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Britto: omissão do Congresso fez Judiciário legislar sobre greve

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008 às 08h10

Brasília, 25/01/2008 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, em entrevista à revista "O Trabalho", criticou duramente o Poder Legislativo no Brasil pelo que chamou de "omissão legislativa e subserviência à vontade do Poder Executivo". Segundo observou, em função da omissão do Congresso nacional, que discute mais medidas provisórias que projetos de leis originários das duas Casas, em alguns casos o Poder Judiciário se vê na contingência de exercer o papel de legislador. No caso do Direito de greve dos servidores públicos, por exemplo, ele observou que "o Supremo Tribunal Federal supriu uma lacuna - até porque a Constituição já assim prevê, quando criou o instituto do Mandado de Injunção -, e decidiu bem".

Na entrevista, Britto destacou também a existência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como "importante instrumento social, hoje atacada por aqueles que vêem no trabalho mero custo de produção", e criticou a permanência da contribuição sindical obrigatória. "Espero que um dia ela deixe de existir e que o sindicato de empregado ou patronal tenha retribuição pela ação e não pela premiação obrigatória", disse.

Com relação ao processo eletrônico que começa a ser implantado no sistema judiciário brasileiro, o presidente nacional da OAB lembrou que a entidade ingressou com ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal contra a lei que acaba com o processo em papel. Para ele, o processo totalmente eletrônico deve ser implantado gradualmente, até porque o formato papel "não pode ser abolido abruptamente face à exclusão digital ainda muito forte na categoria dos advogados".

A seguir, a íntegra da entrevista do presidente nacional da OAB:

P- Na área trabalhista, quais as prioridades, na sua gestão, na presidência da OAB Nacional?
R- O mundo vive um dilema em relação ao conceito de direito do trabalho, sob a compreensão e o papel do trabalho no mundo. O trabalho, ao longo da história, se configurou como fator da dignidade humana fundamental para permitir que o trabalhador, através dele, possa sobreviver, ter uma vida respeitável para si e para a sua família. Este conceito do direito do trabalho, hoje, choca-se com outro conceito, que é o trabalho como mero custo de produção. Um instrumento que atrapalha a competitividade das empresas, que no peso da balança social, ele seria mais prejudicial à saúde de um País do que favorável ao desenvolvimento deste mesmo País. São estes dois conceitos do Trabalho, que estão a dividir o mundo. Este é o dilema que nós vamos enfrentar. Hoje, a China passa a ser o paradigma para os países no campo da competitividade. E é exatamente na China que o trabalho é compreendido como fator de custo de produção. Talvez seja este, certamente o desafio do Conselho Federal, neste mandato, em relação ao Trabalho, principalmente, agora, que avizinha a discussão sob o novo Código do Trabalho para o Brasil. O Conselho Federal da OAB deverá se debruçar sob o tema, para que se faça prevalecer o conceito que sempre defendeu: que o trabalho é sempre e sempre será fator de dignidade humana, como consta na Carta Constitucional.

P- A CLT está superada?
R- A CLT foi escrita não apenas sobre e a inspiração do ex-presidente Getúlio Vargas. A CLT foi escrita ao longo do tempo, observando a evolução do trabalho, que antes era dedicado aos escravos, aos servos e aos explorados, para passar com avançar depois das mortes dos trabalhadores, de contestações, de conscientizações a ser encarado - ao longo do tempo - como fator de atividade humana, como forma de suavizar a exploração do homem pelo próprio homem. A CLT foi escrita ao longo do tempo, ao longo da história do Brasil. Por isso que é instrumento social e respeitável, simultaneamente atacada por aqueles que vêem no trabalho, mero custo de produção, como é o gás, como é qualquer coisa, como se fosse matéria-prima. É preciso não perder o rumo da história, o rumo do papel social da CLT, o rumo da função social do Estado, na distribuição da igualdade, na perpetuação da solidariedade. Este é o rumo e a preocupação que a OAB tem no que se refere ao novo texto do Código do Trabalho, até por que, nos dias de hoje, a China tem aparecido como paradigma, para ser copiado nos demais países.

P- Qual a sua sugestão para a mudança da Reforma Sindical e a obrigatoriedade da Contribuição Sindical?
R- A contribuição Sindical surge no Brasil como uma forma de contribuição retributiva a aqueles dirigentes sindicais, que eram permissos e que colaboravam com o Estado e por isso mesmo recebiam do Estado benefícios de uma remuneração obrigatória e que não precisava trabalhar em defesa da categoria, porque já estava garantida a sobrevivência de sua entidade. O Imposto Sindical, nome originário da Contribuição, era combatido por Sindicatos mais ativos, por este vício de origem. Entendo eu, que não modificou a compreensão do passado, como é compreendido hoje. A Contribuição Sindical ainda é uma imposição ao trabalhador que desestimula a ação sindical. Espero que um dia deixe de existir e que Sindicato de Empregado ou Patronal tenha retribuição pela ação e não premiação obrigatória. Quanto à necessidade permanente da negociação de empregado/empregador - esta é a virtude da CLT, que prestigia a negociação coletiva e a negociação direta - o importante é que o empregado e o empregador possam estabelecer condições de trabalho, para que possam - pela negociação - usufruir uma remuneração e um ambiente de trabalho de critérios e com entendimento saudável, que impere o entendimento e não a imposição.

P- Como vê a idéia da regulamentação de um novo tipo de contratação, no serviço público, como a sugestão dada pelo Ministério do Planejamento, de Fundações Estatais de Direito Público, como na atividade privada?
R- Nós compreendemos que o Estado deve ser um ente público que serve ao público e não se serve do público. Se nós compreendermos que o Estado não é propriedade privada, mas sim uma propriedade pública, não se pode aceitar como correta, reatribuir ao Administrador Público o poder discriminatório da contratação, como lhe é conveniente, contratar quem lhe fornece o maior lucro, ao contratar a quem lhe interessa politicamente. Não é essa a função do Estado. Por isso se construiu, no longo do tempo, o conceito da estabilidade e do concurso público, porque ambos adequam à função do Estado, ambos permitam que o Estado seja nos seus atos, impessoal, com observância da legalidade e moralidade. Flexibilizar estes conceitos constitucionais e permitir que o Estado controle os servidores celetistas, não-portadores de estabilidade, escolhidos - segundo o critério político - é um retrocesso muito grande. Espero que o Ministro do Planejamento recue essa propositura e respeite a Constituição Federal.

P- O Conselho Federal da OAB defende que as férias dos Juízes das Varas, coincidam com o recesso judicial?
R- As férias são conquistas de todos os trabalhadores. As férias têm o conceito de humanidade embutida que não pode ser revogado. O ser humano precisa parar para recarregar as suas baterias mentais e suas baterias físicas. Por isso, inclusive, que é proibido ao trabalhador em férias, receber outro trabalho em uma outra empresa. É considerado contravenção. Ora se todos têm direito às férias, não poderia ser diferente para o advogado. O advogado tem que gozar o seu direito de férias, durante um período que a justiça diminua a sua carga de trabalho, para dedicar-se mais às atividades internas e atualizar os seus débitos burocráticos, naquele período em que os processos estão desorganizados, possam a se organizar, e os juízes - que não têm tempo - pelo acúmulo da atividade - de proferir sentenças - possam administrar e por isso que chamamos de recesso. A compreensão que a OAB tem é de que o recesso deva coincidir com o planejamento estratégico do Poder Judiciário, devem coincidir com as férias da parte da magistratura e de parte com os servidores públicos. O que não pode é o recesso ser acrescido, como se fosse mais um tempo de férias aos servidores públicos. Este conceito de ampliação das férias é que a OAB tem rejeitado. É nossa sugestão de conciliarmos estes conceitos, deixando as férias do advogado que é importante e que o judiciário tenha um tempo para se organizar, que é o recesso, mas que as férias de seus servidores, coincidam com este período de diminuição natural do trabalho, sem ampliar o período de férias.

P- Como vê a informática no Judiciário e a adoção simples do Diário Oficial da Justiça eletrônica, com o abandono das edições em papel?
R- A OAB ajuizou uma Ação de Declaração de Inconstitucionalidade, no STF, para que se mantenha a intimação e a edição em papel. A forma de papel, ainda - na nossa compreensão - não poderá ser abolida totalmente, face à exclusão digital ainda ser muito forte da categoria dos advogados. O Judiciário tem que avançar no campo da informática e no campo da virtualização, pois ela além de reduzir custo, da estrutura do judiciário, ela colabora com a agilização. Daí porque a OAB tem celebrado convênios com vários tribunais, permitindo a troca de experiência de trabalho, para atingir esta informatização do Poder Judiciário.
Daí porque, a própria OAB investiu bem, em termos de montante, na substituição das Carteiras dos Advogados, que é o Cartão do Advogado, para que possa - através da própria Ordem - confirmar com confiança que o advogado peticione eletronicamente. Hoje, as Carteiras dos Advogados, já estão saindo como chips, permitindo ao advogado - através dela - peticionar eletronicamente e ter a sua assinatura digital comprovada. Aliás, a OAB é a única por força de lei, que pode atestar que aquela petição assinada, eletronicamente, leva o nome do advogado e tem - por trás dela - a certeza que ao advogado pertence à petição. Não se pode fugir da informatização do Judiciário, mas ela não pode ser feita com a rapidez tal, que exclua o advogado ou o cidadão.

P- A audiência única, na Justiça do Trabalho, no Rito Sumário ou Ordinário, ajuda na celeridade?
R- Tem ajudado na celeridade processual, mas ela comete - na forma da adoção atual - um desequilíbrio processual. E que o empregador ou a parte que é tem o conhecimento da ação com antecedência suficiente, para preparar uma boa defesa, enquanto que a parte do reclamante ou a parte autora, conforme o caso, somente tem na audiência a oportunidade para conhecer a defesa e dela se manifestar. Dá um desequilíbrio processual entre as partes. Um desequilíbrio que poderá ferir a Constituição, porque a Constituição pressupõe a igualdade processual. Por isso que se defende que a parte inicial da defesa ocorra na Secretaria da Vara, para quando começar a audiência única, todos já tenham a mesma igualdade e conhecimento, tanto da parte da autora, como da parte da defesa - quando apresentada à contestação - formado o processo em respeito à igualdade de condições.

P- Como vê a presença dos Advogados e seus honorários, no Processo do Trabalho?
R- A inexistência do Advogado - na Justiça do Trabalho - é de uma injustiça gritante no Brasil. É que para fazer a defesa - uma boa defesa - à qualidade técnica e o preparo intelectual é fundamental. E não se pode compreender como democrático peticionar com as próprias mãos “o fazer justiça”, sem conhecer a sua técnica. Este instrumento que permanece na Justiça do Trabalho, porque obriga o trabalhador lutar com o empregador, que, geralmente, tem advogado e em desigualdade de condições. Um com qualificação e outro sem qualificação. E assim pede e espera o ideal de justiça. A questão dos honorários, na Justiça do Trabalho, ainda mantém uma decisão injusta. Na Justiça do Trabalho, alguns instrumentos já trazem prejuízos, como a prescrição. Você tem na Justiça do Trabalho, uma prescrição curta e a seguinte situação: Se vale à pena não pagar direito, porque quando o empregado vai à Justiça, ele já tem furtado o seu direito pela prescrição de cinco anos e, ainda, se vê induzido a fazer um acordo que reduza mais o seu direito, naquela teoria de “Brocardo”: De que vale mais um acordo, do que uma causa mais justa, porque efetiva o resultado e é agravada com a obrigação de pagar os honorários dos advogados, retirando desse direito já reduzido e reconhecido pela Justiça, a parte que lhe caberia na Ação Judicial. Esta é uma injustiça gritante no Brasil, tanto a inexistência do advogado, na postulação das partes, como o pagamento dos honorários do advogado.

P- Como vê a adoção das Audiências de Conciliação, nas Varas do Trabalho e nos 24 TRTs, inclusive nas execuções trabalhistas?
R- O advogado está sendo chamado a pensar cada vez mais de forma conciliadora, de forma que o transforme num instrumento de mediação dos conflitos. Já conversamos com o Ministro da Justiça e com o Ministro da Educação e Cultura, para que crie, já, nas faculdades e, na prática diária, o hábito da mediação e conciliação dos advogados. A recente lei que põe fim ao divórcio consensual judicial, transferindo esta responsabilidade, da conciliação e mediação, para o advogado é o exemplo desses novos tempos. Portanto é louvável a iniciativa de criação de Juizados de Conciliação e mediação, no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda mais na face de execução que é o gargalo da morosidade, na Justiça do Trabalho. O advogado treinado para conciliação da ação, tendo, na Justiça do Trabalho, a especialidade conciliatória inicial (Juntas de Conciliação e Julgamento). É importante a preservação, na Justiça do Trabalho, na sua função de justiça social e justiça especializada, na solução de conflitos e o conceito da conciliação que eu sempre defendi.

P- Como vê a exigência e a necessidade do Juiz Presidente de Vara Trabalhista, residir na cidade onde atua?
R- É fundamental que o Juiz resida na Comarca. O Juiz tem que conhecer a alma da cidade onde ele atual. Tem que conhecer as situações, tem que conhecer os costumes de quem está julgando. É por isso que é melhor a eficiência do Juiz dentro da Comarca. Não sei se o nosso legislador, para evidência ou mero diletantismo, ou para aumentar o coeficiente habitacional de uma cidade. Ele o faz, compreende que a Justiça é fundamental e a Justiça para trabalhar com os seus instrumentos e fundamentalidade e eqüidade, ele precisa conhecer e saber a vida da cidade. Residir na Comarca deveria ser - para a magistratura - a própria razão ser, para ficar mais perto do cidadão e da sociedade. Eu não compreendo quando o magistrado assim não entende. Isso quer dizer que ele não conhece a vida daqueles que está julgando.

P- O advogado trabalhista tem garantia de livre acesso aos autos, nas Varas e nos Tribunais, inclusive para tirar xérox se necessário?
R- A Justiça do Trabalho tem - a meu ver - a que mais tem cumprido e respeitado o Estatuto e as prerrogativas dos advogados. As audiências tem sido públicas e os Juízes trabalhistas recebem os advogados assim, que solicitados. A Justiça do Trabalho tem causado menos trauma no relacionamento advogados/magistrados, mas não significa que não se tenham conflitos. Alguns juízes ainda insistem e resistem em não receber advogados e algumas secretárias de Varas, insistem em não fornecer os autos aos advogados. Mas é importante que todos devam entender que o Estatuto da OAB é uma lei federal e assim todos estão obrigados a obedecer e o Estatuto permite e garante ao advogado acessar os autos a qualquer que seja ele, ainda, mesmo sem procuração e retirá-los se o processo estiver findo. Quem assim não procede, desrespeitando a lei.

P- Há necessidade de regulamentação da Lei de Greve no Serviço Público?
R- O Congresso Nacional, infelizmente para o Brasil, tem se especializado pela omissão legislativa e pela subserviência à vontade do Poder Executivo. Discute muito mais Medidas Provisórias e Projetos de Lei de iniciativa do Poder Executivo do que àquelas que deveriam ser originárias de seus pares e tem se recusado a fazer o seu papel fiscalizador, nas realizações das CPIs, destinadas à fiscalização do poder executivo e dos atos da coisa pública. Em função da omissão legislativa do Congresso, entre elas a de regulamentação do Direito de Greve dos servidores públicos, o STF supriu uma lacuna - até porque a Constituição já assim prevê, quando criou o Instituto do Mandato de Injunção - e decidiu bem. É melhor que tenhamos uma greve regulamentada pelo Congresso Nacional do que não termos nada regulamentado. Com a inexistência da regulamentação pairava a divergência desnecessária no âmbito do Poder Judiciário, que prejudicava os servidores públicos. O Melhor seria que o legislador cumprisse a sua função e ele próprio aprovasse a regulamentação da Lei de Greve, garantindo aos servidores públicos o seu direito de greve, como diz a Constituição.

P- Porque todo mundo diz: “A Justiça do Trabalho é tumultuada e uma feira, uma bagunça e o advogado nem precisa estudar muito”?
R- A Justiça do Trabalho, hoje copiada, como solução de conflito, que marca, por Vara, aproximadamente em média 20 audiências por dia, pressupõe que fora da audiência teremos no mínimo 40 pessoas reclamantes e reclamadas, se tem advogado, passaremos a ter 80 e se tem testemunha, cento e poucas pessoas no lado de fora. É um tumulto e como se diz: a feira que se aponta é exatamente porque tem muita gente trabalhando. Se a Justiça do Trabalho funcionasse como as outras, que marca uma ou duas audiências por dia, este tumulto não existiria, infelizmente para a cidadania. A outra virtude é a publicidade. Nós reclamamos e lutamos que a audiência seja pública e na Justiça do Trabalho a publicidade existe. As pessoas entram e saem das audiências, tornando mais transparente o ato processual o que é muito bom. Outro aspecto é a oralidade e a virtualização que exige o preparo maior do advogado, porque ele tem que receber o cliente, tem que rebater os argumentos ou a negativa da prestação jurisdicional, ali de público, diante das testemunhas, das pessoas, na frente de outros colegas, o que exige um preparo intelectual muito grande. Exige um conhecimento técnico muito forte. Por isso que a Justiça do Trabalho tem sido apontada como modelo de Justiça, a ser observada, pelos demais órgãos do Judiciário. Eu conclamo para encerrar a entrevista aos colegas Advogados Trabalhistas, Civilistas, Penalistas e todos e qualquer especialidade para que nos encontremos de 11 a 15 de novembro de 2008, na Conferência Nacional dos Advogados, que realizaremos na bela cidade de Natal. A “Conferência dos Advogados” é o maior órgão deliberativo da instituição. É ela que traça as normas e ações da OAB. Ela é fundamental para a sobrevivência da Ordem e da Advocacia. Por isso eu convido e conclamo aos colegas advogados que queiram ver e dirigir pessoalmente o trabalho, que lá compareçam - na Conferência - e nós ali estaremos aguardando ansiosamente, para determinar o rumo da advocacia atuante.

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