Íntegra do parecer da AGU na Adin contra pensão a Zeca do PT

quarta-feira, 07 de março de 2007 às 09:48

Brasília, 07/03/2007 – A seguir a íntegra da manifestação da Advocacia Geral da União (AGU), que se posicionou favoravelmente à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 3853. A Adin foi ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra a lei aprovada pela Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, que concedeu subsídio mensal e vitalício ao ex-governador do Estado, Zeca do PT.

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.853-2/600
Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Requerido: Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul
Relatora: Exma. Senhora Ministra Cármen Lúcia

Egrégio Supremo Tribunal Federal,

O Advogado-Geral da União, em face do despacho de fls. 22/23, vem, nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição Federal, e do art. 12 da Lei nº 9.868, de 10 novembro de 1999, manifestar-se quanto à presente ação direta de inconstitucionalidade.

1. A Ação Direta

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por objeto o art. 2º da Emenda Constitucional Estadual nº 35, de 20 de dezembro de 2006, que acrescentou, ao Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, o art. 29-A, abaixo transcrito:

“Art. 29-A. Cessada a investidura no cargo de Governador do Estado, quem o tiver exercido em caráter permanente, fará jus a um subsídio, mensal e vitalício, igual ao percebido pelo Chefe do Poder Executivo.

§ 1º O recebimento do subsídio é restrito ao exercente de mandato integral e não poderá ser cumulativo com a remuneração de cargo eletivo ou de livre nomeação federal, estadual ou municipal.

§ 2º Em caso de falecimento do beneficiário o cônjuge supérstite receberá a metade do subsídio, aplicando a mesma a (sic) inacumulatividade prevista no parágrafo anterior.

§ 3º O subsídio poderá ser retirado pelo voto de 2/3 da Assembléia Legislativa em caso de provada indignidade do beneficiário, pela prática de ato grave no exercício de mandato eletivo ou cargo de livre nomeação.”

O requerente sustenta, em síntese, que a lei impugnada ofenderia os seguintes dispositivos da Constituição Federal:

- art. 22, inciso XXIII, porque estaria dispondo sobre seguridade social;

- art. 37, inciso XIII, porquanto equipararia a “pensão gratuita e vitalícia, a ser concedida a ex-detentor do cargo de Governador” ao subsídio do Chefe do Poder Executivo;

- art. 195, § 5º, uma vez que criaria benefício da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio social e;

- art. 201, § 1º, na medida em que estaria adotando requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ao conceder “aposentadoria a ex-Governador de Estado atualmente submetido ao regime geral de previdência social”.

O Presidente da Assembléia Legislativa prestou as informações de fls. 34/50, pugnando pela constitucionalidade da lei questionada.

Vieram, assim, os autos ao Advogado-Geral da União.

2. A alegada invasão de competência privativa da União

O dispositivo hostilizado concede a Ex-Governadores que tiverem exercido, em caráter permanente, o respectivo cargo subsídio mensal e vitalício.

A concessão de tal benefício, por parte dos Estados, não é novidade no sistema jurídico brasileiro, uma vez que adotavam o modelo federal estabelecido no art. 184 da Carta de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Na vigência da mencionada norma constitucional, esse Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, orientou-se pela constitucionalidade de dispositivos de Cartas Estaduais que concediam idêntico benefício a Ex-Governadores, desde que estritamente observado o modelo federal.

Contudo, a Constituição atual não mais prevê a concessão desse subsídio mensal vitalício a Ex-Presidente da República.

Feito esse registro histórico, passa-se ao exame da alegada invasão da competência privativa da União para legislar sobre seguridade social.

A propósito, a União disciplinou a referida matéria na Lei Federal nº 8.212, de 1991, que “dispõe sobre organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio, e dá outras providências”. O referido diploma legal trata da organização da seguridade social; de seu financiamento; dos contribuintes; das contribuições da União e da empresa, bem como de sua arrecadação e de seu recolhimento, além de dispor sobre os princípios e diretrizes da previdência e assistência social. Entretanto, sobre esses assuntos não cuida o dispositivo atacado.

Ressalte-se, também, que Lei nº 8.212, de 1990, em seu art. 12, com a redação dada pela Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, passou a incluir entre os segurados obrigatórios da Previdência Social, como empregados, os exercentes de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculados a regime próprio de previdência social.

Entretanto, o subsídio mensal e vitalício previsto no dispositivo atacado não tem natureza jurídica de proventos de aposentadoria, pois não visa assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de tempo de serviço, nem depende da observância das condições estabelecidas no § 7º do art. 201 da Constituição da República.

Dessa maneira, a norma estadual questionada, por não dispor sobre seguridade social, não ofende o art. 22, inciso XIII, da Constituição Federal e, conseqüentemente, os arts. 195, § 5º e 201, § 1º, da mesma Carta Republicana, porquanto estes dispositivos estão inseridos no Capítulo que regula o Sistema de Seguridade Social.

3. A equiparação de espécies remuneratórias distintas

O art. 37, XIII, da Constituição Federal, veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal.

Na espécie em exame, a norma impugnada assegura a Ex-Governadores de Estado a percepção de subsídio mensal e vitalício igual ao percebido pelo Chefe do Poder Executivo. Portanto, permite ao ex-detentor do cargo de Governador do Estado, que não mais presta serviço, a percepção de retribuição pecuniária igual ao daquele que ocupa esse cargo. Equivale dizer que equipara espécies remuneratórias distintas.

A jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que é inconstitucional a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração do serviço público, exceto algumas situações previstas no próprio Texto Constitucional. Confira-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 106/2003. ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. PRERROGATIVAS DA MAGISTRATURA. EXTENSÃO AOS MEMBROS DO PARQUET. IMPRESCINDÍVEL A OBSERVÂNCIA DO MODELO FEDERAL. EQUIPARAÇÃO REMUNERATÓRIA. INADMISSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À JUSTIÇA ELEITORAL. GRATIFICAÇÃO. IMPOSIÇÃO DE DESPESA AO ÓRGÃO DO JUDICIÁRIO ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA INDEPENDÊNCIA E DA AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA. BENS DO PODER JUDICIÁRIO. INGERÊNCIA ADMINISTRATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. (...). 4. Vencimentos. Equiparação. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que é inconstitucional a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração do serviço público, exceto algumas situações previstas no próprio Texto Constitucional. (...). 8. Poder Judiciário. Administração dos bens. É competência reservada ao Poder Judiciário a administração e disposição de seus bens. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, nessa parte, deferida.” (ADI 2.831, Rel Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 28.05.2004). [Destaques não originais].

Ressalte-se que a equiparação imposta pelo dispositivo hostilizado não se insere entre as exceções previstas no próprio texto constitucional, o que atrai a incidência da vedação prevista no inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal.

A propósito, os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, no julgamento de medida cautelar postulada nos autos da ADI 1.461, que tem por objeto norma de semelhante teor ao da impugnada na presente ação direta, fizeram questão de consignar que acompanhavam o voto do Relator no seu deferimento, por vislumbrar plausibilidade jurídica na alegação de ofensa ao art. 37, inciso XIII, da Lei Fundamental.

Desse modo, diante da tal precedente, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma ora hostilizada, até porque, nesse mesmo julgado, a Corte Suprema fixou que a ausência de parâmetro federal correspondente inviabiliza a concessão pelos Estados-membros de subsídio mensal vitalício a Ex-Governadores. Confira-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. EX-GOVERNADOR DE ESTADO. SUBSÍDIO MENSAL E VITALÍCIO A TÍTULO DE REPRESENTAÇÃO. EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 003, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1995, DO ESTADO DO AMAPÁ. 1. Normas estaduais que instituíram subsídio mensal e vitalício a título de representação para Governador de Estado e Prefeito Municipal, após cessada a investidura no respectivo cargo, apenas foram acolhidas pelo Judiciário quando vigente a norma-padrão no âmbito federal.
2. Não é, contudo, o que se verifica no momento, em face de inexistir parâmetro federal correspondente, suscetível de ser reproduzido em Constituição de Estado-Membro.
3. O Constituinte de 88 não alçou esse tema a nível constitucional.
4. Medida liminar deferida.” (ADI 1.461, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 22.09.1997). [Destaques não originais].

Por ser inteiramente pertinente, extraem-se do voto do Ministro-Relator os seguintes excertos:

“Abstraindo-me do exame da constitucionalidade em si da instituição de subsídio a ex-Governadores de Estado-membro, por meio de emenda constitucional, a depender ou não de iniciativa governamental, ou por traduzir aumento de despesas, em face do princípio do poder constituinte derivado ou instituído, situo-me apenas na órbita do modelo federal, para entender ser inconstitucional a Emenda ora impugnada por não se achar em harmonia com os parâmetros delineados pela Constituição Federal.
(...)
Diante do exposto e por impor despesas que gravam as finanças do Estado, parece-me caracterizado o periculum in mora e existente a plausibilidade do sinal do bom direito, razões pelas quais, defiro o pedido liminar para suspender a eficácia da Emenda constitucional nº 003, de 30 de novembro de 1945, do Estado do Amapá.”

4. CONCLUSÃO

Ante o exposto, manifesta-se o Advogado-Geral da União pela inconstitucionalidade do art. 2º da Emenda Constitucional Estadual nº 35, de 20 de dezembro de 2006, que acrescentou, ao Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, o art. 29-A.

São essas, Excelentíssimo Senhor Relator, as considerações que se tem a fazer em face do art. 103, § 3º, da Constituição Federal, e tendo em vista a orientação fixada na interpretação do referido dispositivo nas ADI’s nºs 1.616/PE e 2.101/MS, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 24.08.2001 e 15.10.2001, respectivamente, cuja juntada aos autos ora se requer.

Brasília, de março de 2007.

ALVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA
Advogado-Geral da União

GRACE MARIA FERNANDES MENDONÇA
Secretária-Geral de Contencioso

MARCELO ANDRADE FÉRES
Diretor do Dep. de Controle Concentrado de Constitucionalidade

MÁRCIA REGINA GONÇALVES DA SILVA
Advogada da União