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XX Conferência: discurso do presidente da OAB de Tocantins, Ercílio Bezerra

quarta-feira, 12 de novembro de 2008 às 10h16

Natal (RN), 12/11/2008 - Íntegra do discurso do coordenador do Colégio de Presidentes das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da OAB do Tocantins, Ercílio Bezerra de Castro, representando as 27 Seccionais da entidade na XX Conferência Nacional dos Advogados:

"Senhoras e senhores,

A celebração dos vinte anos da Constituição de 1988 não exclui de suas efemérides a constatação de que precisa ser aprimorada.

A simples existência de 58 emendas a seu texto original e mais de mil propostas de novas emendas em tramitação no Congresso mostram que a dinâmica da vida contemporânea clama por atualização e adequação de seu texto às demandas da realidade.

Não há dúvida de que se trata de uma das constituições mais avançadas no que se refere aos direitos e garantias individuais, o que deve ser preservado e defendido pela consciência democrática de nossa sociedade. Não há dúvida também que, em face de tais conquistas, inaugurou entre nós o que poderíamos chamar de Era da Cidadania.

Tudo isso nos faz defendê-la e celebrá-la, mesmo sabendo de algumas deficiências graves que ostenta. A principal delas, a meu ver, relaciona-se à política.

É paradoxal que, ao tempo em que louvamos as excelências do Estado democrático de Direito, lamentemos a deterioração de nossas instituições políticas, o descrédito dos homens públicos, a degradação dos partidos e do processo eleitoral.

Tal paradoxo, que remonta ao início da redemocratização, pela qual tanto lutamos - e que nenhum de nós quer ver suprimida -, é insustentável. Em algum momento, se nada fizermos, estaremos novamente sujeitos ao aventureirismo autoritário.

E o que é preciso fazer para evitá-lo? Simples: restabelecer a credibilidade da sociedade brasileira na política - e nos políticos. Não há democracia sem política - sem partidos, sem Legislativo e Executivo eleitos e acreditados pela sociedade.

E como corrigir as distorções presentes? Primeiro é preciso diagnosticá-las. Claro está - e a OAB tem sido recorrente em suas manifestações nesse sentido - que o sistema político que temos, além de disfuncional, é indutor da corrupção.

Em 1870, numa reunião com seu ministério, o imperador Pedro II constatava que (aspas) "todos os males enfrentados pelo Brasil decorrem do modo como são feitas as eleições".

Faz 138 anos que isso foi dito e, mesmo assim, com todas as mudanças que o país viveu desde então, continuamos sob aquela sentença: o modo pelo qual as eleições se fazem no país responde por todos os seus males políticos.

Esse processo eleitoral imperfeito, espúrio, contamina todo o processo governativo. O grande capital - e não só o legítimo, mas também o do crime organizado - financia os candidatos e, depois, cobra o financiamento não em dinheiro, mas em decisões e atos administrativos, o que torna o Estado brasileiro presa de interesses privados.

Eis em síntese o que temos. Urge, portanto, reformar o sistema eleitoral - e, com ele, os partidos. A OAB, há anos, bate nessa tecla. Já na administração passada, produziu um denso anteprojeto de reforma política, que encaminhou ao governo federal e aos presidentes da Câmara e do Senado, sem que o tema os sensibilizasse e produzisse efeitos práticos.

Recentemente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, retomou o assunto e encaminhou à OAB a proposta que o governo mandará ao Congresso. Esperamos que, desta vez, o debate gere efeitos concretos.

Nossa proposta foi objeto de análise crítica por parte de renomados jornalistas e intelectuais do meio acadêmico, ocupando páginas nobres da imprensa nacional.

Registre-se a participação decisiva nessa tarefa de sustentação pública dos fundamentos de nossa proposta do jurista e Medalha Rui Barbosa, professor Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da República e da Cidadania.

Colaborador de diversos jornais, publicou artigos esclarecendo o sentido e a urgência da reforma política proposta pela OAB, à qual se vinculou desde a origem, pois a sugeriu, coordenou o fórum de entidades da sociedade civil que a formulou e a relatou perante o plenário do Conselho Federal no final do 2006.

Da mesma forma, agiram os presidentes Roberto Busato e Cezar Britto, mostrando que a OAB encaminhava sugestões concretas e objetivas.

Portanto, ao reclamar a reforma política, não se limitava à crítica meramente adjetiva. Dava-lhe substância, mediante apresentação de proposta, que, imperfeita ou não, insuficiente ou não, enseja discussão objetiva da matéria.

E essa discussão, infelizmente, ainda não começou. Recapitulo aqui, resumidamente, o teor da exposição de motivos dessa proposta, que sustenta que (aspas) "as dificuldades econômicas que o país tem enfrentado ao longo dos últimos 25 anos relacionam-se com a crise de credibilidade política, que, por sua vez, decorre de três fatores básicos, a saber:

1) persistente marginalização do povo, impedido de participar diretamente das grandes decisões políticas, não só na esfera nacional, mas também no plano local; 2) representação popular falseada, que acabou criando um pequeno mundo político irresponsável, cada vez mais distanciado da realidade social; 3) incapacidade institucional do Estado brasileiro de elaborar e conduzir programas de ação de longo prazo, com base num projeto de desenvolvimento nacional.

De crise em crise - e sobretudo com o indefectível adiamento das soluções, geração após geração -, chegamos aos dias de hoje, em que os segmentos formadores de opinião se perguntam se há solução para tantos impasses. Há. Basta determinação política." (fecha aspas)

A proposta da OAB não se pretende terminativa. Nem supõe alcançar toda a abrangência do tema. Mas apenas deflagrar a discussão objetiva. Numa primeira etapa, a proposta envolve mudanças nos sistemas eleitoral e partidário.

Propõe o fim da reeleição para cargos executivos em todos os níveis, além de estabelecer o financiamento público das campanhas e o recall, como meio de estabelecer controle sobre os eleitos.

Com relação aos partidos, não pretende, como é óbvio, torná-los fortes e autênticos por via de lei, o que seria artifício primário.

O que se quer é minorar, tanto quanto possível, a predominância do caciquismo interno e de sua instrumentalização pelo poder econômico privado.

Para tanto, propusemos, entre outras providências: proibir o parlamentar eleito de mudar de partido, a contar da data da eleição e durante toda a legislatura; proibir os partidos de receberem doações, devendo manter-se exclusivamente com as contribuições de seus filiados e os recursos do Fundo Partidário.

No quesito financiamento das campanhas eleitorais, a OAB propõe a adoção do sistema francês, que atribui à Justiça Eleitoral o poder de fixar um limite máximo de despesas dos candidatos, em cada eleição. A Justiça Eleitoral pagará também, a título de reembolso, uma quantia determinada, variável conforme a eleição, a cada candidato cujo patrimônio e cuja renda tributável não sejam superiores a determinado montante, desde que tenha recebido, na eleição, pelo menos 5% da totalidade dos votos válidos no distrito.

Cabe também à Justiça Eleitoral, nos termos de nossa proposta, fixar, para cada eleição, o montante máximo de doações que cada candidato está autorizado a receber. A infração a essas disposições impede o candidato eleito de tomar posse no cargo e, se já empossado, acarretar a perda do mandato.

Há ainda medidas relacionadas a inelegibilidades, coligações, acesso à propaganda gratuita na mídia eletrônica e à prestação de contas de campanha, sempre com o objetivo de dar transparência, conteúdo popular e funcionalidade ao processo político.

Há outras proposições. Fiquemos nestas. Já seriam suficientes para transformar e higienizar o ambiente partidário. Mas acabamos de vivenciar mais um processo eleitoral - as eleições municipais do mês passado - sob as mesmas regras que impõem descrédito ao sistema político vigente e a seus agentes. Mais uma oportunidade perdida.

Sabemos que a reforma política não é panacéia, nem um fim em si mesma. Mas é ponto de partida imperativo para a restauração da confiança popular em nossa República.

Se feita em profundidade, sob a supervisão da sociedade civil e levando em conta sua natureza plural, confere respeitabilidade ao processo e aos próprios legisladores.

E é essa respeitabilidade, que deriva do fator confiança, que hoje está em falta. Sem ela, o processo político não se sustenta, e o Estado democrático de Direito corre riscos. Sérios riscos.

Zelo obstinadamente pelo mandamento segundo o qual a OAB não tem - e não pode ter - partido político, nem ideologia. Faz - precisa fazer - a Política com "P" maiúsculo, de que falava Ruy Barbosa, sem jamais envolver-se em seu varejo.

Lembro neste momento do histórico discurso do Presidente Roberto Busato, proferido na posse do Min. Edson Vigigal na Presidência do STJ, quando disse: "A OAB não tem partido nem ideologia. Ou por outra, sua ideologia é a defesa da cidadania - e seu partido político é a Pátria"

Foi nesses termos que enviamos ao Congresso Nacional a proposta de ampla reforma política. E é nesses termos que hoje estamos aqui, novamente, a cobrá-la.

Sabemos que está em tramitação na Câmara dos Deputados emenda de autoria do deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo, que permite uma segunda reeleição para cargos executivos.

O argumento central daquele deputado, sustentado em coro por diversos parlamentares da base governista e pelo próprio vice-presidente José Alencar, é o de que o presidente da República desfruta de grande popularidade e que, nesses termos, sua permanência corresponderia à vontade da maioria do povo.

Ora, a popularidade dos governantes, além de sujeita a oscilações, não está acima das leis, nem lhes dá lastro moral para revogá-las.

A idéia de um terceiro mandato para o atual presidente da República em face de alta nas pesquisas de opinião pública abre precedentes perigosos.

Faria com que cada governante que se empossa passasse a sentir-se instado a mudar as regras do jogo e para tanto passasse a investir pesadamente em propaganda. Democracia supõe transitoriedade dos mandatos e alternância no poder.

Caso contrário, tem-se um paradoxo: a república imperial, entronizando no poder indefinidamente um presidente-monarca. Foi o que pretendeu Hugo Chavez, presidente da Venezuela, com êxito parcial e conhecidos danos para a democracia em seu país.

No Estado democrático de Direito, a lei é o referencial supremo. Se não é boa, pode - e deve - ser mudada. Para tanto, há o Congresso Nacional, com seu poder reformista.

Mas há cláusulas pétreas, princípios intocáveis, que até mesmo uma Constituinte originária (que tudo pode) deve preservar. No caso da democracia, a periodicidade dos mandatos e a alternância no poder. Sem isso, ela deixa de existir.

Se um terceiro mandato presidencial consecutivo é bom como princípio, pode ser adotado, mas não pode beneficiar quem já está no poder.

Legisla-se para situações futuras, tendo em vista o aprimoramento institucional. De outra forma, o que se tem é casuísmo puro. Como foi a reeleição ao tempo de Fernando Henrique - e como seria agora a re-reeleição, na Era Lula.

Sempre que a popularidade é invocada para legitimar o que não é legítimo, o cidadão sai derrotado. Não é preciso ir longe. Basta constatar que os grandes tiranos do século passado, que provocaram conflitos de âmbito mundial, com muitos milhões de vítimas, eram popularíssimos. Hitler, Stalin, Mussolini. Etc. etc.

São estas as reflexões que trago a esta XX Conferência Nacional dos Advogados, na certeza de que são mais que oportunas: são emergenciais, inadiáveis.

Não adianta o país aprimorar seus índices econômicos se a política vai mal. É ela instrumento vital para educar o povo, torná-lo partícipe efetivo da gestão de seus direitos. E a política brasileira vai mal e está a pedir intervenção direta da cidadania.

Neste momento de tantas preocupações, cabe à OAB - tribuna da cidadania - ação mais contundente no sentido de cerrar fileiras em torno da reforma política. Ou mobilizamos a sociedade brasileira ou teremos que nos conformar com as conseqüências, claramente previsíveis, diante da deterioração contínua e acelerada das instituições políticas da República.

Por igual, é primordial que neste momento sublime para a advocacia brasileira, que também reflitamos e coloquemos em pauta, matérias de significativa relevância institucional, tal como a defesa das prerrogativas dos advogados, a manutenção do exame de ordem como instrumento de aprimoramento do ensino jurídico.

Não mais se admite que os advogados brasileiros sejam constrangidos na promoção da defesa de seus constituintes. Que a Lei 8.906, seja considerada um mero Estatuto por membros do judiciário, como se tratasse de um instrumento corporativo e não de uma garantia da cidadania, reflexo do trato que o constituinte originário trouxe à matéria, quando disse textualmente que o advogado é indispensável à administração da justiça.

Urge que se criminalize a conduta daqueles que ousam descumprir com o texto legal, pois quem atenta contra as prerrogativas do advogado, ofende a cidadania e fere preceito constitucional.

Igualmente, comete atentado contra à sociedade brasileira e ao ensino jurídico, aqueles que de forma maldosa, e, intencionalmente dolosa, buscam extinguir o exame de ordem.

Não há neste país, instrumento mais eficiente de aferição da qualidade do ensino jurídico, não se trata portanto, de reserva de mercado, muito pelo contrário, pois se a Ordem já é respeitada com seus mais de seiscentos mil inscritos, imaginem se tivesse quatro milhões.

Retirar da sociedade brasileira o único instrumento confiável de aferição da qualidade do ensino jurídico, é ato de lesa pátria.

Ilustres colegas, caríssimos estudantes de direito, a Conferência Nacional dos Advogados é o foro mais amplo, competente e legítimo para discutirmos todas as questões institucionais ou corporativas, bem como aquelas que afligem a vida brasileira.

Ontem na magnífica e histórica abertura deste evento pudemos constatar isto. Ao longo destes cinqüenta anos foram as conferências marcos determinantes da vida política brasileira e momentos de maiores reflexões da advocacia nacional, nesta não será diferente.

Porem, é imperioso senhor Presidente, que se reconheça o papel fundamental nesta história, dos representantes de cada Seccional da Ordem, pois são eles que atuam na base, como verdadeiros agentes, que divulgam e promovem o evento.

Não é possível se realizar uma Conferência Nacional sem que haja o envolvimento efetivo daqueles que são as vozes mais próximas dos advogados e estudantes, e a prova disso é a presença unânime de todos os Presidentes Seccionais neste momento. São portanto, merecedores do reconhecimento.

No texto de abertura da última edição do Estatuto da Advocacia e Legislação Complementar, o Presidente Cezar Britto, sustenta que "O coração que pulsa no peito da advocacia é o mesmo que bate no coração da cidadania. O sangue que o alimenta é do combate à exploração. O pulsar das suas veias é o da rebeldia de se postular Justiça no país da desigualdade e da concentração de renda."

Firmes nestes propósitos, sejamos agentes transformadores da sociedade brasileira, que nossos corações pulsem clamando justiça e igualdade. Que em nossas veias corram o sangue da liberdade e da cidadania.

Muito obrigado."

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