Ophir Cavalcante pede basta à impunidade em posse no TST
Brasília, 02/03/2007 - “O povo brasileiro não mais tolera a crise ética que abala os três Poderes, sendo exemplo mais recente as denúncias de corrupção no Executivo e no Legislativo. A sociedade brasileira continua esperando uma resposta. Basta de impunidade”. A afirmação foi feita pelo diretor-tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Filgueiras Cavalcante Junior, na cerimônia de posse do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Rider Nogueira de Britto, da qual participa como representante da OAB. “Devemos exigir a investigação e punição de todos aqueles que estejam, direta ou indiretamente, envolvidos em escândalos, ou arranjos com o dinheiro da sociedade”, acrescentou.
Com um discurso pontuado na defesa da ética e na cobrança de punição para os envolvidos no esquema do “mensalão” e outros escândalos que acometeram o país, Ophir Cavalcante cobrou maior participação das instituições sociais nessa cobrança. “Precisamos lutar por um país forte, em que as instituições funcionem a tempo e a hora, em que os efeitos rigorosos da lei penal incidam sobre todas as classes, indistintamente, em que não haja castas protegidas por imunidades”.
Ainda no discurso feito da tribuna da advocacia, o diretor-tesoureiro da OAB saiu em defesa do projeto de reforma política apresentado pela entidade máxima da advocacia. Citou entre seus pontos principais a fidelidade partidária, o financiamento público de campanhas, a revogação popular de mandatos (recall), a ampliação do prazo de inelegibilidades e a verticalização das coligações partidárias.
“A partir do momento em que a lei - e sobretudo a Constituição Federal - deixa de ser a referência e o limite do governante e a garantia do cidadão, podendo ser mudada ou transgredida ao sabor das circunstâncias, possibilita-se a desordem, a impunidade e a intranqüilidade social”, afirmou Ophir Cavalcante. Durante seu discurso, Ophir Filgueiras Cavalcante falou, ainda, da experiência de Rider Nogueira de Britto no ramo trabalhista e afirmou que sua posse no TST funciona como uma homenagem ao povo do Pará - seu Estado natal e também o do novo presidente do TST.
A seguir a íntegra do discurso proferido pelo diretor-tesoureiro da OAB Nacional, Ophir Filgueiras Cavalcante Junior:
"Senhoras e senhores
Minhas palavras iniciais são de agradecimento ao Presidente Nacional da OAB, Cezar Britto, pela indicação de meu nome para manifestar, nesta solenidade, o sentimento da advocacia brasileira pela chegada à Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, do Ministro Rider Nogueira de Brito.
Muito mais que uma homenagem a um advogado trabalhista, à advocacia trabalhista, à classe jurídica paraense, a indicação é, na verdade, uma homenagem ao povo do Pará, que hoje se sente orgulhoso por estar sendo representado no cenário jurídico trabalhista brasileiro por um ilustre filho daquela terra de tantas belezas.
Aliás, o Pará tem dado expressiva contribuição à Magistratura Trabalhista Nacional, sendo de destacar a presidência desse Colendo Tribunal por mais dois ilustres paraenses, os Ministros Raymundo de Souza Moura e Orlando Teixeira da Costa.
O Ministro Rider Brito, filho do poeta Saladino e de Altamira de Brito, nasceu em Óbidos, belo município da Região Oeste do Pará, cujo Hino Oficial foi composto por seu pai e musicado pelo maestro Wilson Fonseca (Isoca).
Ainda menino, foi para Belém, a Capital do Estado, com o objetivo de estudar e prestar vestibular para Agronomia, dada a sua intensa identificação com a vida no campo e o interior da Amazônia, Ocorre que, às vésperas de submeter-se ao Vestibular, prestou concurso público para Auxiliar Judiciário Classe “E”, no Tribunal Regional do Trabalho da 8a. Região, tendo sido aprovado, o que o levou a reconsiderar sua decisão de cursar Agronomia.
Aprovado no Vestibular, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, onde conquistou o grau de Bacharel.
Enquanto isso, na Justiça do Trabalho, galgava os mais diversos postos na área administrativa, culminando com o cargo de Diretor Geral da Secretaria, antes de tornar-se Juiz do Trabalho Substituto, através de concurso público no qual foi aprovado em primeiro lugar.
Após breve período como juiz substituto, foi nomeado Juiz Titular da então Junta de Conciliação e Julgamento de Santarém, onde passou alguns anos, deixando, na cidade conhecida como a Pérola do Tapajós, sólidas amizades que até hoje perduram.
De Santarém foi transferido para a 4.ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belém, onde permaneceu durante 14 anos, até ser promovido, pelo critério de merecimento, ao cargo de Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho da 8a.
Região, onde chegou à Presidência.
Foi na condição de Presidente de Junta, que eu, ainda estagiário, tive a oportunidade de realizar com S. Excia., no início da década de 80, minha primeira audiência, sendo que continuei a fazê-lo depois de formado. A cada audiência de que participava, mais aumentava minha admiração pelo então Juiz Rider Brito, por sua postura séria, humana e, sobretudo, justa na solução dos dissídios individuais que lhe eram submetidos.
Suas marcas eram, e continuam sendo, a competência, a seriedade, a determinação e a celeridade com que instruía e julgava os processos sob sua jurisdição, sendo que muitas audiências eram adiadas, a pedido das empresas, porque entre a distribuição e a inaugural não havia sequer decorrido cinco (5) dias, como prevê a CLT.
Em determinada audiência, lembro perfeitamente, defendia eu uma empresa que trabalhava em um grande projeto no interior do Estado, sendo que, dentre outras matérias, se discutia o direito à percepção de horas extras durante o intervalo intra-jornada. O trabalhador alegava que levava 20 minutos para almoçar e pleiteava receber o restante da hora reservada ao almoço como extra.
Ainda na tentativa de conciliação, defendi que era humanamente impossível alguém almoçar em tão curto espaço de tempo, como forma de descaracterizar o direito buscado e diminuir o valor do acordo. O Juiz Rider Brito, sempre direto, me olhou e disse: “Doutor Ophir, não é nada de humanamente impossível, pois eu levo quinze minutos para almoçar e volto a trabalhar em seguida”. Resultado: uma condenação ao pagamento de horas extras.
Essas lições, importantíssimas para o meu amadurecimento profissional e de muitos outros advogados que puderam com ele interagir, não pude tê-las nas cadeiras de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, enquanto acadêmico de Direito, pois o Ministro Rider Brito lecionava em outro Curso no qual não estudei, o Centro de Estudos do Pará – CESEP, hoje Universidade da Amazônia – UNAMA, onde formou e paraninfou dezenas de turmas.
Aliás, seu entusiasmo pela causa trabalhista sempre foi tão grande que o fazia estimular (ou talvez cooptar) jovens advogados a prestar concurso e seguir a carreira da Magistratura (eu fui uma dessas vítimas, mas resisti. Segundo o Ministro Rider, porque queria ficar rico como advogado, o que até hoje ainda não consegui).
Sempre apostando na qualificação profissional como forma de crescimento daqueles que desejam seguir a carreira da Magistratura, coordenou o Curso de Preparação e Aperfeiçoamento de Magistrados, realizado por meio de um convênio entre o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região e a Universidade Federal do Pará, em nível de Especialização, assim como participou de várias bancas examinadoras de concursos, sendo de destacar os concursos para advogado do Banco do Estado do Pará - BANPARÁ, Procurador do Estado e de Juízes Substitutos do próprio TRT da 8a. Região.
Novamente, nos concursos públicos por mim prestados para advogado do BANPARÁ e, posteriormente para Procurador do Estado do Pará, nossos destinos se cruzaram, tendo eu sido avaliado pela mão firme e competente do Ministro Rider Brito. Ressalto que em ambos fui aprovado.
Em dezembro de 1995, o Ministro Rider Brito galgou o cargo de Ministro do TST, tendo ocupado a Corregedoria, a Vice-Presidência e, agora, a Presidência, coroando, assim sua carreira dedicada integralmente à causa trabalhista.
Durante todos esses anos, afora seu trabalho, sua família, e as viagens a passeio, seus momentos de grande realização ocorrem quando de suas incursões pelos confins da Amazônia, no rio Nhamundá, por exemplo, ou no Lago Grande de Franca, onde se entrega ao seu passatempo predileto, que é a pescaria, hospedado em casas de parentes ou amigos.
Segundo seu cunhado e grande amigo, o advogado Célio Simões de Souza, o Ministro Rider “é familiarizado com a pesca de zagaia, de tarrafa, de linha ou espinhel, contanto que não fique sem o seu troféu...”
Novamente o destino nos une, selando ainda mais a amizade de Rider e Elba por Ophir (o pai) e Célia, sua colega de faculdade, e que foi transferida para os filhos, genros e noras e, espero, seja repassada aos netos.
Mas, Ministro Rider Brito, o momento em que vivemos confere à advocacia, à Magistratura e ao Ministério Público, uma missão ainda maior do que as constitucionalmente previstas, em um permanente exercício de investigação e crítica; na defesa incansável do pleno funcionamento das instituições; na observância irrestrita do devido processo legal, especialmente no que diz respeito ao direito à liberdade; na defesa das prerrogativas dos advogados e, sobretudo, no olhar crítico, que não significa a cômoda atitude de, apenas, apontar erros e defeitos alheios, mas sugerir soluções para os problemas que afligem a sociedade.
As desigualdades do mundo suscitam uma pergunta: o que fazer para criar uma sociedade mais justa? Temos um Estado a confundir, freqüentemente, a regra da liberdade com a exceção da prisão deliberada, injusta e até ilegal; a romper o equilíbrio dos Poderes e abusar da aplicação de medidas provisórias que alteram a ordem jurídica, criando um corpo de leis próprio. E que, não obstante tudo isso, falha no que é mais elementar: a vigilância de seus atos.
Os sinais de omissão, de negligência, são claros. Os conflitos sociais crescem a cada dia. Os espectros da miséria e do desespero rondam a vida das pessoas, nas cidades e no campo. A crise do emprego, que se agrava ao mesmo tempo em que importamos tecnologia de ponta, revela quão paradoxal é o modelo de desenvolvimento que nos foi imposto.
Nas salas de aula, se o computador é realidade para uns, para outros faltam energia elétrica, carteiras, cadernos, livros e giz, para não falar dos salários injustos pagos a esforçados mestres Brasil afora.
No campo, chegamos aos grãos transgênicos, embora a maioria dos trabalhadores rurais esteja condenada a viver na era da enxada e não tenhamos resolvido o problema do latifúndio. No âmbito da Justiça, nega-se aos cidadãos carentes o direito à defensoria pública. Apesar de tudo isso, dizem alguns que é bom viver em uma economia globalizada.
Na feliz análise de Cristovam Buarque, a humanidade já passou por inúmeros momentos como esses. Primeiro foi o momento que pudemos chamar de BIOLÓGICO quando o homem se ergueu, diferenciando-se, assim, de seus ancestrais primatas. O segundo momento, quando aprendeu a domesticar plantas e animais para seu consumo e bem-estar e sedentarizou-se, criando cidades. O terceiro, quando essas cidades permitiram dobrar a esquina ideológica: os gregos construíram uma organização social e política baseada no espaço de iguais, inventando a democracia.
Mais recentemente, o Iluminismo e a Revolução Industrial permitiram ao homem dobrar a esquina da civilização industrial, criando uma sociedade moderna. Pela primeira vez na História, todos os homens são proclamados iguais.
Inicia-se o que chamamos de modernidade, que evoluiu para a situação que vivemos em nossos dias.
O próximo momento, segundo o mesmo Buarque, será o de uma encruzilhada ética, com dois caminhos alternativos: continuar com a ética do progresso do século passado, em que se dava prevalência ao aspecto técnico em detrimento do aspecto social, ou construir um progresso da ética para o século que se inicia, tendo, como pilar básico, uma economia voltada para o progresso técnico, mas sem esquecer dos valores humanistas.
Não podemos mais conviver com o modelo econômico do livre mercado, em que a economia se internacionaliza, exigindo, via de conseqüência, um Governo Internacional. E isso não é quimera.
Aí estão o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o G-7 – o grupo dos sete países mais ricos do mundo. E o que dizer das ONGs, por eles estruturadas e mantidas, que dissimulam, muitas vezes, estar agindo em benefício de países pobres e de seu povo.
É o monopólio do poder internacional que relativiza o conceito de soberania e que torna as nações mais pobres colônias a alimentar as metrópoles industrializadas.
A lógica que preside a economia hoje é a do homem existir para ela, e não ela para o homem.
Essa lógica não atende à postura ética que deve presidir as relações sociais e econômicas no mundo atual. Por isso, deve ser criticada a postura monetarista que vem sendo adotada pelo Governo Federal, no sentido de aumentar o lastro de nossas reservas para pagamento da dívida quando a maioria do povo brasileiro não tem sequer emprego.
Mas não é só.
A biotecnologia e a engenharia genética estão superando a indústria eletrônica. Mudanças virão. Resta saber se o avanço nessas áreas irá favorecer a melhoria da qualidade de vida do homem, ou apenas, proporcionará lucros às indústrias com as sementes transgênicas, com a produção de espécies animais, com os clones, inclusive do homem. Essa será a revolução do terceiro milênio.
Diante dessa realidade que se avizinha, nossa posição não pode ser de meros espectadores, mas de partícipes na construção de uma sociedade mais justa, em que o Estado abandone o modelo concentrador em que pauta sua agenda e passe para um modelo distributivo.
Na busca desse novo modelo, tem sido exemplar a postura do Judiciário Trabalhista brasileiro, no sentido de defender os princípios que pautam o Direito do Trabalho, lutando por mais justiça social e agindo, de forma pedagógica, para punir todos aqueles que privilegiam o lucro desmesurado em detrimento do cumprimento da lei.
Ao lado disso, precisamos lutar por um país forte, em que as instituições funcionem a tempo e a hora, em que os efeitos rigorosos da lei penal incidam sobre todas as classes, indistintamente; em que não haja castas protegidas por imunidades; em que o eleitor possa conhecer o voto do parlamentar que elegeu e usar esse mesmo voto para retirar o mandato de quem não honrou seus compromissos; em que as desigualdades regionais sejam minoradas por meio de uma eficaz e séria política de incentivos fiscais; onde prevaleça a ética sobre todas as coisas.
E é justamente a ética que precisamos buscar incessantemente, pois nossas instituições vivem hoje uma crise moral sem precedentes, com reflexos na cidadania e no exercício profissional.
A partir do momento em que a lei – e sobretudo a Constituição Federal – deixa de ser a referência e o limite do governante e a garantia do cidadão, podendo ser mudada ou transgredida ao sabor das circunstâncias, possibilita-se a desordem, a impunidade e a intranqüilidade social.
Exemplo marcante disso tem sido o clima de insegurança que domina a sociedade em todo o país. Enquanto houver impunidade; enquanto aqueles que estão no Poder não tiverem a exata dimensão de que o soberano é o povo, continuaremos vivendo esse clima de intranqüilidade social.
O povo brasileiro não mais tolera a crise ética que abala os três Poderes, sendo exemplo mais recente as denúncias de corrupção no Executivo e no Legislativo. A sociedade brasileira continua esperando uma resposta.
Não podemos nos conformar com soluções negociadas. Devemos exigir a investigação e punição de todos aqueles que estejam, direta ou indiretamente, envolvidos em escândalos, ou arranjos com o dinheiro da sociedade.
BASTA DE IMPUNIDADE!
Devemos continuar lutando pela depuração de nossas instituições, de modo a conferir-lhes a credibilidade que delas se espera e, com isso, continuar fortalecendo a democracia.
No particular, ressalto o projeto de reforma política defendido pela OAB, cujo objetivo maior é o de conferir maior dignidade ao voto com a adoção da fidelidade partidária; com o financiamento público de campanhas; com a revogação popular de mandatos (“recall”); com a ampliação do prazo de inelegibilidades e verticalização nas coligações partidárias, dentre diversas outras propostas.
Como disse, essa luta não é só de uma classe, mas de todos nós, que devemos, com o nosso exemplo, quebrar os paradigmas atuais para que se construa uma sociedade mais ética e menos injusta, utilizando o Direito do Trabalho como instrumento de diminuição das desigualdades sociais e de maior e melhor distribuição de renda.
Para encerrar o meu pronunciamento, peço licença para conceder a palavra a um convidado especial a esta sessão solene: o jurista português Boaventura de Sousa Santos. Retirei de sua obra “Pelas mãos de Alice”, um trecho que nos remete à utopia, ou realidade, da construção de um futuro melhor. Fiquemos imersos em suas palavras. Tudo mais seria redundante e dispensável.
“A verdade é que, depois de séculos de modernidade, o vazio do futuro não pode ser preenchido pelo passado nem pelo presente. O vazio do futuro é tão-só um futuro vazio...
Penso, pois, que, diante disso, só há uma saída : reinventar o futuro, abrir-lhe um novo horizonte de possibilidades, buscando alternativas novas, radicalmente opostas às que deixaram de o ser. Com isso, assume-se que estamos a entrar numa fase de crise paradigmática, e portanto, de transição entre paradigmas epistemológicos, sociais, políticos e culturais.
Assume-se também que não basta continuar a criticar o paradigma dominante, o que, aliás, está feito já à saciedade. É necessário, além disso, definir o paradigma emergente. Esta última tarefa, que é de longe a mais importante, é também de longe a mais difícil.”
Desejo uma profícua gestão a Vossa Excelência, Ministro Rider Nogueira de Brito, e aos Ministros Milton de Moura França e João Oreste Dalazen, respectivamente Vice-Presidente e Corregedor Geral da Justiça do Trabalho, pedindo a Deus que os ilumine para que continuem a trilhar o caminho da defesa da Justiça, da ética, da sociedade e da cidadania.
Muito obrigado"