Britto: 'Quem não serve como juiz, não serve como advogado'
Brasília, 26/02/2008 - Em resposta às declarações de Rodrigo Rebello Pinho, Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que acusou a OAB de São Paulo (Ordem dos Advogados do Brasil) de conduta fascista, o presidente nacional da Ordem, Cezar Britto, retruca: Quem acusou não conhece a história do fascismo nem a história da OAB.
A alusão ao regime de Mussolini baseia-se na divulgação por parte da OAB de uma lista de juízes, delegados e promotores desagravados pela instituição. Pinho alcunhou a lista de "inimigos dos advogados". Os "listados", na visão da OAB, seriam autoridades que emperram a advocacia, por exemplo, ao impedir o acesso de advogados a clientes e processos. Britto nega que a lista reúna inimigos e pretenda inibir autoridades do Poder Judiciário, mas argumenta que sua publicação é amparada por lei:
- O desagravo é previsto em lei, deve ser realizado em sessões públicas, que são divulgadas. É o legítimo direito de expressão de uma categoria em relação a atos cometidos contra ela.
Em ato da OAB na sede de São Paulo, na segunda-feira, 25, Cezar Britto sugeriu um veto a autoridades que queiram advogar. - O que sugeri foi a análise mais aprofundada da idoneidade moral. Um juiz aposentado compulsoriamente a fim de evitar sua punição não pode tornar-se advogado.
Procurada por Terra Magazine, a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo informou que Rodrigo Rebello Pinho não dará declarações sobre o assunto.
Confira a íntegra da entrevista com Cezar Britto, presidente nacional da OAB, ao repórter Daniel Milazzo, do Terra Magazine:
Terra Magazine: Como o senhor julga a declaração de Rodrigo Pinho, Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, que acusa a OAB de conduta fascista?
Cezar Britto: Quem criticou a OAB de fascista não conhece a história do fascismo nem a história da Ordem. Porque a história da OAB sempre foi de combate aos regimes e instrumentos autoritários no Brasil, sempre contrária ao amordaçamento do Ministério Público.
Sobre a lista dos supostos "inimigos dos advogados"...
Não há essa lista de inimigos. O que há em São Paulo e em alguns estados é a publicação na página da Ordem da relação das autoridades que foram objetos de ações de desagravo, represália, resposta, retaliação e que a OAB procedeu o desagravo, quando as autoridades violaram as prerrogativas dos advogados. Inclusive, o desagravo é instrumento previsto em lei. É direito do advogado ser desagravado e um dever da Ordem realizar este ato, cumprindo uma obrigação legal.
Mas a lista não inibe promotores, delegados e juízes?
Não há uma relação de inimigos da OAB. Quando um advogado é agravado no exercício da profissão, a OAB faz uma sessão para desagravar, mostrar o apoio que se tem à sua ação e o repúdio ao fato e aos atos cometidos por aquele que o agravou. Isso é previsto em lei, deve ser realizado em sessões públicas, que são divulgadas. É isso que a OAB de São Paulo faz, faz um desagravo público e registra num de seus arquivos na internet a relação das pessoas que tiveram os desagravos concedidos. Nada mais do que isso. É o legítimo direito de expressão de uma categoria em relação a atos cometidos contra ela.
Essa lista não acarreta represália aos nomes que estão nela?
Não, mas faz o registro de que alguns atos praticados por tais pessoas violaram as prerrogativas de defesa do cidadão e do advogado.
Como o senhor enxerga todo esse imbróglio?
O episódio de São Paulo foi lamentável, pois envolve o chefe de uma instituição Procuradoria-Geral de Justiça que é irmã e parceira da OAB na construção do Poder Judiciário. Com atos como esse, todos saem perdendo, pois é transmitida a imagem de uma disputa interna, que é irreal.
Em ato da OAB, o senhor sugeriu vetar autoridades afim de advogar. Poderia explicar isso melhor?
Aos que pretendem integrar a Ordem, a idoneidade moral deve ser observada durante período de inscrição, através de processo em que se garanta ampla defesa, e assim declarado por dois terços do conselho da OAB. Nós temos que nos debruçar também sobre as aposentadorias e sobre os processos disciplinares juízes, promotores e delegados sofreram nas suas profissões, e com base nisso analisarmos os requisitos e as práticas adotadas durante o exercício profissional pra saber se estes são compatíveis com o exercício da advocacia. A punição lá, também serve como referencia para a punição aqui. Quem não serve par ser juiz, não serve para ser advogado. Aqueles que na sua vida profissional praticam atos incompatíveis com o exercício da advocacia podem se tornar advogados posteriormente? Por exemplo, um delegado que em sua vida profissional reiteradamente desrespeita advogados, não permite advogados a conversar com presos conforme o estatuto, faz agressões físicas e morais a advogados, isso tudo não é incompatível com o exercício da advocacia. Teria ele idoneidade pra exercer a profissão que ele já mostrou desrespeitar? O que sugeri em ato da OAB foi a análise mais aprofundada desse requisito, pois diz respeito à idoneidade. Um juiz aposentado compulsoriamente a fim de evitar sua punição não pode tornar-se advogado.
Por fim, como o senhor recebe as críticas à OAB?
O ataque à advocacia está num exagero incompatível com o estado democrático de direito. Há casos de ordem judicial em que se manda grampear a conversa do réu preso com seu advogado, o que é exageradamente inconstitucional. Um desrespeito à advocacia e à cidadania, pois revoga o direito básico do cidadão de se defender e de não se auto-incriminar.