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Britto abre Conferência da Amazônia e reivindica Pré-sal para meio ambiente

sexta-feira, 4 de setembro de 2009 às 20h30

Manaus (AM), 04/09/2009 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, ao discursar hoje (04) na abertura da Conferência Nacional sobre Direito Ambiental e a Questão da Amazônia, destacou a importância da criação de um fundo destinado ao meio ambiente previsto nos projetos sobre o Pré-sal enviados ao Congresso Nacional na última semana. "O dinheiro do fundo, se aprovado pelo Congresso, poderá ser aplicado em projetos de energia renovável e até na tecnologia cara e ainda em fase experimental de captura e armazenamento de carbono no fundo do mar, conhecida pela sigla em inglês CSS", afirmou. Britto fez as afirmações para uma plateia de que lotou o Teatro Amazonas, dirigindo-se aos convidados do evento que teve como principal estrela a ex-ministra do Meio Ambiente e senadora Marina Silva (PV-AC).

Participaram da abertura da Conferência tambéma secretária-geral da entidade, Cléa Carpi da Rocha, e o diretor-tesoureiro Ophir Cavalcante Junior, e os membros honorários vitalícios e ex-presidentes da OAB Nacional Ophir Filgueiras Cavalcante e Roberto Busato. Em seu pronunciamento na abertura, Cezar Britto disse ainda que a consciência quanto ao desafio sobre a preservação do meio ambiente, particularmente de preservação da Ama\õnia, "infelizmente, ainda não é uma causa popular". Ele acrescentou: "Apesar das evidências, como o desequilíbrio climático e o aquecimento global, a gravidade da questão não chegou ainda, como precisa chegar, ao cidadão comum, ao empreendedor".

A expectativa dos dirigentes da OAB e organizadores da Conferência é de que ela reúna mais de 1 mil participantes - entre advogados, magistrados, membros do MP, professores, pesquisadores e estudantes -, de hoje até domingo, quando será encerrada com a "Carta de Manaus", alinhavando as principais preocupações e sugestões debatidas no evento. De acordo com o presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB e conselheiro federal pelo Amazonas, Oldeney Sá Valente, até a tarde de hoje mais de 800 pessoas já estavam inscritas para participação nos painéis, que serão desenvolvidos no hotel Tropical.

A seguir, a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB na abertura da Conferência Nacional sobre Direito Ambiental e a Questão da Amazônia:

Senhoras e senhores

Há muito que o tema da Amazônia e suas inevitáveis ramificações, que abrangem desde questões ambientais até temas ligados à soberania nacional, sensibiliza o Conselho Federal da OAB.

Sendo um tema que sensibiliza a sociedade brasileira - e não apenas a brasileira, mas, sem qualquer exagero, a de todo o planeta -, não poderia ser diferente.

A OAB é um tambor de ressonância da sociedade civil organizada. Quando fala, expressa o que nela se passa. Tem sido assim, ao longo de nossa história republicana, que se confunde com a de nossa instituição.

Daí a importância que a advocacia brasileira atribui a eventos como este, que põem em relevo a questão amazônica e induzem a uma reflexão fundamental para a realidade brasileira.

A presença da senadora Marina Silva, voz ativa na defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, e do governador do Amazonas, Eduardo Braga, que tem a responsabilidade de gerir uma porção considerável deste território, conferem a dimensão nacional que o tema exige. A OAB sente-se honrada em tê-los nesta conferência.

O que queremos - e estimulamos - é o debate permanente sobre os múltiplos aspectos que envolvem o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento social e econômico desta região - e que a colocam de maneira recorrente no centro de polêmicas mundiais que chegam a pôr em xeque a capacidade dos países que a abrigam em seu território de geri-la com autonomia.

O Brasil, sendo o mais rico e influente dos países do continente - e o que maior extensão territorial possui na região -, tem o dever de assumir comportamento pró-ativo nessa matéria.

E a OAB, como entidade da sociedade civil, quer participar intensamente desse debate, que até aqui tem sido conduzido ou na área estrita do Estado ou no âmbito fechado das academias. Em ambos os casos, âmbitos restritos.

É hora de a sociedade colocar-se à frente dessa questão, agregando em torno de si Estado, países vizinhos, países que têm exercido protagonismo crítico no campo ambiental, academias e movimentos sociais.

Há a percepção de que os temas que servem de pano de fundo para esse questionamento não são infundados, mas distorcidos em sua fundamentação e superdimensionados em suas conseqüências.

Acabam servindo mais de pretexto para justificar uma ingerência internacional na região - cujo potencial econômico atrai a cobiça de mega-grupos multinacionais - que propriamente objeto de reflexão, a ser compartilhada em ambiente de construtiva cooperação.

A OAB tem colhido depoimentos preocupantes em torno do estado em que se encontra a região. Em outubro de 2007, em depoimento no Senado Federal, o comandante do Exército declarou que a Amazônia é hoje "terra de ninguém", já que as Forças Armadas estão sem condições materiais e humanas de garantir sozinhas o patrulhamento das fronteiras. Reconheceu a existência de pontos cegos na região, por onde o tráfico de drogas e o contrabando de armas exercem livremente o seu ofício criminoso.

Há outras questões palpitantes, que merecem debates e investigações mais acuradas, envolvendo amplos setores da sociedade e dos países amazônicos. Entre outros:

O desafio ambiental (duelo entre preservacionistas e defensores do desenvolvimento sustentável)

A questão da soberania (limites e concessões)

Segurança: narcotráfico, pontos cegos

Ação das Forças Armadas

Ação das ONGs

Ação de instituições religiosas

Política indigenista

Todos esses temas nos são comuns, a nós, países amazônicos, e não têm, de nossa parte, produzido cooperação à altura.

No âmbito mesmo de nossas sociedades, a cooperação é precária, gerando mais polêmica que união. O clássico dilema preservação versus desenvolvimento - a meu ver, um falso dilema - transbordou da sociedade para dentro do governo, transformando-se em fator de tensão política.

A senadora Marina, que ocupou por seis anos o Ministério do Meio Ambiente, e de lá saiu em defesa da integridade de seus princípios, conhece de perto esse problema.

Apesar dos transtornos que ocasiona, considero o debate necessário, indispensável mesmo, para que a sociedade se conscientize da importância e das repercussões em seu dia a dia dessas questões ligadas ao meio ambiente.

Por isso mesmo, recebi com alegria a notícia da presença da senadora Marina Silva, que, se outro mérito não tivesse - e méritos não lhe faltam -, bastaria este: o de pôr no topo da agenda política a questão ambiental - e, dentro dele, o conceito de desenvolvimento sustentável.

Se atentarmos para o que isso significa - desenvolvimento sustentável -, na definição que lhe deu a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente, da ONU, de "desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações", constatamos que o que está em pauta é bem mais que a defesa do meio ambiente.

Está em xeque todo um conceito de progresso e desenvolvimento, marcado pela luta por acumulação de bens, em que o próprio ser humano figura como elemento secundário.

Daí a importância de ter sido incluído, no fundo a ser criado na legislação do Pré-Sal, o meio ambiente como destinatário de fatia das verbas decorrentes daquela exploração.

O dinheiro do fundo, se aprovado pelo Congresso, poderá ser aplicado em projetos de energia renovável e até na tecnologia cara e ainda em fase experimental de captura e armazenamento de carbono no fundo do mar, conhecida pela sigla em inglês CSS.

É, sem dúvida, um subproduto, ainda que tênue, da conscientização em curso da causa ambiental, o que prova que o esforço até aqui empreendido não está sendo em vão.

O desenvolvimento predatório, que está na base da cultura capitalista contemporânea, despreza questões vitais como a sobrevivência da própria espécie humana. Ao fazê-lo, deteriora as condições de vida no planeta e torna o futuro imprevisível. Ou por outra, perigosamente previsível.

A consciência desse desafio é hoje ainda de poucos. Não é ainda uma causa popular. Apesar de evidências, como o desequilíbrio climático e o aquecimento global, a gravidade da questão não chegou ainda, como precisa chegar, ao cidadão comum, ao empreendedor.

Nesse sentido, louvo a trajetória política da senadora Marina Silva - e de sua obsessiva preocupação com o tema, que a coloca entre os verdadeiros servidores públicos: o que se preocupam com o que é essencialmente sério, não apenas com o que é popular.

Essa a diferença entre o político e o estadista: o primeiro preocupa-se com a próxima eleição; o outro, com a próxima geração.

Por essa causa, homens como Chico Mendes tombaram. Sua morte, há 22 anos, gerou não um mito, mas um gradual estado de consciência, que aos poucos vem se disseminando pela sociedade.

Desde então, a luta em defesa do meio ambiente e dos trabalhadores da floresta passou a integrar a agenda política do país, ainda que de maneira tímida. Precisamos avançar mais, sempre mais. O Estado ainda resiste em assimilar de maneira plena o desafio. A sociedade avançou mais.

Isso mostra que no Brasil a sociedade caminha à frente do Estado, em busca de procedimentos que conciliem desenvolvimento com preservação do meio ambiente. Chico Mendes está, entre nós, na origem desse trabalho admirável de organização dos trabalhadores da floresta.

Desenvolvimento sustentável, no Brasil, tem a marca de seu pioneirismo e coragem. Conscientizou e organizou os trabalhadores rurais da Amazônia, mostrando que a ação predatória na região tinha - e tem - efeitos sociais e econômicos nefastos e precisa ter um fim.

A luta continua presente. Os danos que anteviu e denunciou aumentaram, mas hoje a voz dos que o seguem - e a senadora Marina Silva é sua mais combativa e ilustre discípula - já não clama no deserto. É ouvida em todo o mundo e gera ações governamentais concretas e objetivas, mobilizando apoio internacional.

Só isso basta para dar à sua figura dimensão de herói nacional, fazendo com que, a cada ano, a memória de seu covarde assassinato seja evocada por todos quantos se preocupam com as causas humanitárias, aqui e em toda a parte.

Seu martírio não foi em vão. E deve servir para que esta e as gerações futuras avaliem a importância da ação da cidadania organizada na superação do atraso e do desenvolvimento predatório - termo que, em si, é contraditório, já que o verdadeiro desenvolvimento pressupõe respeito ao ser humano, de hoje e do futuro.

O caminho, a meu ver, é este: continuar discutindo o tema, pressionando governantes e empreendedores. Não há outro caminho. Os governos só cumprem seus compromissos quando devidamente pressionados pela sociedade.

É preciso, pois, organizá-la, conscientizá-la da importância desse debate, que lhe é vital. Nós, os países amazônicos, repetimos sempre que temos capacidade de gerir com autonomia o patrimônio ambiental que nos coube.

Não tenho dúvida quanto a isso. Mas precisamos transformar essa certeza - e esse direito - em realidade mais palpável. Meio ambiente é coisa séria: não comporta bravatas.

Precisa ser gerido à base de compromissos. E a OAB sente-se visceralmente comprometida com a causa, indissociável do sonho de redenção política e social deste país, inserida entre as mais legítimas bandeiras republicanas de nossos dias.

Muito obrigado.

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