressões intrapoderes ou qualquer tipo de atitude que convirja para ferir a harmonia e independência que devem existir nesse relacionamento. Mais importante de tudo, porém, é que a sociedade brasileira, hoje mais do que nunca, está a exigir dos três Poderes da República que tenham transparência. Essa é - precisa ser - a palavra-chave, sem espaço para revanchismos, de lado a lado. Tenho defendido que o princípio do controle externo (em discussão para o Judiciário) se aplique aos três poderes. Não pode o governo ser posto em dúvida quanto à sua honorabilidade ou de qualquer de seus integrantes. Isso o enfraquece para o enfrentamento das forças reacionárias, que se opõem às tão necessárias mudanças. O Judiciário, por seu turno, tem papel inestimável nesse processo. Deve continuar aprimorando essa sintonia mais fina com a opinião pública e os demais Poderes, ciente de que assim poderá cumprir efetivamente sua missão de promover e distribuir Justiça."
