OAB-GO vai apurar a fundo todas as denúncias de fraudes

domingo, 20 de maio de 2007 às 01:18

Goiânia, 20/05/2007 - O presidente da Seccional de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Miguel Cançado, garantiu que a entidade que preside não abre mão da apuração de todos os fatos que vieram à tona com a deflagração da Operação Passando a Limpo pela Polícia Federal e que culminou com a prisão de onze pessoas supostamente envolvidas com fraudes no Exame de Ordem em Goiás. ““Somos os mais interessados na apuração correta dos fatos”, afirmou Cançado para, ao mesmo tempo, alertar que não pode condenar ninguém: “Não sou policial, nem promotor, nem juiz. Temos que aguardar a conclusão das investigações e a decisão da Justiça. Não podemos caminhar para um Estado policial”.

Em visita ao Jornal Opção, de Goiânia, o presidente da OAB-GO apresentou diversos documentos mostrando que denunciou à Polícia Federal todas as suspeitas de fraudes relativas ao Exame de Ordem. “Tenho aqui um conjunto de documentos que mostram as providências que tomei nesse caso. Foram feitas seis comunicações à OAB de que haveria fraude no Exame de Ordem. Todas elas sem nenhuma consistência probatória. Mesmo assim, encaminhei as denúncias para a Polícia Federal”. Durante a entrevista, Miguel Cançado garantiu que não tem nenhum envolvimento no caso e o episódio não pode manchar a importância histórica da Ordem.

Segue a entrevista concedida pelo presidente da OAB de Goiás aos jornalistas Euler de França Belém, Hélmiton Prateado e José Maria e Silva e o advogado Reinaldo Barreto, do jornal Opção:

P- Antes de tratarmos da questão do Exame de Ordem, gostaria de tratar de outro assunto. Recebi a denúncia de que há uma quadrilha de advogados extorquindo dinheiro do Dpvat. Eles ficam com 20 por cento do Dpvat da pessoa, sendo que não é necessário advogado para receber esse seguro. Segundo consta, há representações no Conselho de Ética da OAB e um dos advogados envolvidos faz parte da oposição na Ordem. Como o senhor avalia isso?
R- Está havendo um afloramento da questão política em face do momento em que estamos vivendo. E eu não gostaria de avivar isso. Não posso falar das representações que se processam na Ordem, porque a lei não me permite essa conduta. Na OAB, como nos demais conselhos profissionais, os processos éticos correm em segredo de justiça. E não me lembro se recebi denúncias específicas sobre essa questão do Dpvat. De fato, para o cidadão receber o Dpvat, ele não precisa de advogado. Basta ir a uma seguradora, com a documentação necessária, que ele recebe o que tem direito. O que tenho a dizer é o seguinte: o cidadão que se sentir lesado por um advogado nessas circunstâncias, seja esse advogado quem for, procure a OAB.

P- A denúncia de fraude no Exame de Ordem atingiu o próprio presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem, Eládio Amorim Mesquita, que chegou a ser preso. Em nenhum momento, o senhor desconfiou que estivesse envolvido nessa questão da venda de provas, como acredita a Polícia Federal?
R- Nenhuma. Tenho aqui um conjunto de documentos que mostram as providências que tomei nesse caso. Foram feitas seis comunicações à OAB de que haveria fraude no exame de ordem. Todas elas sem nenhuma consistência probatória. A primeira que recebi, em 30 de novembro de 2004, foi verbal. Uma moça foi ao meu gabinete, muito nervosa, e disse que havia alguém vendendo resultado do exame de ordem. Mas ela não quis reduzir a termo e assinar suas declarações. Disse apenas ter alguns nomes, ninguém da Ordem, e que poderia dar esses nomes, desde que eu garantisse sua aprovação no próximo exame. Naturalmente, dei a ela a resposta que merecia. Mesmo sendo uma denúncia verbal, sem nenhuma consistência de dados, fiz um ofício e, no dia 1º de dezembro de 2004, entregamos esse ofício ao superintendente da Polícia Federal, Manuel Trajano, que determinou a investigação do caso. Depois, houve o caso de Brasília.

P- Que foi esse caso?
R- Foi em 30 de maio de 2005. Nesta data, o Jornal de Brasília noticiou a prisão de um sujeito de nome Hélio Ortiz, que tinha dito que, em Goiás, conseguia aprovar pessoas no exame de ordem até por telefone. No mesmo dia em que eu soube da matéria, produzi um ofício, encaminhando a denúncia à Polícia Federal e, paralelamente, comuniquei o fato à comissão do exame de ordem. Pesquisando os documentos da comissão, descobrimos que esse sujeito tentou se inscrever no exame, mas teve sua inscrição indeferida. Mesmo assim, comuniquei o fato à Polícia Federal. E, em junho de 2005, a Polícia Federal nos solicitou nome, endereço e telefone dos integrantes da comissão e das bancas examinadoras do exame de ordem, assim como a relação dos candidatos aprovados nos dois últimos exames.

P- Este foi o segundo comunicado à Polícia Federal?
R- - Sim. Pouco depois, em agosto de 2005, uma pessoa deixou com a minha secretária uma denúncia apócrifa, sem assinatura, dizendo que três pessoas tinham sido aprovadas no exame de ordem por terem comprado a prova. E dava o nome dessas pessoas. O que eu poderia ter feito com um documento apócrifo, sem assinatura? Poderia ter jogado no lixo. Mas não o fiz. Mandei fazer cópias das fichas de requerimento das inscrições das pessoas citadas e encaminhei o fato para a Polícia Federal.

P- Pela terceira vez, então?
R- Pela terceira vez. Em 13 de junho de 2006, o professor João Cruz Gonçalves Neto, da Universidade Católica de Goiás, encaminhou um ofício à Ordem dizendo o seguinte: “Senhor presidente, tem havido boatos, entre os alunos da nossa universidade, de que alguns daqueles que se submeteram aos últimos exames em nossa seccional compraram a prova com antecedência, por valores que variam entre 5.500 e 7.500 reais”. Mas, em nenhum momento, ele carreava informações que pudessem ser consideradas como provas. O professor disse apenas: “Tem havido boatos”. Mas, no dia 19 de junho, proferi um despacho determinando o encaminhamento da denúncia à Polícia Federal; encaminhando cópia do expediente aos membros da comissão do exame para que prestassem informações; encaminhando cópia ao reitor da Católica, Wolmir Amado, para que, em face da gravidade da denúncia, formulada pelo professor da instituição, ele procurasse saber do professor mais detalhes do caso, se houvesse; e também encaminhei cópia à diretora da Faculdade de Direito da Universidade Católica, Helenísia Maria Gomes. E disse, em ofício ao professor João Cruz: “Diante da gravidade da denúncia oferecida, indago-lhe se tem conhecimento de algum caso concreto e, em caso afirmativo, que comunique ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil”.

P- Depois, houve o caso de um preso?
R- Sim. No final de agosto, início de setembro do ano passado, num processo-crime na 3ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia, um sujeito investigado por tráfico de drogas disse que seria possível adquirir provas da OAB-Goiás. Muito embora o Ministério Público Estadual estivesse presente e fosse um fato comunicado ao juiz de direito, devendo eles, de ofício, tomar providência, fiz eu mesmo a providência. Extraí copia do depoimento e comuniquei o fato à Polícia Federal. E, mais uma vez, pelo que está nos autos, não houve referência a nomes de pessoas, não havia fatos consistentes. Em janeiro, recebo um expediente do presidente em exercício da comissão dizendo que ouviu indícios de que poderia estar havendo alguma fraude no exame de ordem. Eu estava em férias, mas, assim que recebi o documento, proferi o despacho, instaurando procedimento administrativo para apurar os fatos. Designei uma comissão, presidida pelo conselheiro Murillo Macedo Lobo e composta pelos conselheiros Maria Lucila Ribeiro Prudente Carvalho, advogada da União, e Alexandre Magno de Almeida Guerra Marques, que é advogado e presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de Goiás. Também encaminhei cópia desse expediente à Polícia Federal. Assim agimos, muito embora não tivéssemos nenhum nome, só boatos.

P- Mas se houvesse nomes, provas, gravações, não era caso nem de pedir para investigar. Era caso de denunciar, não?
R- Claro. E teríamos feito a denúncia. Como fizemos, mesmo não havendo consistência nos fatos alegados.

P- A Polícia Federal apurou essas denúncias, na época, e não encontrou nada?
R- A Polícia Federal nos respondeu, em maio de 2005, que não havia nada. Se ela, com a capacidade de investigação que tem, não tinha dado conhecimento a nós de nenhuma irregularidade no exame de ordem, o que mais podia eu fazer?

P- No ofício que a delegada Esmeralda Aparecida de Oliveira e Silva, da Polícia Federal, encaminhou ao senhor em 13 de junho de 2005, ela afirma que, apesar de não ter encontrado nada de errado, isso “não permite uma interpretação extensiva que pudesse negar, de forma genérica, a ocorrência de fraude nos processos seletivos do exame de ordem dessa referida secional”. Levando em conta o grande número de denúncias e também o que diz a delegada, toda a comissão de seleção já não deveria ter sido afastada?
R- Concordo com ela. É lógico que aquele ofício não poderia ser interpretado como uma carta de alforria que pudesse ser levada em consideração sempre. Tanto que, logo depois de ter recebido esse ofício da delegada, denunciei à Polícia Federal o caso do preso que falou de supostas fraudes no exame de ordem. Se eu fosse leniente, poderia deixar para lá, alegando que a própria Polícia Federal não tinha encontrado nada. O caso, embora boato, e como tal devesse ser tratado, foi levado às autoridades policiais competentes. Agora, como é que iria condenar antecipadamente os membros da comissão, com base em suposições, em ilações? A presunção de inocência precisa ser respeitada. Sou advogado, defendo essa regra, defendo essa tese. Aliás, eu poderia até ser processado por danos morais se demitisse um funcionário da Ordem com base nessas ilações.

P- Até a última sexta-feira, então, o presidente da comissão de seleção, Eládio Augusto Amorim Mesquita, era de sua inteira confiança?
R- Não serei leviano de dizer que os membros da comissão, nomeados por mim, não são da minha confiança. E não vou condená-los. Não sou policial, nem promotor, nem juiz. Acho que a poeira vai assentar e as coisas vão vir às claras. Quem tiver que ser punido será. Mas a condenação não pode ser minha e não pode ser da imprensa também. Será que é justo que todas as pessoas que tiveram seus nomes envolvidos no caso sejam tratadas como culpadas, sejam condenadas? Não estou fazendo a defesa de ninguém, mas também não estou fazendo condenação prévia. Não tenho dúvida de que há um equívoco e de que há um superfaturamento de dados e valores. Saiu na imprensa que, em cada concurso, cerca de 150 pessoas estavam sendo aprovadas mediante fraude e que isso teria movimentado 3 milhões de reais. O juiz determinou a suspensão da inscrição de 36 bacharéis porque teria havia fraude. E há suspeitas de que pudesse ter ocorrido fraude em outros 80 casos. Ora, isso significa que as suspeitas recaem sobre 116 inscritos. Com base em que se fala, então, em 150 casos de fraude em cada exame, movimentando 3 milhões de reais? Isso é ilação. E procedimento judicial e investigação policial não podem ser feitas com base em ilações. Investigação policial é peça científica.

P- A advogada Luíza Telles Pinheiro de Freitas pagou 7 mil reais pela aprovação fraudulenta. Ela não foi aprovada na primeira fase, mas, mediante fraude, passou para a segunda fase. Foi reprovada novamente na segunda fase, entrou com um recurso, mas o recurso não foi provido. Então, ela ameaçou denunciar toda a fraude à Polícia Federal. Diante disso, expediu-se uma certidão para ela obter a carteira de advogada.
R- Ele ainda está sendo objeto de investigação. Tão grave como cometer um ato fraudulento contra uma instituição séria como a OAB é antecipar condenação de pessoas. Como posso condenar pessoas antes que o processo de investigação esteja seguramente concluído? A investigação começou agora. Até hoje, quinta-feira, são apenas quatro dias úteis. É evidente que vamos apurar isso. Mas vamos apurar respeitando o Estado democrático de direito.

P- Nesse caso, os indícios não são muito fortes de que realmente houve fraude?
R- Vou esperar que as provas sejam colhidas com consistência e que o Judiciário faça essa avaliação.

P- O senhor acha que as provas atuais não são consistentes?
R- O processo precisa ser interpretado no contexto de um conjunto de elementos que ainda não está pronto.

P- Interpretações de conversas telefônicas e gravações em áreas livres não são provas consistentes?
R- Sustentando a representação há fotos de pessoas dando tchauzinho para as câmaras. Duas pessoas que não são da comissão, não são dirigentes da Ordem, não são empregadas da Ordem. Há uma foto da fachada de um prédio. Há uma foto de um pneu de um carro. E há fotos de pessoas conversando entre si. Numa delas, está escrito assim: “Fulana de tal, aliciadora, conversando com estudantes”. Será que todas as pessoas com as quais um jornalista conversa são pessoas absolutamente honestas ou ele corre o risco, no dia a dia, de conversar com uma pessoa que praticou crime, sem ele saber? Nesse caso, porque conversou com essa pessoa, ele também é criminoso? Não é assim que se conclui uma investigação policial nem um processo judicial.

P- O senhor está sugerindo que pode ter havido uma armação?
R- Estou sugerindo que é preciso esperar a poeira assentar e o Judiciário decidir. O juiz Marcelo Lobão [da 5ª Vara Federal], foi muito firme na decisão que tomou, entendendo que, até aqui, não havia mais a necessidade da prisão provisória das pessoas acusadas. Nem a Ordem nem a imprensa podem condenar ninguém. Quem condena é o Judiciário, com base em provas.

P- De forma técnica, com autorização judicial, a Polícia Federal juntou, no pedido de prisão, quatro gravações em que o senhor, presidente da OAB, conversa com o presidente da comissão de seleção, Eládio Amorim Mesquita, pedindo para aceitar a inscrição de dois candidatos fora do prazo de inscrição, o que, segundo o delegado, se constitui num crime de inserção de dados novos no sistema. O senhor nega essa gravação, nega o pedido?
R- Lógico que não nego. Mas é um equívoco dizer que se trata de um tipo penal que estaria incurso no Código Penal, no artigo 313-A, que é outra figura. Não houve inserção de dados. A lista de candidatos só é produzida depois de analisadas as inscrições. Por exemplo, se o candidato tem residência fixa no Estado, se o candidato se bacharelou em instituição de ensino superior. Antes disso, ainda não há um banco de dados de candidatos ao exame. Por outro lado, o exame de ordem não é um processo eliminatório. Não há eliminação de um candidato por outro. Não há dano nisso. Para haver prática criminosa, é preciso haver dano. Que dano há nisso: o sujeito vem do interior e eu digo ao presidente da comissão: “Se possível, receba a inscrição desse rapaz”. E digo mais: esse candidato nem sequer foi aprovado no exame. Ele não estava disputando vaga com ninguém. Isso é uma mera liberalidade administrativa. Tanto que nem foi pedida a prisão do presidente da Ordem. Mas se essa imputação me vier, eu a enfrentarei com absoluta serenidade.

P- Como administrador público, presidente de uma autarquia, o senhor deve se reger pelo princípio da publicidade, legalidade, impessoalidade, eficiência e moralidade. Outro bacharel que não tivesse ninguém para pedir por ele teria de aguardar mais quatro meses para se inscrever no exame de ordem e fazer a nova prova. Isso não fere o princípio da moralidade, uma vez que esse candidato é cunhado do presidente da subseção de Goianésia, que o apoiou na última eleição?
R- Não me parece que fira. É um caso de força maior, um candidato que vem do interior e chega fora do prazo. E não houve outros que tenham me pedido. Foi uma liberalidade administrativa antes do fechamento do banco de dados. Sinceramente, não acho que haja, aí, a quebra de nenhum dos princípios do artigo 37 da Constituição, citados na sua pergunta.

P- O senhor ficou decepcionado com esse grupo, no qual o senhor confiou?
R- Se dissesse que fiquei decepcionado, eu os estaria condenando por antecipação. É lógico que esse episódio me deixa incomodado. Imagine a situação de estresse que vivemos todos nós, dirigentes da instituição, advogados em geral, desde o momento em que se iniciou essa operação. Mas quantas operações já surgiram e, depois, se mostraram exageradas? Recebi, ontem, a ligação de uma autoridade do Estado que me disse: “Eu fui acusado de envolvimento num ato criminoso, que repercutiu muito no Estado, e, depois, recebi um ofício reservado dizendo que era um equívoco”. A denúncia que denigre a imagem das pessoas vende mais, repercute mais. Por isso, como dirigente da instituição, tenho que agir com serenidade, procurando, sobretudo, preservar a Ordem e os seus 74 anos de história. A Ordem é muito maior do que tudo isso. Quantos concursos já não foram anulados nesse país, inclusive concursos para juízes? Nós vamos superar tudo isso.

P- O papel da Polícia Federal, no governo Lula, não tem sido extrapolado? No governo Fernando Henrique, quem agia com exagero era o Ministério Público, que se comporta, às vezes, como célula do PT. Agora, no governo Lula, o Ministério Público ficou mais arredio, enquanto a Polícia Federal passou a atuar com mais força, prendendo empresários, políticos, com estardalhaço.
R- Acho que tem havido muita pirotecnia, muito exagero. É preciso que a polícia tenha serenidade. Estamos vivendo um momento em que conversar com uma pessoa já é motivo para suspeição. Esse Estado policial, em que se escuta todos, é muito ruim. Um telefone celular sobre uma mesa passou a ser uma paranóia. Nesse caso, por exemplo, uma das conversas consideradas suspeitas se deu com uma moça que não é nem advogada, é uma psicóloga, que queria participar de um processo de seleção para o setor de recursos humanos da Ordem. Mas, de repente, esse processo é tratado como se fosse venda de provas do exame da ordem. Ora, por acaso, psicóloga faz o exame da OAB? Entretanto, isso foi considerado prova. Esse Estado policial é muito negativo. Isso tem um pouco a ver com a discussão que está posta no Supremo a respeito de quem tem a titularidade da investigação. Talvez isso esteja provocando essa exacerbação.

P- O senhor fez muitas críticas ao processo de investigação deste caso. Se suas críticas estiverem corretas, como pode um juiz decidir com base em um trabalho de investigação quase amadorístico?
R- O juiz não deve decidir com base num trabalho quase amadorístico. A investigação é peça científica. E cada vez fica sendo mais científica. O magistrado deve levar isso em conta. Caso contrário, vamos desprezar tudo aquilo que foi conquistado até 1988, quando escrevemos uma Constituição analítica, uma das mais extensas do mundo, mas que tem princípios, que precisam ser preservados. A presunção de inocência é essencial, senão vamos a Kafka, ao réu que não sabe porque é réu. E a Ordem, obviamente, não concorda com esse retrocesso.

P- Os envolvidos no caso continuam sendo advogados e membros da diretoria da Ordem?
R- Os membros da comissão foram afastados. Tanto que já nomeei o professor Jônathas Silva para presidir a comissão daqui para frente. Os procedimentos disciplinares, de acordo com o artigo 72 da Lei 8.906, correm em segredo de justiça. Vamos instaurá-los, inclusive quanto a esses aspectos.

P- O conselheiro Pedro Paulo Guerra de Medeiros vai ser afastado? No processo consta uma gravação feita pela Polícia Federal em que três envolvidos dizem que vão trabalhar com o “PP”, em virtude “do esquema dele ser mais simples e barato”.
R- Quantas pessoas se referem aos jornalistas Euler Belém, José Maria e Silva e Hélmiton Prateado nessa cidade sem que eles estejam sabendo? Imaginem quantas pessoas usam o nome das autoridades sem que elas tenham autorizado isso. Não sei se isso aí é verdade. Não vão tirar de mim nenhuma conclusão condenatória.

P - O conselho federal da OAB já designou uma comissão para vir a Goiânia acompanhar o caso. O senhor teme uma intervenção federal na OAB de Goiás?
R- Em primeiro lugar, quem pediu a instauração do procedimento de verificação na OAB Nacional fui eu próprio. Fui esta semana ao Conselho fFderal levando cópias desse dossiê histórico de providências que foram tomadas por nós e levei cópias da medida cautelar de busca e apreensão para que o Conselho Federal tome as providências. Não acredito em intervenção federal. Vamos abrir as portas da OAB de Goiás ao Conselho Federal da Ordem, assim como abrimos as nossas portas para a investigação da Polícia Federal.

P- Quando se discutia o controle externo do Judiciário, o jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça, defendeu o controle externo da OAB, com a participação de membros do Ministério Público e do Judiciário. Penso que isso é um imperativo. Os concursos para delegado, promotor e juiz contam com a participação de representantes da OAB, por determinação legal. Conseqüentemente, o exame da ordem deveria ter a participação de promotores e juízes. Até para o bem da própria Ordem, não seria importante essa participação do Ministério Público e do Judiciário no seu exame?
R- Conheço essa sua posição e já tivemos a oportunidade de debatê-la em outras oportunidades. Mas o Supremo Tribunal Federal, no ano passado, tomou uma decisão que é uma referência muito importante para nós. Essa decisão trata da característica sui generis que tem a Ordem dos Advogados do Brasil. E assim ela é tratada pelo Estado brasileiro. Isso é preservação da norma constitucional. Não tenho grandes resistências a se ter um membro de outras carreiras no exame de ordem, mas é preciso deixar claro que isso não será nenhuma carta de alforria. Lamentavelmente, em todos os ramos da atividade humana, existem aqueles que se dizem da ética, mas não são. Mas o Supremo, num voto da lavra do ministro Eros Grau, se não me engano, em julho do ano passado, analisou o papel da Ordem sob uma ótica muito ampla, tratando da história da instituição. Falando em jurista de renome, o ministro Moreira Alves dizia que a Constituição não diz o que ela diz, ela diz o que o Supremo Tribunal Federal diz que ela diz. E o Supremo Tribunal Federal disse que é assim: que a Ordem é uma instituição sui generis e que a advocacia exerce uma característica toda especial. E é bom para a sociedade isso.

P- Quando o presidente da República vai visitar um centro cirúrgico, ele tem de se paramentar como médico, porque os vírus não respeitam cargos. Da mesma forma, quando vai a um canteiro de obras, tem de pôr capacete, para sua própria segurança. Por que a OAB não deixa seus membros se submeterem ao detector de metais nos presídios, quando se sabe que há advogados trabalhando para criminosos, como ocorria com aqueles que trabalhavam para Fernandinho Beira-Mar?
R- A figura do advogado é protegida não para ele próprio, mas para o cidadão. São prerrogativas profissionais que ele tem não para seu benefício próprio, mas para poder defender o cidadão que precisa de seus serviços. Mesmo o acusado de um crime bárbaro precisa ter a segurança da defesa, senão vamos voltar a Kafka, ao Estado policial. Esse Estado policial vai seguir, se dermos ensejo a ele. Daqui a pouco a própria imprensa vai ser silenciada.

P- Costumo dizer que só existe juiz corrupto porque há advogado para corrompê-lo. O juiz é inerte. Quando se corrompe, ele tem de assinar a corrupção nos autos. Por isso, o juiz só consegue fazer corrupção se tiver o auxílio de um advogado. Até hoje nunca vi nenhum caso de corrupção de juiz que não tivesse advogado como auxiliar. Por isso, a OAB tem de ser muita dura com seus membros. Se ela não for dura, a corrupção só vai aumentar no país.
R- Isso é fora de dúvida. Tanto que o Reinaldo Barreto [advogado, que acompanhava o entrevistado] está concordando com sua afirmação. Claro que eu também concordo. E a Ordem tem feito isso, tem sido rígida. Mas as coisas são como são, não como eu gostaria que fossem. E eu vivo no Brasil, ainda que ele seja essa República que você repetidamente critica. Hoje, há condições técnicas para bisbilhotar conversas, vigiar as pessoas, por isso, precisamos tomar ainda mais cuidado com o Estado policial. A Ordem não é contra detectores de metais. Agora, o sujeito que está no presídio é que tem de ser revistado. Ele é que teve sua liberdade tolhida em razão de um ato criminoso. Então, que ele seja revistado antes e depois da entrevista com o advogado e que se coloque detectores de metais para ele. Com isso, estará respeitada regra que você mencionou sobre os locais insalubres como os presídios. O Brasil não é do jeito que você, com sua sensibilidade, sonha que seja.

P- Quer dizer que o senhor se conforma que o Brasil seja mesmo uma República de Bandidos, em que não valem as regras válidas para todo o mundo civilizado?
R- Claro que não. Eu não quero que o Brasil seja um país de bandidos, mas eu quero que o Brasil respeite regras. E as nossas regras são essas. Eu não vivo sob o império da Constituição dos Estados Unidos, que é secular; eu não vivo sob o império da Constituição da Inglaterra, que é consuetudinária. Eu vivo sob a égide da Constituição Federal brasileira que é uma criança ainda e já é uma colcha de retalhos. Mas é essa a Constituição que temos. Agora, é possível e é preciso corrigir isso.

P- Na sexta-feira passada, o ministro Paulo Gallotti, do STJ, contrariando o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, determinou que os 12 líderes das facções criminosas do Rio que mandaram queimar pessoas vivas voltassem para os presídios cariocas. A alegação dele é que o criminoso tem de cumprir pena perto de seus familiares. Não é um absurdo um ministro do STJ ficar preocupado com a família de assassinos, pondo em risco a segurança de toda uma população?
R- Não se pode converter o processo penal em processo de vingança. É preciso que a pessoa, mesmo tendo cometido crime, mesmo estando presa, tenha as suas garantias individuais preservadas.

P- Não se trata de vingança, mas de bom senso. O interesse público tem de se sobrepor ao privado. Em vez que colocar um criminoso que manda queimar pessoas vivas perto de sua família, caso ele a tenha, a Justiça teria é que protegê-la dele.
R- Não estou defendendo a posição do ministro, até porque não a conheço em profundidade, uma vez que não tive acesso aos autos. O que a imprensa noticiou sobre a decisão dele pode não ser exatamente o que ele proferiu. E vocês, jornalistas, precisam ter muito cuidado com isso. A ementa de uma decisão judicial é sempre muito resumida. É preciso ler o que está no contexto, o que implica conhecer os autos do processo. Essa regra de que o interesse público tem de se sobrepor ao privado está correta, mas é preciso observar, também, as garantias individuais. E é isso o que o próprio Supremo, como intérprete da Constituição, tem feito. Senão, a pretexto de se levar em conta o bem coletivo, vamos acabar no estado da pena de morte.

P- Com decisões liberais como a do ministro Paulo Gallotti é que vamos ao estado da pena de morte. Os 12 líderes das facções criminosas vão voltar para o Rio, vão pagar prostitutas para fazer o papel de famílias deles nos motéis-presídios e vão voltar a infernizar a cidade. Aí, sim, estaremos no estado da pena de morte, porque, de dentro da cadeia, eles sentenciam à morte qualquer um que estiver em seu caminho. Aliás, o ministro Paulo Gallotti iniciou sua carreira jurídica como advogado. Os juízes que têm essa liberalidade quase sempre vem da advocacia.
R- Os advogados quase sempre têm uma visão mais crítica do direito. O que, aliás, é de suma importância para a sociedade. Quem faz a jurisprudência são os desembargadores e ministros, em regra, mas quem os provoca para que ela seja feita, ou seja, quem faz a jurisprudência efetivamente, é o advogado. Ele é quem defende teses que, depois, nos tribunais, vão acabar se tornando jurisprudência. E ainda bem que é assim. É esse trabalho do advogado que garante a liberdade do cidadão, inclusive a liberdade de expressão, tão cara à imprensa.

P- Nesse caso dos líderes das facções criminosas do Rio, o Tribunal de Justiça do Estado, concordando com o Ministério Público Estadual e com a posição do Executivo, entendeu que aqueles presos não poderiam ficar no Rio, dada a sua extrema periculosidade. Então, vem um ministro do STJ e, monocraticamente, revoga a decisão de uma corte, concedendo liminar num pedido de habeas corpus, como se a transferência daqueles presos para Catanduvas tivesse ocorrido de modo arbitrário, merecendo imediata reparação. Essa concessão abusiva de habeas corpus no Brasil se tornou salvo-conduto para o crime. Para um ordenamento jurídico ter um mínimo de lógica, uma decisão de um Tribunal de Estado não poderia ser revogada monocraticamente por um ministro de Corte superior. Só uma instituição é que deveria revogar a decisão de outra.
R- Esse Estado sonhado por você seria um Estado totalitário. Estamos vendo essa condenação do jornalista Diogo Mainardi, por ter criticado o jornalista Franklin Martins, agora ministro. Isso não é bom. Imagine se nós, advogados, começarmos a defender que o habeas corpus já não sirva mais, que ele seja restrito ao máximo? Quantas acusações injustas não levam pessoas à cadeia? Não podemos nos esquecer de um caso clássico de injustiça, o caso da Escola Base, em que os proprietários da escola foram condenados precipitadamente pela imprensa e, depois, se constatou que eram inocentes. As garantias constitucionais são fundamentais para nós.

P- Não há um conflito entre verdade formal e verdade material que se sobrepõe à Justiça e ao direito?
R- Acontece isso a todo momento. Esse conflito é cotidiano. Por isso, é que preciso alguém interpretar. Daí a importância das várias instâncias da Justiça e dos recursos. Essa é a dialética do direito.

P- Durante algum momento do governo Lula, o senhor temeu a implantação de um Estado autoritário, como parece estar ocorrendo em outros países da América Latina?
R- Não temi a criação de um Estado totalitário. Sinceramente, não vi indícios de que isso pudesse acontecer no país.

P- O que o senhor tem a dizer aos jovens que se formaram em direito, que prestaram exame da Ordem e que estão com a esperança em frangalhos?
R- Ontem, quando cheguei à sede da Ordem, em meio à manifestação de protesto de jovens bacharéis em direito, eu disse aos colegas que estavam comigo que o meu sentimento era o de ir para cima daquele carro de som. Até porque fui líder de centro acadêmico. Minha vontade era dizer para aqueles jovens: “Vocês têm razão de se indignarem. Mas vamos respirar. É uma crise lamentável, mas a instituição tem que ter firmeza”. Não podiamos aprovar o exame, como querem eles, pelo fato de terem sido aprovados na primeira fase. Imaginem a hipótese de que mantívessemos a primeira fase. Ocorreria o contrário: alguém que não foi aprovado impetraria uma medida judicial e é fácil prever qual seria a decisão: seria a suspensão da segunda fase, porque um candidato está alegando que não passou porque houve fraude na primeira fase. E, aí, todos aqueles candidatos que foram para a segunda fase iriam carregar esse estigma para o resto de sua vida profissional. Então, respondendo a sua pergunta, o que digo a eles: digo que esse é um episódio que não pode manchar a instituição. Algumas pessoas praticaram crimes. Algumas pessoas se meteram numa enrascada. E a quem interessa essa investigação desde que corretamente feita? À Ordem, à sociedade, a todos nós. Então, que eles compreendam esse momento de crise, que é passageiro, e saibam que vão vir para uma instituição que serve à democracia, que serve à categoria. E a nossa seccional serve muito à categoria. O que peço aos jovens é que eles não se deixem levar por uma onda de derrotismo.

P- A Ordem pretende contratar a UFG ou a UnB para a fazer as provas?
R- Estamos acertando isso. Assumi com os candidatos esse compromisso. Estamos fazendo o possível. São cerca de 2 mil e 900 candidatos. Não tenho o número exato porque nossos computadores foram apreendidos e todas as pessoas que cuidavam do processo seletivo estavam presas até ontem à noite. Então, não tenho os dados concretos. Mas vamos fazer isso logo. [Na sexta-feira, 19, foi definido o dia e local das provas. Elas serão aplicadas pela Fundação Cespe, da UnB, no dia 24 de junho, no prédio da Uni-Anhangüera, da Vila Canaã.]

P- Por que a Ordem destruiu todas as provas dos últimos cinco anos?
R- Porque isso está previsto nos nossos regulamentos. Publicado o resultado dos exames, julgados os recursos, divulgado o resultado final e entregue as carteiras, para que guardar as provas?

P- O senhor garante 100 por cento que não tem envolvimento nenhum nas fraudes?
R- Não tenho nenhum envolvimento.