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Entrevista: A Ordem não vai ingressar em discussões de varejo

domingo, 31 de janeiro de 2010 às 21h09

Fortaleza (CE), 31/01/2010 - A entrevista "A Ordem não vai ingressar em discussões de varejo" foi publicada na edição de hoje (31) do jornal Diário do Nordeste (CE):

O dia de hoje será para o paraense Ophir Cavalcante Júnior, 49 anos, o coroamento da trajetória na defesa da democracia e em prol dos anseios e direitos populares. Ele será aclamado presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, amanhã, assumirá o cargo, para o triênio 2010-2012.

P - Como pretende conduzir politicamente sua gestão diante das macro questões nacionais? A OAB continuará a ser atuante na esfera política do País?

R - Em primeiro lugar, a Ordem não vai ingressar em discussões de varejo, em discussões pontuais. A Ordem vai trabalhar nas discussões mais macro da sociedade brasileira de uma forma atuante e crítica no sentido de que o povo volte a acreditar que as instituições neste País funcionam bem e que as pessoas de bem devem ter um tratamento especial. Devem ser elas a fazerem a política deste País e não as pessoas mal intencionadas, pessoas que vão apenas para usufruir do cargo e não querem, em absoluto, o encargo. Portanto, a postura será de vigilância, de fiscalização, de colaboração com as instituições no sentido de combater a corrupção e a impunidade que, lamentavelmente, ainda grassam na política brasileira.

P - O ex-presidente Cezar Britto, se posicionou de forma contundente a favor do impeachment do governador do Distrito Federal flagrado em um esquema de corrupção. Qual a sua posição sobre o caso?

R - Não tenha dúvida de que a OAB vai continuar na mesma trilha. Não vamos mudar o rumo dessa discussão, pelo contrário, vamos avançar mais ainda. A Ordem é uma construção solidária e coletiva. Nós precisamos, cada um a seu tempo, vir e dar a sua colaboração e a nossa será de promover, com a sociedade brasileira, uma discussão permanente e decisiva. E nós vamos trazer para a cena de discussão essa matéria, pressionar o Congresso Nacional, as autoridades, sobretudo fazer com que o Judiciário seja mais célere no julgamento.

P - Quais são os mecanismos de pressão que a OAB utilizará?

R - Em primeiro lugar, uma articulação com entidades que possam também exercer esse papel de pressão. A opinião pública ser informada. Precisamos, cada vez mais, da atuação da imprensa, engajar a Igreja, a ABI, entidades que têm a mesma leitura com relação à corrupção e impunidade nesse país. Nós chegamos num momento em que a nossa tolerância deve ser zero em relação à corrupção e à impunidade. Nós precisamos de mudança, que as pessoas voltem a acreditar na justiça, que é bom para o País ter uma política séria. Hoje as pessoas desacreditam da política, não querem se candidatar, não querem participar desse jogo político.

P - Diante deste quadro, qual a posição da OAB em relação à reforma política?

R - A Ordem propõe a reforma política e entende que é fundamental nesse momento. Para que possamos mudar esse estado de coisas, há necessidade que tenhamos uma nova leitura a respeito da relação que deve existir no meio político. E precisamos ter muito mais transparência do que hoje somos. O caixa 2 está presente. Passou a ser, infelizmente, uma realidade da política brasileira. Precisamos trabalhar para acabar com isso e chega de hipocrisias. Vamos trabalhar para que haja o financiamento público das campanhas. A sociedade vai financiar os políticos, de modo que tenhamos uma fiscalização específica com regras claras de como será aplicado o dinheiro. Nós teríamos uma qualificação da classe política.

P - O projeto de lei para tornar a corrupção um crime hediondo, prometido pelo presidente Lula, é uma solução para o problema?

R - Acho que é mais uma atitude para colaborar com esse processo. É utópico, não é algo que vá resolver definitivamente com a questão. A Ordem, na minha gestão, colaborará na defesa da aplicação de penas duras. Agora, não é suficiente. É preciso a reforma política.

P - O ministro Joaquim Barbosa afirmou que "para ser minimamente eficaz, o Poder Judiciário precisaria ser reinventado". O Sr. concorda com essa afirmação?

R - Não interessa a ninguém, a sociedade e advocacia, ter um Judiciário fraco. O Judiciário forte é a garantia de segurança para o cidadão brasileiro. Portanto, devemos trabalhar neste sentido. Agora, nós queremos que o Judiciário faça a sua lição. Ele já começou a fazer a partir da postura pedagógica e corretiva do Conselho Nacional de Justiça. O Judiciário deve compreender que a sua independência não pode ser a sua própria redenção. A sua independência tem de ser em favor da sociedade e não de seus integrantes. Portanto, é necessário que a gente tenha essa lógica, esse compromisso do Judiciário de mudar. O juiz precisa entender que é um servidor da sociedade, que ele precisa trabalhar 24 horas por dia. É um sacerdócio. Ninguém vai para a magistratura para enriquecer. O magistrado deve ganhar bem para ter segurança para si e para sua família, entretanto, deve ter compromissos. Estamos cansados de ver juízes que vão aos fóruns somente de terça às quintas-feiras, que vão um ou dois dias na semana. É necessário que haja uma entrega maior, um compromisso.

P - O que a sua gestão fará para combater a morosidade no Poder Judiciário?
R - No primeiro momento, vamos trabalhar no engajamento no Judiciário para que possamos construir uma pauta positiva a fim de vencer as dificuldades estruturais que existem. A Ordem reconhece que há poucos juízes, pouco servidores. A relação juiz/habitantes é deficitária e nós precisamos melhorar isso. E a Ordem será uma parceira da Justiça neste sentido. Agora, a Ordem, em nome da sociedade brasileira, quer a contrapartida. Estruturado, queremos que o Judiciário funcione a tempo e hora, se possível 24 horas por dia.

P - Como pretende conciliar os interesses da OAB mediadora entre as demandas sociais e o Estado e o interesse dos advogados?

R - Nossa concepção é de que o advogado deve ser o centro de atenção da Ordem. A partir das lutas da advocacia, nós passamos à defesa da sociedade. O advogado, defensor das liberdades individuais e coletivas, e como tal, tem papel preponderante dentro da sociedade. E viabilizar o exercício profissional do advogado é viabilizar a própria liberdade, a própria liberdade de seu patrimônio, portanto, a partir da defesa do advogado, nós vamos irradiar para outras lutas da sociedade.

P - Hoje se fala no alto índice de reprovação do exame da Ordem. Qual será o foco na formação do advogado?

R - Essa é uma responsabilidade de todos, da sociedade, do governo, através do MEC, das Instituições de Ensino Superior e da própria Ordem dos Advogados do Brasil. A nossa ideia é criar um grande fórum de discussões a respeito disso, envolvendo todas esses segmentos, para que a gente possa ter uma luta identificada a respeito das nossas deficiências. E a partir daí, construir cursos de qualidade, voltados para os interesses da sociedade. Não apenas informar, mas formar com cultura crítica dos advogados profissionais. E a Ordem quer colaborar. Mas, ao lado disso, a Ordem não vai abrir mão de uma fiscalização, da denúncia, de exercer o papel que sempre teve e continuará na luta pela qualificação do ensino. O Cezar Britto (ex-presidente da OAB nacional) tem um posicionamento que eu acompanho, de que a defesa da qualidade do ensino jurídico é a defesa da sociedade.

P- Como seria esta qualificação?

R - O promotor e o juiz passam por um concurso muito difícil. Eles estão, portanto, qualificados para exercer as suas atividades profissionais. Vamos ter um promotor qualificado, que é aquele que acusa. O Estado que julga através do juiz. E aquele que defende não está qualificado. Então para que haja um equilíbrio de forças entre as partes é necessário que o advogado esteja qualificado. Por isso, nós defendemos uma qualidade melhor dos cursos. Acho que essa postura da Ordem tende a desagradar a muita gente, como os cursos que não tem essa consciência de sua responsabilidade social, mas a Ordem não teme, em absoluto, qualquer demanda no sentido de acabar com o exame de Ordem, com o poder da OAB de fiscalizar. Temos certeza de que o Congresso Nacional está consciente do papel da Ordem. Nós vamos trabalhar para que esse papel seja cada vez mais intensificado e cada vez mais presente na sociedade brasileira.

P - O surgimento de novos cursos vem diminuindo a qualificação dos profissionais. Qual a tendência daqui pra frente?

R - A partir da gestão do Cezar Britto nós tivemos uma mudança qualitativa na participação da Ordem no MEC nestas discussões para melhorar a qualidade do ensino. Há mais de dois anos não se cria um novo curso de Direito no Brasil e, neste período, já foram extintas quase 30 mil vagas nos cursos de Direito. Havia um crescimento muito grande de cursos e a qualidade fica prejudicada. Tem de haver uma somatória de compromissos; da formação profissional, da formação educacional, que vem desde a família e dos ensinos Fundamental e Médio até Superior. Este é o primeiro compromisso que o Estado deve ter, que é formar melhor o cidadão. Outro compromisso, é das próprias instituições de ensino superior. Elas não podem fazer mercantilização do ensino. As instituições têm de formar cidadãos qualificados para poder exercer com dignidade e com competência aquilo que estão propondo que as pessoas se formem, porque senão vai ser um engodo, um conto do vigário educacional. É aquela lógica perversa, em que uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem e fica tudo bem como dantes. O que nós queremos é mudar essa lógica que não atende aos interesses da sociedade brasileira.

P - De que forma a OAB pretende acompanhar o processo eleitoral deste ano?
R - A Ordem vai ter o seu papel de fiscalização. O voto é o instrumento de maior força na democracia. Nós precisamos garantir que esse voto seja independente, livre, que reflita a real vontade do eleitor. Nós lutaremos contra o abuso do direito econômico, vamos denunciar os crimes de corrupção eleitoral. A Ordem será voz ativa na defesa da liberdade do voto.

Quem é Ophir: Ophir Cavalcante Júnior nasceu em Belém (PA) é advogado com atuação na área trabalhista. Presidiu a OAB do Pará no período de 2001 a 2006 e foi diretor-tesoureiro do Conselho Federal da OAB. Mestre em Direto pela UFPA onde é professor concursado, é autor do livro "Terceirização das relações Trabalhistas".

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