Conquistas e desafios da advocacia em 180 anos
Rio de Janeiro, 06/08/2007 - Onze de agosto é uma data histórica para os operadores do Direito. Nesse dia, há exatos 180 anos, era aprovada a lei que instituía os cursos jurídicos no País. Fruto do sentimento nacionalista resultado da proclamação da Independência e da promulgação da primeira Carta Magna alguns anos antes, a legislação que autorizou o funcionamento das escolas de Direito foi responsável também pelo fomento do recém-criado ordenamento normativo do Brasil e pelo início de muitas carreiras existentes hoje, sendo a principal delas a advocacia. Não é por acaso que, nessa data, se comemora o Dia do Advogado. Desde a regulamentação do ensino e da própria advocacia, o número de profissionais só fez aumentar, assim como as conquistas e, principalmente, os problemas relacionados ao exercício da profissão.
De acordo com representantes da advocacia, os 600 mil advogados do País enfrentam problemas que vão desde a dificuldade para ter acesso a autos de um processo, conforme garantido pela legislação, até outros mais institucionais, decorrentes de projetos de lei que visam justamente à extinção de uma ou outra prerrogativa do profissional. Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) desempenha papel importante quanto à defesa dos direitos dos advogados.
A OAB foi criada durante o governo Provisório, por meio do Dispositivo número 17 do Decreto 19.408, de 18 de novembro de 1930. Pela norma, a Ordem seria regida pelos estatutos votados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e aprovados pelo governo. O primeiro ato normativo da Ordem foi aprovado pelo Decreto 20.784, de 14 de dezembro de 1931. Entre os temas regulamentados, estava o que criava o Conselho Federal da entidade, cuja primeira sessão só foi realizada dois anos mais tarde.
Desde aquela época, a Ordem vem se consolidando como defensora tanto dos direitos corporativos como dos cidadãos em geral. A história da Ordem se confunde com a da sociedade, afirma o presidente de Seccional Rio de Janeiro da Ordem (OAB-RJ), Wadih Damous, que ressaltou a necessidade de debate de soluções para problemas que atingem tanto os advogados quanto a sociedade.
Nesse sentido, o presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, chamou atenção para os desafios a enfrentados pela advocacia, entre eles o ensino jurídico. Cento e oitenta anos após a criação do primeiro curso, a categoria se depara com a proliferação de faculdades de Direito sem o menor preparo para formar profissionais qualificados. A estimativa é de que mais de 1.100 faculdades estejam em funcionamento.
O surgimento de mais escolas tem provocado embates entre a OAB e o Ministério da Educação. No mês passado, a entidade criticou o MEC por haver autorizado a criação de 20 novos cursos. O Conselho Federal havia emitido, por meio da Comissão Nacional de Ensino Jurídico, parecer favorável apenas a uma dessas instituições.
Junto com a questão envolvendo a proliferação de faculdades de Direito, estão as medidas que, na avaliação dos advogados, ameaçam o único instrumento capaz de aferir se o bacharel recém-formado tem qualificação mínima para exercer a profissão: o Exame de Ordem. Dessa maneira, destacam-se as decisões judiciais que visam a assegurar a inscrição de candidatos no quadro da entidade, sem a necessidade de realizar a prova, e projetos que visam a extinguir o teste.
O presidente da Seccional paulista (OAB-SP), Flávio Borges D''Urso, critica as iniciativas. O Exame de Ordem existe para detectar se o bacharel tem a mínima condição para honrar a confiança de seus clientes. Só não é aprovado aquele que tiver alguma deficiência educacional. É preciso estudar. Por isso, sou contra (essas propostas). Não se pode admitir um bacharel que não saiba escrever, conjugar um verbo ou usar o plural, como temos verificado no Exame. Fazemos isso não para proteger a classe, mas a sociedade, afirmou.
Para a presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Maria Adélia Campello Rodrigues Pereira, é preciso estar atento a essas iniciativas, que em algum momento sempre retornam para ameaçar direitos adquiridos. Uma vez foi proposto um projeto que visava à redução do tempo do curso de Direito de cinco para três anos. Houve forte reação. Isso foi engavetado, mas pode voltar, afirmou a advogada, acrescentando que essas medidas acabam por desvalorizar a advocacia.
A questão do ensino não é o único problema. Outro ponto, levantado por Maria Adélia, está relacionado ao respeito às prerrogativas dos profissionais. Nesse sentido, destacam-se os episódios envolvendo a realização de busca e apreensão a escritórios de advocacia. Na avaliação da Ordem, não é incomum ocorrerem abusos.
Recentemente assistimos a absurdos com a invasão a escritórios de advocacia. Lembramos que a inviolabilidade não é absoluta. É possível investigar o advogado, porém não o seu cliente. Isso seria como violar um confessionário. Essas investidas violam princípios constitucionais, afirmou Flávio D''Urso, explicando que, em muitos casos, os mandados de busca e apreensão visam à apuração de fatos envolvendo clientes e não propriamente os profissionais. Na avaliação do presidente da Seccional paulista, isso fere o sigilo profissional.
Wadih Damous destacou ainda outras formas de descumprimento das prerrogativas. Vemos aí o cerceamento do advogado a ter conversa reservada com o seu cliente, assim como a utilização indiscriminada de meios tecnológicos para escuta telefônica do advogado, esteja ele sendo investigado ou não. Vemos também a espionagem, a invasão de escritórios na calada da noite com a finalidade de se implantar escuta ambiental. Vamos reagir a isso, afirmou o presidente da OAB-RJ.
Para o presidente do Conselho Federal, as questões a serem enfrentadas pela advocacia são inúmeras. De acordo com ele, por ser indispensável à administração da Justiça, o advogado tem grande responsabilidade. Nesse sentido, Cezar Britto afirma que um dos desafios dos profissionais está relacionado justamente ao papel que precisa desempenhar para o aperfeiçoamento do Judiciário. Um dos desafios diz respeito a um maior engajamento para a melhoria das estruturas do Poder Judiciário, cumprindo assim a função de co-responsável pela administração da Justiça, no tocante ao combate à morosidade e realização de julgamentos justos, disse.
Cezar Britto ressaltou também a necessidade de a advocacia desenvolver iniciativas junto à sociedade. Na avaliação do presidente nacional da OAB, é preciso fomentar o debate para proporcionar maior engajamento em movimentos cívicos, como os que objetivam o combate à corrupção e à reforma política. Segundo o advogado, a advocacia, ao longo dos anos, conquistou a credibilidade da sociedade.
- A advocacia brasileira conseguiu uma garantia que a faz diferente das demais profissões. Aqui, o órgão de representação, no caso a OAB, é mencionado na Constituição Federal em diversas oportunidades. Aqui, o advogado tem legitimidade processual para defender a sociedade - afirmou.
Maria Adélia concorda. De acordo com a presidente do IAB, ao contrário do que ocorre em relação a outros conselhos profissionais, a advocacia é sempre convidada a se manifestar sobre os temas que afetam a sociedade, por meio de seu órgão de representação. A Ordem talvez seja a instituição civil de maior credibilidade. Não há grande evento ou questão nacional para o qual a entidade não seja procurada, mesmo que para emitir uma opinião, afirmou.
Essa é uma das razões que levam a advocacia a preocupar-se com os problemas decorrentes de desvios éticos. As denúncias de eventuais irregularidades cometidas por advogados, se comprovadas, devem ser punidas, afirmam os dirigentes da OAB. Apesar disso, há quem defenda uma ação mais pró-ativa no combate a falta disciplinar.
O ensino ético tem que ser reforçado nas faculdades. Hoje, há muitos jovens que não tiveram formação moral em casa. Eles, portanto, não sabem distinguir o certo do errado e levam isso para a vida profissional. A faculdade, então, tem que dar isso a eles. É preciso haver matérias sobre a deontologia da ética, disse Maria Adélia. (A matéria foi publicada hoje no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro)