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Celso Bandeira de Mello: “não há no PL 36 regalias em favor do advogado”

quarta-feira, 30 de julho de 2008 às 12h55

Brasília, 30/07/2008 - "Nada há de facilitador de condutas criminosas ou criação de indevidos embaraços à investigação criminal. O projeto nada mais faz que elucidar com maior detença tópicos supostamente obscuros da lei ora vigorante e reafirmar a necessidade de seriedade nos atos que impliquem busca e apreensão em escritórios de advocacia". A afirmação foi feita hoje (30) pelo jurista e professor emérito da PUC de São Paulo, Celso Antônio Bandeira de Mello, ao se manifestar sobre o projeto de lei 36/2006, já aprovado no Congresso Nacional e que versa sobre a inviolabilidade dos escritórios de advogados no Brasil.

Ainda segundo o renomado jurista, o projeto de lei enfatiza o que chamou de "conveniência óbvia" do sigilo profissional e da garantia do direito de defesa, que deve ser preservado em toda sua extensão. "Inexistem no projeto regalias ou discriminações em favor do profissional advogado, mas cautelas em favor dos cidadãos em geral e da vivência democrática, a qual presume uma ambiência segura, responsável e serena."

A seguir a íntegra da manifestação acerca do projeto 36/2006, feita pelo jurista e professor emérito da PUC de SP, Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Não há razão prestante para toda a celeuma criada com o projeto de lei nº 36, que dispõe sobre a inviolabilidade do local e instrumento de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência. Diferentes manifestações criticas que a ele vem sendo feitas, não estão tomando em conta, nem a legislação que já hoje vigora, nem as particularidades nele enfrentadas, imaginando-se que veio a trazer surpreendentes e inadmissíveis novidades prestantes para injustificado acobertamento de atos ilícitos.

"Já há, atualmente, na lei nº 8.906, de 04.07.94, que "dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)", um artigo 7º, cujos termos são os seguintes:

São direitos do advogado:

"I - .........................................................

II - ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB;".

O novo artigo 7º, previsto no citado anteprojeto estatui:

"II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia".

Há nele, pois, tão somente, de um lado, a especificação de que a inviolabilidade abrange seus instrumentos de trabalho e que sua correspondência é a "escrita, eletrônica, telefônica e telemática", a qual, de resto, já estava compreendida na expressão "comunicações telefônicas ou afins", além do acréscimo esclarecedor, que se faz no projeto, de que a correspondência inviolável é apenas aquela relativa ao exercício da advocacia.

Eis, pois, que a única aparente ampliação da inviolabilidade é a extensão dela aos instrumentos de trabalho do advogado, o que, a final, nada tem de estranho ou excepcional.

Com efeito, no passado, os arquivos, dados e correspondência que já eram protegidos (por se considerar necessário à liberdade de defesa e ao sigilo profissional), constavam de documentos registrados no papel, ao passo que hoje costumam ser conservados em um dado instrumento de trabalho: o computador. Logo, a alteração proposta não traz nisto modificação substancial, mas apenas atualização, isto é, ajuste aos tempos modernos, da mesma proteção já dantes contemplada na lei.

Afora isto, prevê-se a inclusão de um parágrafo 5º que também não traz consigo nada além de uma especificação do que se haverá de considerar como "instrumento de trabalho", aí estando arrolados bens que já se suporia abrangidos na redação atualizada do ora vigorante art. 7º, precitado, da Lei da OAB. Com efeito, este artigo 5º do projeto dispõe:

"§ 5º São instrumentos de trabalho do advogado todo e qualquer bem imóvel ou intelectual utilizado no exercício da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos, objetos e mídias de som ou imagem, recebidos de clientes ou de terceiros."

O art. 6º do projeto prevê a quebra da inviolabilidade por autoridade judiciária em decisão motivada - o que, como se sabe - é inerente às decisões judiciais. Tal providência será efetuada com apoio em mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado, o que também não é de surpreender, pois não se trata de diligência indiscriminada, aleatória, ao acaso, às cegas, mas, como é de presumir, com um objeto específico, determinado, já que a ação do Poder Público, no Estado de Direito, há de ser responsável e bem orientada e não um tiro no escuro

Esta diligência far-se-á na presença de representante da OAB, como já hoje é exigido pelo art. 7º da referida lei nº 8.906, de 04.07.94. Tal busca e apreensão, de acordo com o art. em apreço, é cabível sempre que presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, exigência mais do que razoável, pois não se haveria de supor coadunante com um Estado civilizado a busca e apreensão em local de trabalho de pessoa sobre a qual não haja suspeita alguma de prática de ilícito.

Outrossim, no dispositivo em causa, está previsto que não serão utilizáveis documentos, mídias e objetos dos clientes do advogado averiguado, salvo se, como prevê o art. 7º do projeto, estes forem partícipes ou co-autores do crime que deu casa à quebra da inviolabilidade. A restrição em apreço também é perfeitamente razoável para defesa do sigilo profissional e não se vê porque terá provocado tamanha repercussão.

À vista do que se expôs, esclarecido o alcance e o sentido do que consta do projeto, fácil é ver-se que nele nada há de facilitador de condutas criminosas ou criação de indevidos embaraços à investigação criminal.

O projeto nada mais faz que elucidar com maior detença tópicos supostamente obscuros da lei ora vigorante e reafirmar a necessidade de seriedade nos atos que impliquem busca e apreensão em escritórios de advocacia, bem como enfatizar a conveniência óbvia do sigilo profissional e da garantia do direito de defesa, o qual há de ser preservado em toda sua extensão em um Estado que se quer civilizado. Inexistem no projeto regalias ou discriminações em favor do profissional advogado, mas cautelas em favor dos cidadãos em geral e da vivência democrática, a qual presume uma ambiência segura, responsável e serena."

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