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Ophir na UALP: advocacia deve zelar por crescimento justo entre nações

quinta-feira, 24 de maio de 2012 às 17h11

Brasília – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, que preside também a União dos Advogados de Língua Portuguesa (UALP), abriu hoje (24) o II Congresso Internacional dos Advogados de Língua Portuguesa, em Luanda, Angola, destacando que a cada evento como esse “emerge com toda a força a identidade de valores em torno dos ideais de defesa da democracia, de fortalecimento da Justiça e da concepção do advogado como instrumento de defesa da cidadania e das liberdades”. Ophir ressaltou que o compromisso da advocacia deve ser com um desenvolvimento social e ambiental justo e equilibrado entre as nações, sobretudo em benefício das mais carentes, como as de língua portuguesa.


“De que adianta ostentar um robusto Produto Interno Bruto se a desigualdade é a regra?”, questionou o presidente nacional da OAB em seu discurso ao participantes do II Congresso. “Por trás desse índice estão os comerciais de cigarros, a poluição do ar, as vítimas de cuidados básicos de saúde, de educação e da insegurança. De que adianta um PIB assim se a população transforma suas casas em prisões? Se não garante a saúde de nossas crianças? Se não protege nossas reservas ambientais?”.


Ele saudou a realização do Congresso e a oportunidade de seu tema central — Advocacia, Estado de Direito e Desenvolvimento —, “quando o mundo assiste o desenrolar de uma crise global que põe em xeque modelos antes tidos como irrefutáveis e que hoje caem como um castelo de cartas, arrastando nações inteiras”. Participam do encontro em Luanda Ordens de Advogados de Angola, Cabo Verde, Brasil, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Ophir conduziu a sessão solene abertura do Congresso com a participação do bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, Manuel Inglês Pinto, e de representantes do governo angolano. Em seguida, falou o vice-presidente da República de Angola, Fernando da Piedade Dias dos Santos.

Eis a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante:

Senhoras e Senhores,

Sempre que os advogados de língua portuguesa se reúnem — e faço esta afirmação sem nenhum sentimento cabotino - , vem à mente um fato que fala por si só e expressa a importância que devemos assumir, se não neste momento, em futuro bem próximo, no contexto mundial: é que, juntos, representamos 25 por cento dos advogados de todo o planeta.

A União dos Advogados de Língua Portuguesa, sonho que alimentamos durante anos, está consolidada. É uma realidade que se repete a cada evento como este, no qual emerge com toda força a identidade de valores em torno dos ideais de defesa da democracia, de fortalecimento da Justiça e da concepção do advogado como instrumento de defesa da cidadania e das liberdades.

E com este sentimento comum, estamos realizando mais uma edição do convênio que se celebra com a advocacia brasileira com vistas a aprimorar os conhecimentos do nosso sistema judiciário e da prática do exercício diário de nossos escritórios. O intercâmbio de experiências não apenas aproxima mais, como também nos torna mais irmãos, ligados pela língua comum.

Desta forma, saúdo a realização deste Congresso e a oportunidade de seu tema central — Advocacia, Estado de Direito e Desenvolvimento —, quando assistimos o desenrolar de uma crise global que põe em xeque modelos antes tidos como irrefutáveis e que hoje caem como um castelo de cartas, arrastando nações inteiras.

Modelos econômicos, é importante frisar, concebidos sob uma ótica segundo a qual se algo der errado, a conta deve recair sobre os países mais pobres. Os blocos que se contrapõem a essa lógica, BRICS e outros amontoados de letras, são meros ensaios para um espetáculo cuja platéia é de poucos lugares.

Na metáfora do grande pensador Eduardo Galeano, o desenvolvimento é um banquete com poucos convidados. Os pratos principais estão reservados para as mandíbulas do capital internacional.

Internamente, os países em desenvolvimento como o Brasil padecem de problemas estruturais sérios, sujeitos a epidemias da Idade Média e a calamidades que nos fazem recuar a quase um século de história.]

Situando a temática no Brasil, agora mesmo o centro do Nordeste brasileiro atravessa uma das maiores secas de sua história e homens, mulheres e crianças de um país que diz ser a 6ª economia do mundo lutam entre si por um pouco de água suja.

De que adianta ostentar um robusto Produto Interno Bruto se a desigualdade é a regra? Por trás desse índice estão os comerciais de cigarros, a poluição do ar, as vítimas de cuidados básicos de saúde, de educação e da insegurança. De que adianta um PIB assim se a população transforma suas casas em prisões? Se não garante a saúde de nossas crianças? Se não protege nossas reservas ambientais?

De que adianta a paisagem, diria o imortal Manuel Bandeira, a Glória, a Baía da Guanabara, a linha do horizonte, de que adianta tudo isso se o que eu vejo é o beco.

Senhoras e Senhores,

Recordo aqui um episódio, quando o então presidente do Fundo Monetário Internacional, o FMI, Michel Camdessus, disse estar na hora de os países desenvolvidos baixar sua arrogância e “humanizar” a globalização.

Poucos dias antes, o mundo ficara chocado com a notícia de dois adolescentes da Guiné cujos corpos foram retirados do compartimento do trem de pouso de um avião comercial belga que pousara em Bruxelas procedente da África. Os jovens não sobreviveram ao frio e com eles foram encontradas mensagens que diziam: “Não temos direitos, não temos educação, não temos trabalho, não temos comida. Só temos guerras e fome. Ajudem-nos”.

Esta imagem continua atual nos nossos dias, principalmente quando temos em mente a competição do comércio transnacional, as peculiaridades político-jurídicas de cada país e o sentimento protecionista que nessas horas costuma aflorar nas economias fragilizadas. Enquanto o mundo se moderniza, a Terra gira como a nos dizer que esta história nós já vimos: a conta pela crise será paga por alguém, mas esse alguém não é quem fez a crise. Esse alguém seremos nós.

É justamente esta sinalização que países como o Brasil vem dando ao mundo, porque há problemas de sobra internamente para termos de ajudar a resolver os problemas de caixa dos países ricos.

O certo é que, mais uma vez, seja em nome do equilíbrio, seja em nome da segurança jurídica, ambas essenciais aos complexos negócios das economias globalizadas e dos mercados interdependentes, cresce em importância o papel reservado para a Advocacia.

Há que se buscar marcos regulatórios com vistas a tornar a linguagem do Direito uma linguagem universal, que tenha, no advogado, o seu principal agente transformador — e, por que não, revestindo sua nobre missão de um caráter constitucional global?

Sabemos todos que as relações entre o universo jurídico e os grandes negócios internacionais compõem uma complexa teia, em face dos desafios impostos pelos meandros das legislações de cada país.

Não há como negar o extraordinário crescimento das oportunidades proporcionadas pela participação cada vez maior do Brasil no comércio internacional. No entanto, importante destacar que em nosso país o exercício da advocacia impõe aos profissionais (sejam pessoas naturais, sejam sociedades), que não se revista de características meramente mercantis.

Jamais aceitaremos regras que podem ser até convenientes aos empreendimentos negociais, mas nunca ao Direito.

E por quê?

Porque a advocacia no Brasil é um serviço essencial à administração da Justiça, não se cuidando de um mero serviço auxiliar do comércio. Este é um preceito escrito na Constituição Federal. No Brasil, o advogado, em seu ministério privado, pratica um serviço público, lhe cabendo, por força de lei, uma missão social.

O advogado age com liberdade, independência, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, como determina o artigo 133 da Constituição, não podendo, desse modo, se sujeitar ou se submeter às imposições e regras mercantilistas.

Essa relevância foi reforçada na lei federal 8906/94, conhecida por nós como o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, que conferiu igualdade entre advogados, juízes e promotores. Inexiste entre eles subordinação profissional ou hierárquica.

Ou seja, dentro do guarda-chuva da administração da Justiça, a alma do advogado se faz presente no promotor e no juiz, pois tanto um quanto o outro ingressam no mundo do Direito pelas portas da advocacia.

Por tudo isto é que o advogado deve ser diligente para com os interesses do cliente. Deve zelar para com a processualística. Deve se empenhar nas técnicas e métodos de atuação. Deve manter respeito, equilíbrio e moderação nas atitudes. E mais importante: deve cumprir fielmente a sua missão social.

Sem respeito aos direitos, não existem grandes povos. Não há sequer sociedade, pois o que vem a ser uma reunião de seres racionais e inteligentes, cujo único laço é a força?

Esta pergunta nos leva, imediatamente, de novo a refletir sobre a importância do advogado num mundo delimitado por fronteiras políticas e jurídicas muitas vezes conflitantes.

Sendo assim, é dever do advogado partir para a defesa dos direitos humanos, que implica a expressão universal de valores de isonomia, solidariedade, liberdade e igualdade.

De tal forma que, pela necessidade de liberdade e independência no desempenho de suas funções, e pelo conteúdo missão social da advocacia, sendo um agente ativo da Justiça, surge uma profunda questão ética que deve ser preservada em nossa atividade.

Não se pode, em nome da soberania nacional, admitir que essa atividade essencial, institucionalizada na Lei Maior, tenha seu exercício liberalizado sem o necessário controle da entidade que o representa e que tem poderes para a defesa, a seleção e a disciplina de seus inscritos, sob o argumento mercantilista de liberalização dos mercados.

É necessária uma adequação no confronto entre esses direitos substanciais para que a dignidade humana seja preservada e o Estado democrático de Direito constitua o fundamento do ordenamento do país.

Estas são, de maneira geral, a visão da União dos Advogados de Língua Portuguesa sobre as questões a serem aqui debatidas. É natural e estimulante o interesse dos advogados de língua portuguesa a respeito de todos os aspectos que movem a economia mundial, que afinal dizem respeito ao desenvolvimento de nossa própria economia.

Nossa preocupação está, sobretudo, na defesa de uma classe que, constitucionalmente, integra o universo da administração da Justiça, não sendo, repito, apenas uma extensão setorial do mercado dos interesse privados.

Já tive, em outra ocasião, a chance de fazer um apelo à união de nossos interesses, mas volto a fazê-lo estimulado pela alegria de rever o empenho de colegas que dedicam suas vidas a encurtar as distâncias que nos separam.

Devemos promover a verdadeira integração dos advogados de língua portuguesa, respeitando as diferenças, compreendendo as particularidades, mas conhecendo melhor a realidade de uma profissão que tem muito a contribuir com o desenvolvimento das instituições democráticas aonde quer que estivermos.

Reitero, com toda a convicção, que nossa diversidade geográfica, ao invés de constituir empecilhos ao entendimento, assinala uma identidade marcada pela língua e pelo Direito em defesa de ideais comuns. Somos adeptos do Estado democrático de Direito e regidos por Constituições soberanas legitimadoras de uma coletividade política de cidadãos iguais.

Mas ainda estamos muito abaixo da importância e do expressivo número que juntos apresentamos, o que só reforça a necessidade de transformarmos o intercâmbio uma força propulsora capaz de aumentar a influência de toda a comunidade dos países de língua portuguesa no mundo.

Muitos têm sido os encontros e programas de cooperação realizados entre os advogados lusófonos, mas devemos intensificar esse intercâmbio com uma série de ações visando inserir cada vez mais a advocacia de língua portuguesa no mercado internacional.

Podemos – e devemos – usar as ferramentas tecnológicas disponíveis, como a rede mundial da Internet, para ampliar os contatos entre os advogados de língua portuguesa, ao mesmo tempo em que é se impõe uma cooperação estreita com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa com vistas a identificar oportunidades comuns de trabalho.

Esta cooperação envolve também entidades representativas de advogados de outras línguas, com as quais devemos manter estreito contato.

Já se completaram doze anos desde a criação, em 1999, do Conselho Permanente de Ordens e Associações de Advogados dos Países de Língua Portuguesa, que resultou na UALP. Nesse período, o mundo mudou bastante, milhões de informações passaram a circular em tempo real, interferindo em nossas relações profissionais e até pessoais. As distâncias diminuíram, mas a língua ainda é o elemento mais vigoroso de uma cultura.

Cada país tem sua peculiaridade. O Brasil, por exemplo, possui influência não só indígena e africana, mas também árabe, oriental e de outros países europeus. Na África, há influências das diversas etnias, o mesmo ocorrendo com Macau em relação ao continente asiático.

A língua portuguesa, no entanto, continua sendo o nosso fator de coesão e de aproximação. Com ela, seremos ouvidos e compreendidos, como desbravadores que somos, superando distâncias e obstáculos, singrando por mares furiosos e escapando de rochedos traiçoeiros para provar, afinal, que o mundo é redondo.

Com o calor da amizade que deve nutrir os sentimentos humanos, registro em nome de todos os advogados de língua portuguesa o orgulho pela nossa profissão; além da língua que nos une, há um sentimento mais forte que nos faz respirar, que é a busca incessante por justiça, deixo aqui, em nome de todos os advogados de língua portuguesa, os meus aplausos pela iniciativa deste Evento, desejando a todos pleno êxito e luzes brilhantes na orientação segura dos debates que aqui se travarão.
 

Muito obrigado.

 

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