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Artigo Marcus Vinicius: A Comissão da Verdade como obra de Estado

sexta-feira, 18 de maio de 2012 às 10h08

Brasília - O artigo "A Comissão da Verdade como obra de Estado" é de autoria do secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. O autor representou o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, por ocasião da audiência pública realizada no Senado Federal quando da votação da Comissão da Verdade.

"A Comissão da Verdade, cujos integrantes tomaram posse, com o prazo de dois anos para concluir seus trabalhos, possui a estadista missão de trazer à tona relevantes fatos ocorridos durante a ditadura militar, dando concretude à lógica segundo a qual o maior antídoto contra regimes autoritários é o não perecimento da memória sobre os horrores de que eles são capazes.  

Não se trata de uma Comissão que possua uma função de cumprir uma pauta governamental, mas de se afirmar como órgão de Estado, a desempenhar suas funções com liberdade, não sendo garroteado por interesses menores, o que significa não se deixar intimidar por pressões, advindas de qualquer setor, inclusive e principalmente de agentes defensores dos que cometeram arbítrios ou foram deles coniventes ou beneficiários.

Razão não assiste a determinada parcela da área militar que tenta impingir o caráter revanchista à Comissão. Em verdade, a Comissão possui, sim, o papel de buscar escrever a história do país com tintas reais, revelando todos os fatos, como direito público de todos e cada um dos brasileiros. Assim sendo, seu trabalho irá revelar fatos concretos, tal como ocorreram, sendo falsa a imputação de vingança ou perseguição. Sua excelência, o fato, não possui partido político nem estrelas na farda, ele decorre da pesquisa histórica e sistemática que realmente ocorrido. A própria lei que criou a Comissão, esclarece que ela não possui 'caráter jurisdicional ou persecutório', contudo impõe, corretamente, aos servidores públicos e aos militares o dever de colaborar com a Comissão.

A proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana é basilar para a construção de uma nação livre, justa e fraterna, donde decorre uma dos objetivos centrais da Comissão da Verdade, qual seja “esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos' entre 1946 e 1988 e 'promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior”.

Para dar efetividade às suas atribuições, a lei que criou a Comissão lhe atribui a competência para requisitar documentos de órgãos públicos, convocar para entrevistas 'pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados', promover audiências públicas e solicitar proteção para indivíduos que eventualmente se encontrem 'em situação de ameaça' por conta da colaboração com os seus trabalhos.

Bem andou a Presidente da República, Dilma Russef, no momento da sanção presidencial, ao anunciar que “o silêncio e o esquecimento são sempre uma grande ameaça. Não podemos deixar que no Brasil a verdade se corrompa com o silêncio”. E, mais disse a Presidenta, “a verdade interessa muito às novas gerações que tiveram a oportunidade de nascer e viver sob regime democrático. Interessa, sobretudo, aos jovens que hoje têm o direito à liberdade e devem saber que essa liberdade é preciosa e que, muitos, por ela lutaram e pereceram. As gerações brasileiras se encontram hoje em torno da verdade. O Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio”. Não se corre o risco do partidarismo ao reconhecer que tais palavras pronunciadas pelo Chefe de Estado e de Governo do Brasil refletem a posição e o pensamento da ampla maioria da sociedade brasileira.

Como já reafirmado, de modo alvissareiro, pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante,os membros da Comissão são competentes e “profundos estudiosos, respeitados e com amplo conhecimento da matéria devendo, por isso, atuar com senso da mais alta responsabilidade na apuração dos fatos que precisam ser passados a limpo, para que a verdade histórica seja conhecida em sua plenitude”.

Há cerca de um Século antes da ditadura militar, Machado de Assis anunciara, “Completa-se a emancipação da inteligência e começa a dos povos. O direito da força, o direito da autoridade bastarda consubstanciada nas individualidades dinásticas vai cair. Os reis já não têm púrpura, envolvem-se nas constituições. As constituições são os tratados de paz celebrados entre a potência popular e a potência monárquica” (Machado de Assis in O Jornal e o Livro).

Tal lição, decorrente não de um jurista ou constitucionalista, mas de um especial observador do cenário de construção das nações,  já assentava o ensinamento irretocável de que não mais se admite poder maior que a Constituição. É o Estado Democrático de Direito, livre de privilégios, que deve vigorar.

A aludida crônica de Machado de Assis, publicada originalmente há mais de 150 anos, revelava a importância do acesso à informação para o exercício da cidadania.

Para o mestre das letras, a informação do “jornal é a liberdade, é o povo, é a consciência, é a esperança, é o trabalho, é a civilização”. No mesmo sentido, milenar pregação cristã nos ensina que a verdade é libertária. Por certo, somente o acesso aos fatos poderá libertar o povo, com a consciência e a esperança de que a democracia sempre será maior.

O silêncio traveste legalidade aos atos dos que reinaram à força, agride a memória e a dignidade das vítimas, caçoa do sentimento das famílias e ameaça silenciosamente o cidadão. Como pode o cidadão acreditar no Estado que não o protege? O Estado possui, como razão de existência e meta a ser perseguida, a salvaguarda do ser humano, a concretização de seu bem estar e a busca de sua felicidade. O Estado não possui fim em si mesmo, menos ainda pode ser instrumento de opressão sobre o homem."

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