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Editorial: Os 'grampos' nos presídios

quinta-feira, 24 de junho de 2010 às 17h40

São Paulo, 24/06/2010 - O editorial "Os grampos nos presídios" foi publicado hoje (24) no jornal Estado de S. Paulo:

"Embora o Código de Processo Penal garanta expressamente o direito ao sigilo nas conversas entre os advogados e seus clientes, o governo instalou equipamentos de gravação de áudio e vídeo nos parlatórios - salas onde presos e seus defensores são separados por vidro blindado, comunicando-se por telefone - das quatro penitenciárias federais. E, mais grave ainda, o Ministério da Justiça admitiu que foi feita pelo menos uma escuta.

Essa escuta ocorreu no presídio federal de segurança máxima de Campo Grande em Mato Grosso do Sul (MS) e o fato somente veio à tona depois que sete agentes penitenciários denunciaram ao presidente do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de MS a ocorrência de faltas disciplinares graves nesse estabelecimento penal. Uma das irregularidades é a gravação dos encontros íntimos dos presos. Outra irregularidade é a divulgação de gravações pela internet.

Em ofício enviado ao Conselho Federal da OAB, o ministro da Justiça, Luís Paulo Barreto, alegou que os equipamentos de gravação de áudio e vídeo instalados nas penitenciárias federais se destinam a atividades de "informações e inteligência", que as penitenciárias federais abrigam líderes de facções criminosas nacionais e internacionais e que a escuta no Presídio Federal de Campo Grande foi realizada em "caráter excepcional" e autorizada pela Justiça Federal.

Mas, em entrevista à imprensa, o magistrado que concedeu a autorização deu a entender que as autoridades penitenciárias federais viriam há algum tempo "monitorando" conversas de presos com seus advogados. Atendendo a um pedido de cooperação internacional, uma das escutas teria envolvido um italiano preso por tráfico de drogas. Outra escuta teria sido realizada sob a justificativa de que poderia ajudar a desvendar um plano dos traficantes Fernandinho Beira-Mar e Juan Carlos Abadía para sequestrar autoridades e seus familiares, para trocá-los por presos. O juiz reconheceu que os monitoramentos ferem a privacidade dos advogados, mas ressalvou que toda investigação é "invasiva" e que a escuta é um eficiente instrumento de combate ao crime organizado.

A descoberta dos equipamentos de gravação e o reconhecimento da realização de pelo menos uma escuta pelas autoridades penitenciárias federais receberam duras críticas dos advogados. Reclamando da falta de segurança jurídica, líderes da categoria lembraram que os argumentos mencionados pelo ministro da Justiça, em seu ofício à OAB, são os mesmos que foram invocados pela Polícia Federal, em 2004 e 2005, para invadir escritórios e apreender documentos, ao arrepio da Constituição.

Esses advogados também lembraram que há juízes que concedem autorizações vagas para escutas telefônicas, o que pode ser interpretado por policiais como uma carta branca para cometer abusos. O exemplo mais conhecido é o do delegado Protógenes Queiroz, que se valeu das autorizações vagas concedidas pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6.ª Vara Criminal Federal. Lembram ainda que há casos em que foram feitos "grampos" antes que as devidas autorizações fossem pedidas à Justiça.

Alguns dirigentes governamentais classificaram as críticas dos advogados como corporativas e lembraram que alguns deles exorbitam da imunidade profissional, atuando como cúmplices do crime organizado. A gravação das conversas destes com seus pseudoclientes seria uma forma de desmascará-los. Trata-se de um argumento perigoso, uma vez que é uma minoria expressiva que usa as prerrogativas profissionais para viver de atividades ilícitas.

As escutas telefônicas são meios eficientes de coleta de provas, não há dúvida. Mas, se forem utilizadas sem rigorosos controles legais, podem corroer as bases da segurança do direito e abrir caminho para um Estado policialesco, onde os fins justificam os meios mais torpes. A denúncia de que são grampeadas as conversas entre advogados e clientes nas penitenciárias federais têm de ser investigadas com rigor."

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